Foi logo em 1254 que o "Terceiro Estado" (os cidadãos indiferenciados) participou pela primeira vez nas Cortes. A Constituição de 1822 enterrava o feudalismo e o absolutismo, dando igualdade a todos os cidadãos* (para lá do monarca). Infelizmente foi sol de pouca dura e o poder de dos cidadãos* só é reconquistado explicitamente em 1911, e definitivamente em 1975/6 para todos cidadãos maiores de idade.
Numa República Parlamentar são os cidadãos que livremente formam grupos com ideias políticas semelhantes, é da discussão interna que saem listas de cidadãos disponíveis para representar estas ideias, e são todos os cidadãos (independentemente de estarem nestes grupos ou não) que escolhem quais as listas que melhor representam a sua opinião para estas se reunirem numa assembleia de cidadãos.
Está muito na voga a ideia dos políticos e dos cidadãos serem dois compartimentos estanques, como a Nobreza o foi em tempos idos. O líder do Podemos espanhol vai ao ponto de falar na casta política (já aqui mostrei o meu desconforto com isto). Isto é apenas uma roupagem nova do velho populismo do ódio aos políticos e do "eles são todos iguais" e do "eles só pensam neles". É mais fácil e confortável lidarmos com o mundo deste modo maniqueísta, do que tentar perceber e envolver-nos no complexo processo de escolha e debate público da democracia.
Dado o êxito deste discurso populista aqui ao lado, há vários movimentos a acotovelarem-se para ocuparem este espaço em Portugal. Marinho e Pinto fala em abrir "o sistema político aos cidadãos". O Juntos Podemos (que conta com Joana Amaral Dias) quer "devolver a voz aos cidadãos" e promover uma "assembleia cidadã". Por último, e com pena minha, o Livre ao juntar-se a outros movimentos quer lançar uma "candidatura cidadã".
O que me leva à pergunta, actualmente se não são os cidadãos que têm voz, e que gerem o sistema político, quem é?
A divisão artificial entre nós e eles é uma ideia populista perigosa porque enterra mais a confiança na democracia parlamentar. É também contra-producente para os movimentos que a lançam, porque esvazia o debate e retira importância à participação em grupos de cidadãos politicamente activos (estejam eles definidos na lei como partidos ou não). Pode agradar no curto-prazo a algumas camadas populistas, mas o que acontecerá na próxima eleição em que participarem? Já não serão vistos como cidadãos, mas como membros da casta.
Não deixa de ser irónico que os três movimentos tenham como figuras mais conhecidas um actual eurodeputado, um ex-eurodeputado e uma ex-deputada.
Claro que a nossa democracia pode ser melhorada, seja em termos de participação seja em rotatividade - talvez baixando o número mínimo de assinaturas para candidaturas. Já tenho escrito que sou adepto do sistema holandês, onde a proliferação de vários partidos obriga sempre a governos de coligação (com 2, 3 ou 4 partidos), e cria uma cultura de debate e compromisso. Mas os excelentes resultados do Livre nas Europeias, e o de Rui Moreira nas autárquicas, mostram que ele está longe de ser estanque.
Nota: não tenho, e nunca tive qualquer envolvimento partidário.
*A definição de cidadãos não era tão abrangente como hoje, mas a diferenciação por classe social desaparece.
Está muito na voga a ideia dos políticos e dos cidadãos serem dois compartimentos estanques, como a Nobreza o foi em tempos idos. O líder do Podemos espanhol vai ao ponto de falar na casta política (já aqui mostrei o meu desconforto com isto). Isto é apenas uma roupagem nova do velho populismo do ódio aos políticos e do "eles são todos iguais" e do "eles só pensam neles". É mais fácil e confortável lidarmos com o mundo deste modo maniqueísta, do que tentar perceber e envolver-nos no complexo processo de escolha e debate público da democracia.
Dado o êxito deste discurso populista aqui ao lado, há vários movimentos a acotovelarem-se para ocuparem este espaço em Portugal. Marinho e Pinto fala em abrir "o sistema político aos cidadãos". O Juntos Podemos (que conta com Joana Amaral Dias) quer "devolver a voz aos cidadãos" e promover uma "assembleia cidadã". Por último, e com pena minha, o Livre ao juntar-se a outros movimentos quer lançar uma "candidatura cidadã".
O que me leva à pergunta, actualmente se não são os cidadãos que têm voz, e que gerem o sistema político, quem é?
A divisão artificial entre nós e eles é uma ideia populista perigosa porque enterra mais a confiança na democracia parlamentar. É também contra-producente para os movimentos que a lançam, porque esvazia o debate e retira importância à participação em grupos de cidadãos politicamente activos (estejam eles definidos na lei como partidos ou não). Pode agradar no curto-prazo a algumas camadas populistas, mas o que acontecerá na próxima eleição em que participarem? Já não serão vistos como cidadãos, mas como membros da casta.
Não deixa de ser irónico que os três movimentos tenham como figuras mais conhecidas um actual eurodeputado, um ex-eurodeputado e uma ex-deputada.
Claro que a nossa democracia pode ser melhorada, seja em termos de participação seja em rotatividade - talvez baixando o número mínimo de assinaturas para candidaturas. Já tenho escrito que sou adepto do sistema holandês, onde a proliferação de vários partidos obriga sempre a governos de coligação (com 2, 3 ou 4 partidos), e cria uma cultura de debate e compromisso. Mas os excelentes resultados do Livre nas Europeias, e o de Rui Moreira nas autárquicas, mostram que ele está longe de ser estanque.
Nota: não tenho, e nunca tive qualquer envolvimento partidário.
*A definição de cidadãos não era tão abrangente como hoje, mas a diferenciação por classe social desaparece.
3 comentários :
Miguel,
Creio que uma coisa é concordar que "em tese" qualquer cidadão tem iguais oportunidades de influenciar uma estrutura partidária - e isso é muito importante face às circunstâncias onde nem sequer essa garantia formal existe - outra coisa é reconhecer que na prática existem estruturas onde pode existir uma maior ou menor abertura para a participação dos cidadãos.
Por exemplo, ao permitir que todos os membros e apoiantes tenham igual voto nos congressos onde se determina o programa do partido, e que todos podem propôr alterações a este programa, o LIVRE torna muito mais acessível "na prática" a possibilidade de um cidadão que dedique um tempo limitado à política determinar o rumo do partido a que pertence.
(Já sem falar na questão das primárias, directas, a transparência do facto das reuniões serem todas públicas e acessíveis via internet, etc..)
A plataforma que quer criar (que pode não ter "cidadã" no nome, muitos por razões semelhantes às tuas não querem, mas que eu votarei para que tenha) vai um passo mais longe nessa acessibilidade: não exige a pertença a uma estrutura com uma continuidade no tempo, mas apenas a um projecto de mudança pontual. Como o compromisso sentido é menor, é muito mais fácil para muitas pessoas que queiram participar neste projecto serem parte dele, diminuindo assim a distância entre a estrutura e potenciais cidadãos interessados.
Este esforço em aproximar os cidadãos da concretização deste projecto político (e não apenas do seu apoio na altura de votar) é em si um mérito distintivo desta proposta, e é isso que o termo "cidadão" pretende evocar, a meu ver.
Eu gosto dessa abertura Livre/Tempo de Avançar, como sabes. A escolha da palavra "cidadão" é que acho muito má por estar implícito a ideia dos "outros" não serem "cidadãos". Acho que facilmente se arranja um termo que expresse melhor esses ideais a que te referes.
Por outro lado, sinto algum desconforto com a abertura de um partido* a não-militantes** no processo de decisão interna, porque pode esvaziar o papel do militante. Se no fim ele acaba por ter tanto peso como alguém de fora, porquê empenhar-se? Talvez a solução do Livre de ter dois níveis de militância seja uma boa solução.
Acho que foi o Ricardo A. que notava há uns tempos que os ministros franceses foram quase todos eleitos deputados antes de ir para o governo, enquanto cá grande parte dos ministros chegam com o rótulo prestigioso de "independente". Não tenho grande respeito pelo funcionamento interno de vários partidos em Portugal, mas esta abordagem só desprestigia ainda mais a participação política sem resolver o problema.
* ou "movimento"
** ou "membros"/"apoiantes" nessa novilíngua da visão feudalista da democracia representativa ;P
«A escolha da palavra "cidadão" é que acho muito má por estar implícito a ideia dos "outros" não serem "cidadãos".»
Isso seria como dizer que o nome "Bloco de Esquerda" tem implícito que todos os outros partidos (incluindo o PCP) são de direita.
O que o "Partido Republicano" dos EUA tem implícito que o outro é monarca e o "Partido Democrata" tem implícito que o outro é anti-Democrata. E por aí fora...
É mais a afirmação de um valor que uma acusação implícita. E neste caso nem sequer é uma afirmação de valor vazia, é um valor que é materializado numa forma particularmente aberta de funcionar.
De resto, concordo com o que dizes sobre os dois níveis de militância, mas sou suspeito ;)
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