segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Compilação incompleta de ataques à Liberdade

Desde que sigo política no nosso país nunca observei um ataque tão agressivo e sistemático à Liberdade como aquele que é perpetrado pelo actual Governo.

A esse respeito, gostaria de deixar aqui referências a alguns dos episódios de que me recordo. Encorajo o leitor a usar o espaço dos comentários para lembrar algumas situações de que me tenha esquecido.

Começo por uma ocorrência muito recente, relativa à violação do Regimento da Assembleia, que foi descrita pela deputada Isabel Moreira do PS nos seguintes termos: «Nunca aconteceu na história da AR. Eis a democracia parlamentar desfeita.». O deputado do PCP Miguel Tiago, a este respeito, afirmou que «A Direita PSD/CDS começam a ganhar tiques muito óbvios de prepotência, de captores da democracia e do funcionamento do Regime. [...] O Regimento da Assembleia foi pura e simplesmente violado abertamente.»

Relembro também a relação problemática que este Governo mantém com a Liberdade de imprensa, desde o episódio mais simbólico da agressão a um repórter de imagem por parte de um segurança de Pedro Passos Coelho, até ao caso mais substantivo e sério de censura de um programa de rádio ("Este tempo") devido a críticas ao regime Angolano, passando pela situação verdadeiramente inadmissível de ameaça a uma então jornalista do jornal Público (além das pressões ao próprio jornal, Miguel Relvas terá ameaçado a jornalista Maria José Oliveira dizendo que publicaria de forma anónima informações sobre a sua vida pessoal).
Sobre a RTP, Nuno Santos alegou que a sua demissão foi o culminar de uma «cilada», um derradeiro ataque do Governo à Liberdade de informação: «Trabalhar com inteira liberdade e total independência não é um detalhe desprezível nestes tempos incertos para o jornalismo e no clima que se vive na empresa e no país». Sobre este episódio suspeito que levou à mudança da direcção de informação na RTP, vale a pena atentar nesta recolha documentada de alguns factos pertinentes.

O Governo tem tomado também um posicionamento de pendor autoritário face às questões da video-vigilância, a começar pela forma como manietou a Comissão Nacional de Protecção de Dados, preferindo contornar as garantias que esta Comissão visava estabelecer, evitando inclusivamente consultá-la quanto à legislação nesta matéria. Mais ainda, optou por obrigar os novos estabelecimentos comerciais a instalar, no prazo de cinco anos, equipamento de video-vigilância, uma medida coerciva que irá na prática criar uma «renda» para as empresas que vendem este tipo de equipamento.

As prioridades orçamentais do Governo também dão razões para preocupação. Apesar de toda a contenção de despesas de que ouvimos falar, poucos parecem saber que, de acordo com o Orçamento de Estado para 2013, «A despesa total consolidada do Programa da Defesa em 2013, ascende a 2.188,4 M€, o que reflete um acréscimo de 14,1%», e isto já depois do Ministro da Defesa ter anunciado um reforço de 4000 militares em 2012.
No que diz respeito à Administração Interna, a SIS também tem usufruído de alguma generosidade no plano orçamental - como o Ricardo Alves questionou neste blogue: «De acordo com o Correio da Manhã de 2008, o SIS terá 270 pides. Segundo o Jornal de Notícias de 2011, serão 600 pides. A acreditar na imprensa desta semana, estes espiões terão ao seu dispor 144 automóveis. Portanto, será algures entre um automóvel para cada dois funcionários e um automóvel para cada quatro funcionários. "Gordura do Estado"?»

Por outro lado, os serviços secretos têm estado envolvidos em alguns escândalos, sendo o mais conhecido aquele protagonizado por Silva Carvalho, a respeito da venda de informações privadas e secretas à Ongoing. Este episódio foi mais tarde complementado pela revelação das relações entre Silva Carvalho e Miguel Relvas, que terão permitido ao segundo fazer as ameaças a Maria José Oliveira acima mencionadas. É grave que os elementos responsáveis pelas denúncias dos crimes de seus colegas contra a República tenham sido exonerados. E é difícil manter a tranquilidade sabendo que o nº 2 do SIS vai trabalhar para a China, tendo em conta tudo o que se passou.

O Governo parece também sentir-se ameaçado pelos movimentos sociais contestatários, e em resposta as forças da autoridade têm-se mostrado dispostas a contornar a lei para inibir este tipo de actividade, recorrendo se necessário à intimidação. Quando quatro (ou oito, consoante a versão) elementos do "Movimento Sem Emprego" tentaram distribuir panfletos sobre as acções da sua associação à porta do Centro de Emprego do Conde de Redondo, a polícia pediu a identificação dos elementos, notificando e acusando uma das participantes de «crime de desobediência e por ter convocado uma manifestação sem autorização». A PSP alegou que perante a lei «duas pessoas já fazem uma manifestação», e que uma manifestação é definida como sendo o «ajuntamento em lugar público de duas ou mais pessoas com consciência de explicitar uma mensagem dirigida a terceiros» - uma definição tão abrangente que incluirá qualquer pedido de grupo num restaurante.
Sobre a perseguição a vários activistas como Paula Montez, já tinha escrito neste blogue, e mais não tenho a acrescentar.


Por último, três manifestações ocorridas nos últimos 14 meses merecem aqui referência.

Começo por relembrar os confrontos entre polícias infiltrados na manifestação de 29 de Novembro de 2011 e agentes do Corpo de Intervenção, um indício forte e preocupante - entre outros - de que os primeiros eram efectivamente «agentes provocadores».

Também no que diz respeito a manifestações, lembro o que se passou a 22 de Março de 2012, quando dois jornalistas (da Lusa e da Agência France Press) foram violentamente agredidos pelas forças da autoridade - o fotógrafo da Agência Lusa foi levado para o Hospital de S. José com vários ferimentos na cabeça. Outros inocentes (inclusivamente uma turista francesa) foram agredidos nesse dia.

Sobre a manifestação mais recente, dia 14 de Novembro de 2012, volto a pedir atenção às denúncias de Garcia Pereira, bem como a esta análise (documentada) sobre os eventos desse dia pois, além de relatarem vários factos preocupantes, dão indícios fortes de que existiam agentes policiais entre o grupo de pessoas que apedrejava a polícia. Bem mais fortes que estas imagens.


[Texto editado para corrigir um lapso quanto ao nome da jornalista alegadamente ameaçada por Miguel Relvas - agradeço ao Luís Humberto Teixeira a chamada de atenção]

2 comentários :

Wyrm disse...

E soluções? Pergunta sincera... O que podemos fazer? A maior parte da população ilude-se e tenta justificar a actuação do governo.

Mais violência só beneficia a escumalha partidária e económica que controla o país mas parece que o sindrome de estocolmo é de tal ordem que ninguem quer votar em outros partidos que não sejam os da referida escumalha.

O que fazer? Eu sinceramente já não sei e entretanto, saí do país... :(

João Vasco disse...

Uma pergunta sincera, importante e pertinente.
É a pergunta certa.

Só é pena é não existir uma resposta simples e fácil.
É claro que, o que quer que seja, exige esforço (mais do que aquele a que muitos parecem estar dispostos), mas tudo o resto é menos claro...