Analisemos a comunicação de Cavaco.
- «(...) declarações de destacadas personalidades do partido do Governo exigindo ao Presidente da República que interrompesse as férias e viesse falar sobre a participação de membros da sua casa civil na elaboração do programa do PSD (o que, de acordo com a informação que me foi prestada, era mentira) (...)»
Versão de Cavaco: os assessores não participaram na elaboração do programa do PSD. Facto: há uma assessora que foi candidata. Também há uma «fonte» de Belém que, creio que sem se deslocar à Avenida de Roma, diz que «posso almoçar com uma ou outra pessoa e isso significa o quê?». Enfim, almoçar não é elaborar. É dar umas ideias. Prossigamos.
- «(...) não tenho conhecimento de que no tempo dos presidentes que me antecederam no cargo, os membros das respectivas casas civis tenham sido limitados na sua liberdade cívica, incluindo contactos com os partidos a que pertenciam (...)».
- «(...) as interrogações que qualquer cidadão pode fazer sobre como é que aqueles políticos sabiam dos passos dados por membros da Casa Civil da Presidência da República (...)»
Está bem. Os outros sabiam dos «passos dados». Portanto, houve passos. E contactos. Mas não é «participação»: não pagaram as fotocópias nem fizeram as actas.
Vamos à parte substantiva.
Vamos à parte substantiva.
- «(...) onde está o crime de alguém, a título pessoal, se interrogar sobre a razão das declarações políticas de outrem? (...)»
Crime não será, mas é pouco ético lançar suspeições de vigilâncias quando não se tem certezas. Particularmente, quando se pertence à Casa Civil da Presidência e estão em causa as relações entre órgãos de soberania.
- «(...) Desconhecia totalmente a existência e o conteúdo do referido e-mail e, pessoalmente, tenho sérias dúvidas quanto à veracidade das afirmações nele contidas. (...)»
- «(...) confesso que não consigo ver bem onde está o crime de um cidadão, mesmo que seja membro do staff da casa civil do Presidente, ter sentimentos de desconfiança ou de outra natureza em relação a atitudes de outras pessoas (...)»
O problema, como se entende, não são os «sentimentos» de Fernando Lima. O problema é ele ter pegado num dossiê e ir partilhar, não «sentimentos», mas pseudo-«informações». Com um jornalista. E dizendo-se autorizado superiormente. Quanto a isso, não basta «duvidar» da «veracidade» do e-mail. O Presidente tem razões para concluir que o e-mail é falso? Não tem: tê-lo-ia dito peremptoriamente. Fernando Lima agiu à revelia de Cavaco? Não o fez, pois Cavaco tê-lo-ia corrido de Belém - e ele continua lá. Sim, não há crime. Há só uma grave falha ética - o que, para um Presidente, é imperdoável.
- «(...) o e-mail publicado deixava a dúvida na opinião pública sobre se teria sido violada uma regra básica que vigora na Presidência da República: ninguém está autorizado a falar em nome do Presidente da República, a não ser os seus chefes da Casa Civil e da Casa Militar. E embora me tenha sido garantido que tal não aconteceu, eu não podia deixar que a dúvida permanecesse. Foi por isso, e só por isso, que procedi a alterações na minha Casa Civil (...)»
- «"será possível alguém do exterior entrar no meu computador e conhecer os meus e-mails? Estará a informação confidencial contida nos computadores da Presidência da República suficientemente protegida?” Foi para esclarecer esta questão que hoje ouvi várias entidades com responsabilidades na área da segurança. Fiquei a saber que existem vulnerabilidades e pedi que se estudasse a forma de as reduzir.»
Esta parte é um pouco estranha. Quer isto dizer que o email revelado estava no computador dele? O Fernandes colocou-o em CC? Não entendo.
Em resumo: não nega a já famosa excursão de Lima à Avenida de Roma; não nega que, confrontado com a pergunta «tem autorização superior?», Lima tenha feito um sorriso sábio; não nega que Lima continua por lá; não nega a existência do dossiê.
A renúncia ao mandato está prevista na Constituição.
A renúncia ao mandato está prevista na Constituição.
5 comentários :
Ele desceu mais baixo do que aquilo que imaginava que descesse.
Começa a parecer patético.
O sistema republicano não serve. O PR, seja ele qual for, nunca consegue ser isento. Para além disso, as sua funções são algo ambiguas, deixando à descrição de cada um a interpretação das mesmas. A sua actuação é sempre susceptível de suspeitas ou de favorecimento do partido do governo ou de desfavorecimento em detrimento do partido da sua simpatia com mais ou menos subtileza. Isto tem sido assim desde Ramalho Eanes e episódios de querelas entre o PR e o Governo têm sido comuns a todos. Este caso é apenas mais um. É por tudo isto e mais que sou defensor da Monarquia Constitucional à semelhança do que ocorre nos países com mais estabilidade política da Europa que são precisamente Monarquias. É o único sistema em que existe uma separação clara entre a chefia de Estado e o Governo; em que o chefe de Estado é naturalmente isento, sem nunca ter tido qualquer filiação partidária, estando totalmente acima dos partidos. Enfim, se tivéssemos uma Monarquia, nada disto se passaria. Basta dizer que em comparação com a Espanha e mesmo descontando o facto de lá não ter havido uma revolução (25/04), mas apenas uma transição pacífica, temos que a Espanha desde que vive em democracia e em igual período, teve apenas 5 primeiro-ministros, nunca tendo havido uma interrupção de governo. Nós já lhes perdemos a conta com tantas dissoluções e demissões. É nesta instabilidade do nosso sistema político que começam os nossos problemas de desenvolvimento. Mais do que quaisquer aritméticas macro-económicas.
Caro Duarte,
os reis não pertencem a uma espécie animal diferente da nossa. Têm as mesmas qualidades, defeitos e fraquezas do que qualquer um de nós. Numa monarquia, isto poderia perfeitamente acontecer, com a agravante de que seria muito mais difícil (senão impossível) destituir ou remover eleitoralmente o chefe de Estado.
A estabilidade é, sem dúvida, um valor. Mas a Bélgica, por exemplo, não é por ser uma monarquia que deixa de trocar de governo com maior frequência do que nós. Sem que isso, pelo que vejo, se reflicta notavelmente na prosperidade económica. Porque esta última não depende de termos um chefe de Estado eleito ou hereditário. Depende do nível de formação científica da população, da acumulação de riqueza em gerações anteriores, da capacidade empresarial, e de outros factores.
Ah, e não me venha dizer que o Duarte-pretendente-ao-que-não-existe é isento. Basta fazer uma busca por «Arqueonautas» neste blogue para descobrir o contrário.
A chefia de estado monárquica está mais que comprovado nos países que possuem este sistema, é exercida com maior isenção, dado existir uma separação muito mais clara de poderes. O rei reina, o governo governa e não há qualquer mistura. A "nossa" constituição defende que o PR deve ser isento, mas neste sistema essa insenção é sempre deturpada pelo percurso político-partidário do mesmo. Para além disso, o rei (ou rainha) tem, normalmente, uma preparação para o cargo que um PR não tem. Salvo raras excepções - e a excepção confirma a regra - os países com Monarquias Constitucionais gozam de uma estabilidade superior. Recordo, também, que no exemplo que evocou - a Bélgica - o facto de ser uma monarquia constitui o garante da sobrevivência do próprio país tal como o conhecemos, ou seja, unificado. Doutra forma, cada uma das partes estaria sempre envolvido em guerras políticas pela presidência, como é fácil de imaginar. Não se esqueça, ainda, que o rei não depende do apoio deste ou daquele partido e goza de verdadeira independência, não querendo com isto dizer que não tenha as suas preferências como ser humano que é, mas com a diferença de não serem conhecidas, nem utilizadas como fonte de conflitos e de polémicas. Quanto a D. Duarte, o qual foi referido por si com pouco respeito, não é rei, nunca foi preparado para tal, e portanto não tem a mesma responsabilidade que teria se fosse.
Duarte,
não me parece que me tenha referido ao seu homónimo com pouco respeito. Limitei-me a sugerir que pesquisasse sobre as ligações desse personagem a uma empresa algo nebulosa, envolvida na caça aos tesouros. Ou o património nacional afundado não lhe merece, a si, respeito?
Quanto ao resto, não deve exagerar o papel da educação. Não é por educarmos as crianças para serem músicos, matemáticos ou estadistas que se tornam, respectivamente, músicos, matemáticos ou estadistas. A natureza humana é bem mais complexa do que a sua visão simplista.
Temos muito a ganhar em conhecer o percurso político-partidário de quem exerce a chefia de Estado, incluindo as suas preferências pessoais. Na monarquia isso não é possível, e na República sim. O que é uma vantagem, entre outra, do regime republicano.
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