terça-feira, 11 de novembro de 2008

Palavra de animal!

O que nos distingue das outras espécies animais (para além da capacidade de escrever em blogues e outras coisitas desse género), é a faculdade de sacrificarmos os nossos interesses ao respeito pelos direitos de outrém (ou pelo bem comum). Não vejo essa capacidade nas outras espécies, e portanto continuo a achar que só os animais humanos têm direitos. Concretamente, nunca me apercebi de que os leões fossem capazes de controlar o desejo de comer um bebé indefeso, ou que os mamíferos não humanos fossem capazes de controlar o ímpeto para ter relações sexuais com uma fêmea isolada. Mas devo ser eu que tenho má opinião dos animais. Especiísta me confesso.
O Miguel Madeira defende que por os cães serem capazes de obediência/lealdade, teriam direitos. Mas não é a obediência que se exige de um cidadão. É a liberdade responsável. A obediência canina pode levar (e leva, por vezes) a um cão atacar um inocente. Um animal humano, pelo contrário, sabe onde a obediência deve parar: na obediência a ordens injustas, ou ordens para cometer crimes. Um animal humano que obedece a uma ordem para cometer um crime merece ser tratado como criminoso, seja polícia ou outra coisa qualquer. Não vejo os animais não humanos a serem capazes de interiorizar que os outros têm direitos, e duvido que alguma vez o venham a ser capazes, por muito que eduquemos os chimpanzés. Nesta linha, o Miguel pergunta o que faríamos perante os Neanderthal, se ainda andassem por aí, ou outras espécies hominídeas agora extintas (como o Homem das Flores, que pode ter existido até há poucas centenas de anos atrás). A questão é sem dúvida interessante.

O Francisco Burnay objecta que temos deveres para com o ecossistema. Eu não concordo. Temos deveres para com os outros seres humanos, que passam por garantir um meio ambiente saudável para eles (e para nós). O respeito pelo ecossistema é um meio de respeitarmos os outros animais humanos, e não um fim em si mesmo. E também me repugna a violência gratuita sobre animais. A violência que leva a que eles acabem no meu prato, essa, já não é gratuita. Mas rejeitarmos essa violência tem mais a ver com a sociedade (humana) que queremos do que com atribuirmos «direitos» aos outros animais.
O Ludwig Krippahl não me compreendeu, pois afirma que eu considero um direito uma espécie de «prémio». Não. Não se trata de medalhas. Temos deveres perante quem respeita os nossos direitos. Quem os desrespeita perde o respeito. E o que se faz a quem desrespeita os nossos direitos é justamente limitar-lhe os direitos. Por exemplo, privá-lo de liberdade. Ou de convívio social.
Só respeitamos quem se compromete a respeitar. Quem dá palavra de homem (ou de mulher).

5 comentários :

Anónimo disse...

Eu não disse que tínhamos deveres para como ecossistema. Disse que proteger o ecossistema era um dos nossos deveres e que podia ser um dos nossos deveres - mesmo que fosse para connosco próprios - proteger os animais do sofrimento desnecessário.

A questão quanto a mim reduz-se a isto: as razões que me levam a ter de reconhecer a terceiros os direitos que reivindico para mim próprio podem até certo ponto ser aplicadas a outros animais.

Se eu quero direitos para mim então não há razão nenhuma para os recusar aos outros que me são semelhantes no que toca a esse direito. Se eu posso votar, o que é que impedirá os outros de votar também? O que é tenho que me permite votar que os outros não têm? Entendimento e um mínimo de educação? Então todos nessas condições têm o mesmo direito que eu.

Se eu tenho o direito a não ser torturado porque a dor é para mim algo de mau e que evito sempre que posso, então todos os que estão numa situação semelhante à minha devem ser poupados a ser torturados.

E mesmo quem desrespeita os meus direitos continua a merecer respeito: o direito a não ser torturado, por exemplo.

Miguel Madeira disse...

O meu argumento não era tanto a de que os cães teriam direitos por serem capzes de obediencia/lealdade, mas, sobretudo, por terem o conceito (instintivo) de "normas de comportamento social".

"Concretamente, nunca me apercebi de que os leões fossem capazes de controlar o desejo de comer um bebé indefeso, ou que os mamíferos não humanos fossem capazes de controlar o ímpeto para ter relações sexuais com uma fêmea isolada. Mas devo ser eu que tenho má opinião dos animais."

Os lobos têm sinais de rendição durante as suas lutas e, se um lobo se rende (exibindo o pescoço) normalmente é poupado pelo vencedor. Provavelmente haverá casos em que o vencedor dá à mesma a dentada mortal, mas a execução de vencidos é também do que mais há nas sociedades humanas.

Miguel Madeira disse...

"ou que os mamíferos não humanos fossem capazes de controlar o ímpeto para ter relações sexuais com uma fêmea isolada"

Penso que numa matilha de lobos, por regra só o macho e a fêmea dominantes acasalam (não confundir com o que se passa numa bando de herbívoros ou de leões , em que o macho dominante acasala com todas as fêmeas). É verdade que estamos a falar de uma matilha, pelo que talvez não cumpra o critério "fêmea isolada".

Miguel Madeira disse...

Embora parte de uma perspectiva liberal que não é a minha nem (suponho) a dos outros intervenientes na discussão, este post (e outros do mesmo autor que não estou para procurar) tem algumas reflexões sobre o assunto:

http://www.highclearing.com/index.php/archives/2007/08/27/7031

Ludwig Krippahl disse...

Ricardo,

«é a faculdade de sacrificarmos os nossos interesses ao respeito pelos direitos de outrém (ou pelo bem comum). Não vejo essa capacidade nas outras espécies,»

Ena, tens que me dizer onde moras. Um sítio sem formigas nem abelhas nem vespas deve ser porreiro para fazer picniques... :)