terça-feira, 7 de outubro de 2008

Propriedade

É, na minha opinião, o que melhor separa a esquerda e a direita. O valor que é dado à propriedade privada, a protecção que se pensa que esta merece.

Quem vê a propriedade privada como um valor absoluto não tem problemas em considerá-la uma extensão do indivíduo tão válida quanto o mesmo. Furtar algo a alguém não será fundamentalmente diferente de uma agressão física a essa pessoa, visto que um ataque à sua propriedade é um ataque a si própria. E isto é afirmado sem vergonha, como se fosse natural equiparar uma pessoa às suas posses.
Que não me revejo nesta visão é tão óbvio quanto o facto de escrever neste espaço.

Também não me revejo no extremo oposto. Acredito que deve existir, e merecer alguma protecção, propriedade privada. Passo a explicar porquê.

Os seres humanos em geral são algo egoístas, e algo altruístas - uns mais do que outros. O "algo egoístas" é suficiente para que fenómenos como a "tragédia dos comuns" tenham uma importância social muito grande.
Se a propriedade for partilhada, e as opções forem livres, a prosperidade será diminuta. Existirá pouca motivação para trabalhar, visto que aquilo de que se usufrui depende pouco do esforço e dos sacrifícios feitos.
Por isto só foram viáveis sociedades com propriedade quase totalmente partilhada quando as opções individuais deixaram de ser livres.
O que se passou na Rússia, na China, na Coreia, em Cuba, etc.. não foi um acidente. A ditadura não foi uma subversão infeliz dos ideais marxistas. Foi uma consequência natural da partilha da propriedade, sendo a sua alternativa a insolvência do regime.

Se as pessoas não são obrigadas a trabalhar, e aquilo que recebem não vai depender do seu esforço, muito poucas vão esforçar-se devidamente, passado o estado nascente (que explica o sucesso das comunidades Anarquistas na catalunha durante a guerra civíl espanhola).

Para muitos o exemplo da URSS não é mais do que aquilo que precisam para afirmar o capitalismo selvagem como superior à "esquerda". Tosca argumentação.
Em primeiro lugar porque esquece as inúmeras possibilidades políticas que existem entre os dois extremos. Isto é tanto mais cómico quanto todos os regimes políticos europeus se situam confortavelmente longe desses extremos (mesmo que caminhando em direcção a um deles com passos preocupantemente largos).
Em segundo lugar porque a comparação entre os extremos não é assim tão favorável ao capitalismo selvagem. Sim, a URSS era horrível, a ditadura, a opressão e o diabo. Mas a Rússia de Ieltsin que se seguiu não foi muito melhor. A miséria, a insegurança, a injustiça... É uma comparação interessante porque ao invés de comparar duas sociedades diferentes, comparam-se dois momentos no tempo, não assim tão distantes.

Para quem tem barriga cheia, a escolha pode parecer fácil. Liberdade, claro! Mas é difícil usufruir da liberdade com a barriga vazia e medo das máfias ao lado, e os russos parecem não ter achado assim tanta piada ao "mercado livre". Aos poucos e poucos o regime vai ficando cada vez mais parecido com o que era antes da Perestroika. E entre os russos parecem haver mais aplausos que assobios.

Longe de mim defender Putin e a sua cleptocracia opressora. E muito menos o imperalismo soviético anterior à queda do muro. Apenas quero deixar claro que, se limitarmos as nossas opções aos extremos (em si simplista e infantil), o extremo da esquerda não fica a perder. E nem preciso de chamar Pinochets ou Mussolinis ao barulho.

50 comentários :

Filipe Castro disse...

100% de acordo!

NWO Observer disse...

visitem este blogue. abraços.

Miguel Madeira disse...

«O "algo egoístas" é suficiente para que fenómenos como a "tragédia dos comuns" tenham uma importância social muito grande.
Se a propriedade for partilhada, e as opções forem livres, a prosperidade será diminuita. Existirá pouca motivação para trabalhar, visto que aquilo de que se usufrui depende pouco do esforço e dos sacrifícios feitos.»

A "tragédia dos comuns" (apesar do nome) não tem a ver com situações de propriedade partilhada, tem a ver com situações de ausência pura e simples de direitos de propriedade (seja ela privada, comunitária, estatal, etc.).

João Vasco disse...

Miguel Madeira, a "tragédia dos comuns" aplica-se directamente à propriedade partilhada.
Por exemplo: o Alfredo e o Miguel partilham a conta do telefone. Uma chamada custa 20 cêntimos, e o Alfredo estaria disposto a pagar 15c para ligar ao seu primo. Como essa chamada só lhe custa 10c (20/2) ele vai fazê-la. O miguel pensa da mesma forma, e no fim ambos pagam uma conta bem grandita. Ambos foram prejudicados pelas suas próprias acções.

O raciocínio que eu fiz já não é tão directo. Em vez de aplicar esta explicação aos gastos apliquei-a aos ganhos. Mas a diferença é apenas aparente e não fundamental.

João Vasco disse...

De qualquer forma foi por isso que escrevi «fenómenos como a "tragédia dos comuns"». A estrutura fundamental do fenómeno é a mesma, mesmo que o contexto de aplicação não seja o mesmo.

no name disse...

como dizia o outro, a única coisa em que o KGB e a CIA estavam de acordo, durante a guerra fria, era que a URSS era um "regime comunista"...

Anónimo disse...

A propósito deste post, até acho mesmo que se pode falar num paradigma muito diferente dos dois extremos(capitalismo selvagem com um Estado mínimo, ou ausência de propriedade privada e ditadura; em ambos os casos tratam-se de governos oligárquicos). Refiro-me ao paradigma de um Estado democrático, em que existe propriedade privada e mercado livre com regulação, mas mais que isso, o Estado não intervém em nenhuma área económica em que tenha prejuízos, a não ser que o interesse público o justifique, e por outro lado, e aqui está a inovação, - o Estado intervém em todas as áreas económicas em situação de livre e justa concorrência com as empresas privadas, na condição de ter lucros e de cumprir as regras de mercado. Daqui só podem resultar empresas mais competitivas, melhores serviços, mais fundos públicos, mais concorrência, mais possibilidades de investimento porque a economia seria mais dinâmica, e logo, mais e melhor emprego, condições de vida, igualdade social, etc...

Anónimo disse...

Sintomático a censura dum exemplo,
a do facto de Israel ser um Estado 'democrático'(em que casais judeo-palestinas têm problemas criados pelo dito Estado) ,teológico(como o do Irão...) se estar a borrifar para a sacrossanta propriedade privada,n'é?Ora,com é um contra-argumento de peso,toca mandar para o cesto dos papeis,se calhar a pensar no assassinio de Rosa Luxemburgo e o papel dos ditos sociais-democratas que se põem em bicos dos pés para gerir melhor o hediondo regime capitalista.Pq se até há 3 semanas atrás era um pecado para vª excª as nacionalizações na Venezuela,agora têm a única via que é nacionalizar (os prejuízos para os mui falados contribuintes).S~sao muitas contradições,meu caro...
E,se quer histórias da barbárie 'socialista' como acorrupção eu sei de algumas... e portanto,da sua superioridade moral.Boa tarde

Anónimo disse...

segundo anónimo: @£@£§£€!1!!

João Vasco disse...

Anónimo:

Sintomatica é a teoria da conspiração de que eu não referi esse "exemplo" por não me ser conveniente (e não pela simples razão de que é falso - em Israel existe propriedade privada - se o país se tivesse tornado todo ele um Kibutz, essa situação não teria durado muito tempo...).

Sintomática é a simplificação infantil de pôr toda a esquerda não comunista no mesmo saco, como se pensassem todos da mesma maneira. Sabe lá quem era a favor e contra as nacionalizações? Ou a favor de quais e contra quais?

Por fim não entendi quem é que tem superioridade moral lá porque o anónimo conhece histórias de barbárie e corrupção...

João Vasco disse...

A mensagem anterior foi dirigida ao anónimo das "7:15:00 PM".

João Vasco disse...

E já agora, a própria evolução dos Kibutz confirma aquilo que afirmo neste texto.

Veja-se http://en.wikipedia.org/wiki/Kibbutz

«Kibbutzim have gradually and steadily become less collectivist in the past twenty years. Rather than the principle of "From each according to his ability, to each according to his needs", kibbutzim have adopted "from each according to his preferences, to each according to his needs." This has entailed changes in areas such as children's living arrangements, payment for services, and salaries. Eating arrangements have also changed. When food was free, people had no incentive to take the appropriate amount. Now 75% of kibbutz dining halls are pay as you go a la carte cafeterias. In addition, many kibbutzniks now choose to eat at home. As a result, most kibbutz dining halls are no longer open for three meals a day.»

«Kibbutz families live in larger homes than in the past, own electrical appliances and use the internet like most Israelis. Group activities are much less well attended than they were in the past, including kibbutz general meetings which are now infrequently scheduled in most kibbutzim.»

«Perhaps the most dramatic example of how some kibbutzim have abandoned the principle of equality is the adoption of differential salaries. While in the past, all kibbutz members received the same stipend, today many kibbutzim choose to better compensate those in high-skill positions or those with considerable responsibilities in comparison to their peers»

Passado o estado nascente, a natureza humana inviabiliza certas soluções. E quanto mais elementos tem uma comunidade, mais rápido isso tende a acontecer.

Anónimo disse...

eu discordo,

os anarquistas em espanha tinham um sistema proprio de regulaçao, onde nao havia dinheiro havia vouchers ou moedas locais (lets systems) para alem disto havia formas de participaçao democratica.
dizer que´foi o estado de "amor sem limites" que deu bons resultados e nao o sistema em si nao pode er verdadeira, tendo em conta o tempo que durou nas circunstancias (de guerra) em que durou.

em relaçao à famosa tragedia dos comuns, nao é verdadeira.
o facto dos kibutzin terem mudado os seus esquemas em nada tem com a tragedia dos comuns.

o facto de comerem no mesmo recinto nada tem com a propria ideia de propriedade comum.alias o texto em nada fala ao que se refere esta teoria (tragedia dos comuns) que é o facto, nao das pessoas terem uma vida em comum no strito senso, mas os meios de produçao estarem em comum.

e continua-se a cair na tendencia de toda a gente ter um rendimento igual, outra ideia forçada, altamente forçada por alguns para descredibilizar e sabotar os fundamentos da propriedade comum.

agora pode-se afirmar que dentro da esuqerda haja quem defende isto, no entanto é uma questao de escolha pessoal. e no caso dos kibutzin tem uma forte vertente religiosa.o que nao é bom nem mau é uma escolha.

João Vasco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Vasco disse...

Agitador:

«os anarquistas em espanha tinham um sistema proprio de regulaçao, onde nao havia dinheiro havia vouchers ou moedas locais (lets systems) para alem disto havia formas de participaçao democratica.»

Sim, daí eu referir essa notável excepção. Haverá outras, mas escolhi essa por ser das mais significativas.


«dizer que´foi o estado de "amor sem limites" que deu bons resultados e nao o sistema em si nao pode er verdadeira, tendo em conta o tempo que durou nas circunstancias (de guerra) em que durou.»

Eu acho o contrário: foram as circusntâncias (de guerra) que permitiram que esse estado durasse tanto tempo.
A guerra traz ao de cima dos seres humanos o que há de pior e de melhor. Já li várias vezes que o grau de camaradagem entre correlegionários que existe numa guerra mortífera é extraordinariamente elevado. É fácil de entender que assim seja tendo em conta a natureza humana. A cooperação pode ser mais profunda quando o instinto de sobrevivência dá uma ajuda.

Quanto aos kibutzin, não referi nada disso no meu texto inicial. Mas um outro comentador adivinhou uma "agenda social democrata censória" por trás da falta dessa referência. Por isso respondi que esse exemplo também não colheria - pelo contrário essas comunidades progrediram precisamente da forma que esperaria: o estado nascente vai gradualmente dando lugar a um sistema que necessita da propriedade privada para ser viável.
Quanto mais pequena for a comunidade, mais tempo tenderá a demorar esta transição. Mas até agora a natureza humana tem-na tornado inevitável.

A "natureza humana" pode mudar, não o nego. Mas até lá uma comunidade livre de tamanho razoável não consegue subsistir sem alguma forma de propriedade privada. Como isto é fruto do egoísmo e da ganância, lamento-o.

Mas não creio que esse egoísmo e ganância sejam culpa do capitalismo e da promoção do consumismo como alguns anarquistas acreditam (se bem que isto possa agravar o problema).
Acho que a culpa é da selecção natural que assim moldou a natureza humana. Algo altruísta, algo egoísta.

Anónimo disse...

"A guerra traz ao de cima dos seres humanos o que há de pior e de melhor."

concordo, no entanto a propria participaçao democratica e horizontal cria esse espirito partipativo, activo, e solidariedade para com o outro.

nao sendo apenas uma caracteristica em tempos de guerra.


um exemplo, é durante os regimes de extrema direita, imbuidos de todo o tipo de valores transcendentes e "unitarios" que eram assolados por uma corrupçao "upa upa".

ou seja, ao contrario desse raciocinio, nao é o individuo so por si, mas tambem as suas instituiçoes que impelem os individuos a darem predominancia a determinada faceta da sua personalidade.


isto porquê? nao pela natureza corrupta do homem, como a teologia judeo-crista nos habituou. mas devido à estrutura real da sociedade.

nao estou com isto, a defender o "moldar" das vontades ou da natureza humana, pois ela nao existe, mas antes a propor a união entre o "poder e a vontade de poder" de nietzche e a "união de egoistas" de stirner.

e isto, nao nega a existencia de propriedade privada, mesmo na ideologia mais extremista em relaçao à propriedade que é o anarquismo.

o individualismo e o commum, nao são, para os anarquistas, conceitos antagonicos, assim como a igualdade e a liberdade, nao existe uma sem a outra.

um dos principios basicos dos anarquistas é: eu ter poder de decisao em algo na medida em que me afecta.
ora, isto é um principio, nao uma receita para tudo.

nao vamos usar o sistema de voto para ver o que a outra pesoa vai vestir nesse dia ou onde vai comer. neste caso é uma decisao de cada pessoa.

os anarquistas estavam cientes de uma derrota, tendo em conta que tinham a comunidade internacional contra eles.

João Vasco disse...

Agitador:

Esta é uma discussão que me interessa bastante, pois tenho a Anarquia como a utopia que me é muito apelativa. Acho é impossivel de a concretizar em grande escala neste milénio, mas enfim..

De qualquer forma, a discussão interessa-me mas não entendi muito bem o que quiseste dizer na tua última mensagem.

Dizes que as ditaduras nacionalistas, não obstante os valores que propalavam, acabaram por sucumbir à corrupção. Mas parece que dizes isso para defender que existem sistemas em que ninguém é corrumpível pela ganância, pelo egoísmo e pela mesquinhês, quando isso é apenas mais um indício do contrário.


Eu não acredito que a natureza do homem seja "corrupta". Acredito que a natureza do homem é animal. Isto não é de surpreender porque o homem É um animal.
Os mamíferos têm propensões naturais para agir altruisticamente e egoisticamente, uns mais de uma maneira, outros mais de outra. Concordo que o contexto institucional pode alterar um pouco estas propensões, mas actualmente não vejo que as comunidades anarquistas tenham consiguido fazer desaparecer todas as propensões egoístas que podem prejudicar e colocar em causa a vida comunitária.


Dizes que propões «a união entre o "poder e a vontade de poder" de nietzche e a "união de egoistas" de stirner.» De Nietzche só li o "Assim falava Zaratruska", não creio que tenha falado sobre isso lá. Quanto a Stirner, não li nada dele. Por isso, desculpa a minha ignorância, mas não sei o que propões.

O que dizes a seguir sobre o Anarquismo são coisas em relação às quais eu concordo. Acho que o Anarquismo é mesmo o melhor sistema para uma sociedade sem egoísmo nem maldade.

Só não concordo que seja viável uma sociedade livre sem propriedade privada, precisamente porque não me parece que o egoísmo seja tão facilmente evitável. Não acho que o problema esteja penas na "antipatia" da comunidade internacional. Nesse aspecto a história dos kibutzin é ilustrativa. Nos primeiros tempos era tudo bonito, mas pouco a pouco tiveram de se fazer alterações. Muitas pessoas não se preocupavam com o consumo de electricidade, com o desperdício de comida, ou não queriam desempenhar as tarefas mais desagradáveis.

Até gostava de estar enganado.

Anónimo disse...

"Dizes que as ditaduras nacionalistas, não obstante os valores que propalavam, acabaram por sucumbir à corrupção. Mas parece que dizes isso para defender que existem sistemas em que ninguém é corrumpível pela ganância, pelo egoísmo e pela mesquinhês, quando isso é apenas mais um indício do contrário."

isto é um indicio de que a forma como está estruturada a sociedade torna as pessoas susceptiveis à corrupçaoe ao despotismo, isto pela natureza hierarquica e despotica dessas instituiçoes. e com isto mostrar a influencia da natureza das proprias instituiçoes.

as sociedades anarquistas nao querem fazer desaparecer as propensoes egoistas, mas antes torna-las não prejudiciais.
por exemplo, os anarco-individualistas (desde proudhoun) são socialistas.
no meu entender as tendencias egoistas nao prejudicam a vida comunitaria, isto se elas tiverem estruturas adequadas por onde se manifestarem. isto é, estruturas horizontais e nao hierarquicas.

"a vontade de poder" surge no livro o anticristo, basicamente é o que freud chama de inconsciente uma especie de impulso, é tambem até certa medida um combate à ideia da imutabilidade do homem.

em relação a stirner, basicamente condena tanto o cacete comunista como a cenoura capitalista. fala de individualismo, com a sua filosofia radical do "eu muito meu".

eu referi a antipatia da comunidade internacional em relaçao ao facto de, apesar de tudo, os anarquistas em espanha tinham uma noçao da derrota que acabou por acontecer.

em relaçao ao desperdicio, essa sim pode ser considerada uma critica ao genero "a tragedia dos comuns" só faz sentido numa comunidade sem consciencia ecologica, sem consciencia social e apatica.

mas pensemos desta forma se tivermos um recurso comum (meu e teu) que seja escasso ou importante nao seria de mutuo interesse preserva-lo? até de interesse egoista mesmo, do genero "entao e eu?"?

actualmente existe um desperdicio colossal desde comida, transportes, etc etc... mas isso nao é egoismo, é estupidez e ignorancia.

o problema de hoje, é que as pessoas vivem num "mundo cão", é o que dizem os moralistas da praça, pior que isso defendem-no. e agem como tal. sempre existiu uma moral dominante, esta é a da nossa era.

abraço.

João Vasco disse...

Agitador:

Dizes que é possível tornar o egoísmo não prejudicial numa comunidade livre, mas não sei como.

Imagina uma comunidade em que existem várias coisas para fazer: plantar batatas, manter os paineis solares, cozinhar, etc... e... lavar as latrinas.
Agora imagina que toda a gente acha que lavar as latrinas é o trabalho mais desagradável. Numa fase inicial, o mais provável é que essa tarefa vá rodando pelas pessoas.
Agora imagina que o sujeito A sente mesmo um enorme incómodo com essa actividade. Não o quer fazer. Deverá ser obrigado pelos outros?

Se for, lá se vai a sociedade livre. A comunidade obriga o indivíduo a fazer o que não quer.

Se não for, preservaste a liberdade, mas criaste um outro problema. Qualquer pessoa egoísta pode aproveitar esta oportunidade para dizer "ah, eu também não quero limpar as latrinas."
Ainda haverá altruistas suficientes para as manter limpas, mas ao fim de um tempo a injustiça começa a parecer gritante.
Principalmente se este tipo de atitudes se reflecte em montes de outros aspectos. Os egoístas cavam menos batatas, passam o tempo a divertir-se e a usufruir do trabalho alheio enquanto os altruistas para compensar têm uma carga de trabalho cada vez maior. Os altruistas também não são parvos e eventualmente deixam também eles de trabalhar tanto. As latrinas ficam sujas e a comida torna-se mais escassa.

Aí, ou a comunidade se desfaz, ou muda as regras como aconteceu nos kibutzin em que estabeleceram formas de propriedade privada para lidar com estes pproblemas.

Tu dizes que isto não é inteligente por parte dos egoístas. Concordo contigo se estiveres a falar numa comunidade que se desfaz em poucos anos - mas mesmo assim é esta a forma como muitos agem. Não concordo se estivermos a falar, como no caso dos kibutzin, de uma comunidade que durou gerações. Aí podem ter egoístas a viver uma vida inteira à custa dos mais altruistas, mas pouco o suficiente para não desfazer logo a comunidade.

O problema da tragédia dos comuns que eu falei no texto é precisamente aquilo que destroi o teu argumento de «mas pensemos desta forma se tivermos um recurso comum (meu e teu) que seja escasso ou importante nao seria de mutuo interesse preserva-lo?»

Vou descrever-te o problema de uma forma matemática, para entenderes o que quero dizer com isto. Imagina que temos todos um recurso comum, e se eu for lá fazer uma actividade ganho 20, mas desvalorizo o recurso comum em 30. Se o recurso for de 10 pessoas, isto quer dizer que eu ganho 20 e perco 3 (30/10). Como lucro 17, se eu for egoísta vou fazê-lo.

Se achas isto ridículo, pensa como funcionam as pessoas quando vão a jantares em comum: pedem bebidas, sobremesas, etc. que muitas vezes não pediriam se tivessem ido jantar sozinhas. Claro que pedir o prato XPTO muito caro vai pôr a conta delas mais cara, mas apenas um poquinho. Se estivessem sozinhas não pediam esse prato, mas como o custo adicional é repartido por todos, assim já pedem.
Ou uma conta telefónica partilhada - eu já vivi essa experiência - curiosamente toda a gente faz mais chamadas do que se a conta não fosse partilhada.

Se existir egoísmo, ou sofres estes problemas que vão destruír a comunidade, ou limitas a liberdade das pessoas, ou instituis formas de propriedade privada.

Se existir uma outra saída, explica-ma.

abraço

gorkiana disse...

A questão da tragédia dos comuns é algo que me interessa, por isso estudei um pouco o assunto e tenho a minha opinão sobre isso.

É preciso dizer que o artigo sobre a tragédia dos comuns, escrito por Garrett Hardin, é considerado quase como um texto sagrado, sendo, como quase todos os textos sagrados, mais citado que lido. Um pouco como o teorema de Gödel.

O argumento da tragédia dos comuns para mim sempre foi um bocado falacioso e altamente ideológico.

Primeiro que tudo porque parte de vários axiomas que, para mim, são bastante questionáveis:

1- Os homens sempre foram e sempre serão egoístas.

2- Os homens não conseguer ser racionais.

Estes dois argumentos funcionam bem quando se programa um qualquer cenário de teoria de jogos, o resultado da tragédia dos comuns é sempre o mesmo: a destruição dos comuns. Donde se conclui logo que todas as sociedades baseadas na solidariedade e na partilha de recursos são utópicas.

Primeiro que tudo acho que é importante olhar para estes axiomas e identificar neles uma nítida marca de uma ideologia: a ideologia que defende a propriedade privada, o interesse individual, a imutabilidade e impotência do ser humano, marcada nos "egoísta" e no "sempre foi e sempre será" e no "não consegue".

O termo comuns, surgiu em Inglaterra e referia-se aos pastos, às florestas e outros recursos similares partilhados nas zonas rurais até ao meio do séc.XIX.

A palavra tragédia surge, como em Aristóteles, não como algo triste mas como algo que é inevitável, mais forte que qualquer vontade, irredutível.

Hardin diz que o pastor que pretende expandir o seu rebanho irá perceber que o custo associado à depauperação do terreno irá ser dividido por todos, mas ele sozinho irá obter todos os seus ganhos individuais. Portanto, o pastor racional irá adicionar mais um elemento ao seu rebanho, levando a que todos actuem da mesma forma, levando à destruição do comum.

Hardin ignorou o que de facto acontece num comum: a autoregulação por parte das comunidades envolvidas. Hardin esqueceu-se completamente de exemplos históricos de comuns que existiram. Um deles é dado por Engels sobre as comunidades baseadas com comuns que existiam na Alemanha pré-capitalista. Este facto histórico é confirmado por diversos historiadores que referem até não uma tragédia dos comuns mas triunfo dos comuns, relatando inúmeros sucessos de comunidades desssas: veja-se os "stinting" que era o nome dado pelos ingleses às regulamentações, feitas pela comunidade, no sentido de definir limites de utilização dos comuns.

Hardin diz que cada pastor (indivíduo) vai agir no sentido de maximizar o seu ganho, porquê? Diz
também que os indivíduos são egoístas e que a sociedade é simplesmente uma assemblagem de
indivíduos, sem relações entre si, e que estes não se importam com o impacto das suas acções na
comunidade. Esta é uma componente fundamental da teoria económica ortodoxa (leia-se pro-capitalista).

Este argumento é absurdo, a evidência diária mostra que tal não é verdade. Existem relações
sociais, a sociedade não é apenas a soma aritmética de indivíduos. Até a nossa sociedade capitalista que premeia os comportamentos mais anti-sociais foi incapaz de terminar a solidariedade e a cooperação. O facto de que ao longo dos séculos os pastores racionais não destruiram os comuns é uma prova disso.

É preciso também ver que para este argumento ser verdadeiro é preciso crer que o interesse individual irá ser sempre superior ao interesse de manter a comunidade viva e o próprio pastor é parte da comunidade. Ninguém se mata a si próprio inconscientemente. É absurdo pensar isso.

A descrição de Hardin não é a da partilha de cumuns numa sociedae pre-capitalista, mas sim o
comportamento de capitalistas numa sociedade capitalista, onde o princípio base é a propriedade
privada. Este comportamento "universal" do indivíduo é, na realidade, o comportamento de
"crescre ou morre" das empresas.

Outra falha no artigo do Hardin é que não apresenta qualquer evidência para veracidade da sua
solução do problema, apenas atira para o leitor os seus preconceitos, a sua ideologia:
"We must admit that our legal system of private property plus inheritance is unjust -- but we
put up with it because we are not convinced, at the moment, that anyone has invented a better
system. The alternative of the commons is too horrifying to contemplate. Injustice is
preferable to total ruin."

A implicação desta afirmação é que os privados (em oposição aos comuns) irão fazer um melhor trabalho no que respeita a tomar conta do nosso ambiente e preservar os nossos bens. Na realidade, diversos investigadores documentaram casos nos quais a divisão e privatização de terras administradas comunalmente tiveram resultados desastrosos. A privatização de comuns tem conduzido repetidamente à desflorestação, à erosão dos solos, etc..

Como Marx (sim, o velho das barbas) escreveu, a natureza requer longos ciclos de nascimento, desenvolvimento e regeneração, mas o capitalismo necessita de retornos de curto prazo.

Contrariamente às afirmações de Hardin, a comunidade que partilha um comum, tem um forte incentivo em protegê-lo por forma a que este funcione o melhor possível, mesmo que isso signifique não maximizar a produção actual, uma vez que esse comum é essencial à sobrevivência da comunidade nos tempos futuros. Os capitalistas têm o incentivo oposto, porque não irão sobreviver no mercado se não maximizarem o seu lucro de curto prazo. Se o etano prometer lucros mais rápidos e maiores que as florestas amazónicas, elas vão ser cortadas.

O enfoque no lucro a curto prazo atingiu um pico que roça já o absurdo, por exemplo nos livros de Bjorn Lomborg e William Nordhaus e outros, que argumentam que é irracional gastar dinheiro para parar as emissões de gases de efeito de estufa hoje porque o retorno do investimento está muito no futuro. Outros investimentos, dizem, irão produzir melhores retornos, mais rapidamente.

A administração comum não é infalível, há casos de mau uso e depauperação de recursos. Mas uma comunidade baseada em comuns não tem o ímpeto capitalista de colocar os lucros imediatos à frente do bem estar das gerações futuras. Nem impreterivelmente irá falhar.

A questão mais interessante sobre "A tragédia dos comuns" não é a sua falta de evidência e lógica - artigos científicos mal investigados e argumentados são conhecidos no meio académico. O que é gritante é o facto de que este pedaço de verborreia reaccionária ser acenado como uma análise brilhante das causas do sofrimento humano e da destruição ambiental, sendo adoptado como a base para a política social por supostos especialistas abrangendo economistas, ambientalistas, governos e agências das Nações Unidas.

Apesar de ser refutado uma e outra vez, é ainda hoje usado para dar suporte à propriedade privada e aos mercados desregulados como estradas certas para o crescimento económico. Veja-se agora o estado da economia mundial e dos efeitos desta desregulamentação.

O sucesso dos argumentos de Hardin reflecte a sua inépcia como uma explicação pseudo-científica para a pobreza mundial e a desigualdade, uma explicação que não questiona as ordens política e social dominantes. Confirma os preconceitos dos que estão no poder.

No mundo de Hardin, a pobreza não tem nada a ver com séculos de racismo, colonialismo, exploração: a probreza é algo inevitável e natural em todos os tempos e locais, é o produto imutável da natureza humana. Os probres trazem a pobreza a si próprios porque têm demasiados filhos e ligam-se a um colectivismo destructivo.

A "tragédia dos comuns" é um mito político útil, vestido de ciência, diz-nos que não há alternativa à ordem mundial dominante.

Hardin diz, no seu ensaio, resumidamente, que o ser humano é um prisioneiro da biologia e do mercado. Iremos, inevitavelmente destruir as nossas comunidades e o ambiente por uns quantos punhados de lucros mais. Nada podemos fazer para tornar o mundo melhor ou mais justo.

Em 1884 Friedrich Engels descreveu um argumento semelhante como "uma blasfémia repulsiva contra o homem e a natureza".

João Vasco disse...

Gorkiana:

Não sei se leste os comentários até aqui, mas aquilo que escrevi é que os homens têm propensões egoístas e altruistas (uns têm mais umas, e outros têm mais outras, mas todos têm ambas) o que resulta de sermos animais como os outros mamíferos, e dos comportamentos egoístas nuns casos e altruistas noutros terem sido eficazes a espalhar os genes.

Assim sendo, quando dizes que é "pouco lógico" dizer que há sempre egoísmo entre os homens, fica por explicar esse ponto.

Dizes que o que refuta o texto é a existência de comunidades que não agiram da forma descrita, mas isso em nada refuta o texto. Porque aqui o problema é saber se comunidades LIVRES teriam agido desta forma. Se um pastor que abuse vai ser condenado pelos outros, claro que ele não vai abusar. Mas se puder fazê-lo inconsequentemente, será que será altruista ao ponto de abdicar do rendimento de que pode usufruir? Uns sim, mas se a comunidade for grande haverá algum que não.


«A implicação desta afirmação é que os privados (em oposição aos comuns) irão fazer um melhor trabalho no que respeita a tomar conta do nosso ambiente e preservar os nossos bens.»

Não me parece que seja essa a implicação.
Neste caso é mais razoável restringir a liberdade de danificar os danos comuns.

(Sou contra a privatização de qualquer bem ecológico que se queira proteger)

O problema da tragédia dos comuns surge quando tu não estás disposto a restringir a liberdade - como no caso das latrinas do exemplo do meu comentário anterior.


«Apesar de ser refutado uma e outra vez, é ainda hoje usado para dar suporte à propriedade privada e aos mercados desregulados como estradas certas para o crescimento económico. Veja-se agora o estado da economia mundial e dos efeitos desta desregulamentação.»

Estás a assumir que admitir a existência de propriedade privada é igual a admitir o capitalismo selvagem.
Mas existe todo um mundo de possibilidades.

«No mundo de Hardin [...]» O mundo de Hardin não conheço, e admito que o homem pudesse ser uma besta (não sei). Mas isso não impede que tivesse razão neste texto.


Em conclusão, eu vejo que tu usaste dois argumentos contra o texto:

1- A premissa de que existe sempre egoísmo é questionável

2- Empiricamente vê-se que privatizar bens comuns não tem contribuído para os proteger

Quanto ao argumento 2 concordo contigo. Só que isso não coloca em causa o artigo, que se refere ao caso em que cada agente é livre de abusar do bem comum inconsequentemente. Este é o caso da "conta de telefone partilhada" ou da "conta de jantar partilhada", ou a razão pela qual nos kibutzin deixou de ser possível partilhar a electricidade.

Quanto ao argumento 1, pergunto-te o mesmo que perguntei ao agitador: como? Como evitavas o egoísmo? Existe alguma forma conhecida de educar as crianças que faça com que elas não tenham qualquer propensão egoísta? Algum equadramento institucional que garanta que qualquer propensão egoísta não será manifestada em actos egoístas?

Acho que este é o ponto chave.

gorkiana disse...

Primeiro que tudo, peço desculpa por não ter assinado o comentário anterior, esqueci-me.

É claro que li os comentários, foi por isso mesmo que decidi escrever.

Primeiro que tudo acho um bocado redutor olhar para um homem como um mero animal que precisa de comer e procriar e, como tal, tem, de forma um pouco mágica, inexplicada e imutável, comportamentos egoístas e altruístas. O Homem é um animal sim senhor, mas temos uma característica que nos distingque dos demais animais: somos racionais. Essa ferramenta, que nos acompanha há milhares de anos, permitiu-nos sobreviver nos invernos rigorosos porque armazenávamos comida no verão. Isto é o que nos distingue dos outros animais (pelo menos espero que seja). É importante não esquecer isso.

O Homem é capaz de olhar para a realidade e, com base em informação recolhida e na razão, tomar decisões benéficas a médio e longo prazo. Esta é a grande refutação. O argumento do egoísmo é um argumento imediatista, próprio de um sistema capitalista, com já disse. Um benefício a curto prazo mas que traz um grande prejuízo a longo prazo não é bom, é mau e portanto não é uma escolha. Este é o erro de raciocínio de Hardin. O Homem tem essa capacidade de perceber isso. Isto não é refutável com uma conta de telefone, nem com uma conta de restaurante. Ninguém morre por pagar mais telefone. Mas o contrário é rebatido pelos milhares de anos de partilha de comuns sem nenhuma tragédia.

O que é que é isso do LIVRE? Achas mesmo que esse conceito de sociedade LIVRE é concretizável? Não é possível concretizar uma sociedade em que cada indivíduo é totalmente livre para fazer o que quiser. Há sempre uma infinidade de constrangimentos: físicos, sociais, etc.. Portanto, para mim, é vazio discutir com base nessa sociedade imaginária, porque não é concretizável, não passa de um exercício mental vazio. Como já disse, uma sociedade é um conjunto de relações entre indivíduos, portanto não é apenas uma soma de indivíduos, é mais que isso. Não ver isso é perder o filme todo.

Nada é inconsequente. Inconsequente quer dizer que não tem consequência, logo se eu actuo no comum e depaupero-o de forma a destruí-lo, a minha acção não é inconsequente, a sua consequência é a destruição daquilo que me alimenta. Se a acção for inconsequente, não há qualquer alteração do comum, portanto o problema nem sequer se coloca. Mais uma vez uma construção puramente mental com uma falha de raciocínio.

"Estás a assumir que admitir a existência de propriedade privada é igual a admitir o capitalismo selvagem.
Mas existe todo um mundo de possibilidades."

Quando falamos de propriedade privada/colectiva penso que não falamos do velho argumento do "não quero partilhar a minha escova de dentes". Estamos a falar de propriedade privada de comuns. Sim é inevitável, pelas próprias regras do sistema. Não vou entrar aqui em grandes explicações, há muitos livros bons sobre isso. Mas a questão principal deve-se ao facto de quando os comuns são possuídos por alguém em particular os seus interesses individuais são predominantes, em detrimento do interesse colectivo. Eu tenho poder, porque detenho o comum, de decidir para meu interesse individual exclusivo. Aí sim, surge o individualismo e o imediatismo que leva à destruição de recursos. A grande chave da luta ideológica é a dicotomia:
- interesses individuais aleatórios são bons para a sociedade em geral
- interesses colectivos pensados são bons para o indivíduo

"O mundo de Hardin não conheço", João, o mundo de Hardin é o que ele descreve no texto, a visão que ele tem do mundo e do qual retira as suas premissas. Não é o mundo real, é um mundo visto com um par de olhos turvados de preconceitos ideológicos. Penso que deves saber qual é se leste o artigo, senão pergunto-me como podes falar sobre ele.

Egoísmo, é egoísmo imediatista, se leres bem o que escrevi percebes isso. Volto a dizer. Esse funcionamento individualista e imediato de poluir agora e as próximas gerações que se desenrasquem é um egoísmo absurdo, que só existe numa sociedade com estes valores (é preciso ver que nem sempre vivemos nesta sociedade, existiram e existem outras e existirão muitas outras). O interesse de todos, e que beneficia cada um individualmente, é manter o comum de boa saúde. Perguntas-me como evitar o egoísmo? Não se trata de evitar o egoísmo. Trata-se primeiro de fazer perceber que existem alternativas (nada é imutável) e segundo que o maior interesse individual passa pelo maior interesse para o colectivo. Este é que é o grande debate ideológico.

Quanto ao que tu dizes que é o meu segundo argumento, claro que põe em causa o artigo, se leste bem o artigo, vês, tal como citei no meu primeiro texto, que a conclusão do autor é precisamente essa.

As duas premissas de que o Hardin parte e que são erradas são:

- as sociedades são somas simples de indivíduos
- cada indivíduo age somente no sentido de maximizar o seu benefício imediato

Estes dois pontos são, como eu já disse, completamente falsos.

É preciso olhar para estes artigos como eles verdadeiramente são: objectos de propaganda ideológica. As premissas são feitas para obter conclusões que se querem à partida.

Os processos de construção de sociedade não são culinária, não há receitas simples que funcionam sempre. É um processo dialéctico que encerra em si um confronto entre opostos. Não sei se todos devem lavar as latrinas ou se devem haver excepções, mas acho existirá uma luta interna na comunidade e que dessa luta sairá um resultado que será, também ele, no futuro, posto em causa.

Agora o que sei é que não há tragédia (no sentido de inevitabilidade) dos comuns, não estamos condenados a viver neste sistema, nem em basear-nos na propriedade privada de comuns.

Devemos reflectir sobre defender a propriedade privada de comuns quando nós (eu incluído) pertencemos aos poucos que podem deter uma parte, ainda que reduzida desses comuns. Devemo-nos questionar sobre se as nossas opiniões não estão pejadas de ideologia.

-artur palha

João Vasco disse...

Artur:

O homem é um animal, e tem uma capacidade de raciocínio superior à dos restantes animais. É isto que faz com que não tenha propensões egoístas, como todos os outros animais? Dificilmente.

Os animais têm compostamentos egoístas e altruístas, mas isto não está necessariamente ligado à capacidade de raciocínio. As formigas e as abelhas manifestam comportamentos mais altruistas que a maioria dos mamíferos, e ainda assim a sua capacidade de raciocínio é bem menor.

Não quero com isto dizer que não possamos mudar e deixar de ter propensões egoístas. Isto apenas significa que a capacidade de raciocínio mais elevada (a "racionalidade") não nos dá essa garantia por si só.

Tu dizes que a racionalidade deveria levar a que os comportamentos egoistas não se manifestassem, uma vez que em última análise acabariam por prejudicar o próprio, colocando em causa a sua sobrevivência. Assim, seriam comportamentos estúpidos, e não egoístas, e um ser racional não os teria, se não vivesse em capitalismo. Creio que o Agitador usou exactamente esse argumento.

Não concordo por duas razões. A primeira é que o ser humano pode comportar-se de forma estúpida, e já várias sociedades se extinguiram devido ao dano ecológico provocado ao ambiente em redor. Os Maias, os Anasazi, os habitantes originais da Ilha da Páscoa e de Pitcairn provocaram um dano ecológico tal, que isto resultou no desaparecimento dessas sociedades - e hoje o ser humano parece não ter aprendido com os erros e continuamos a destruir o meio ambiente de forma insustentável (mas hoje vivemos em capitalismo, por isso não conta para o meu argumento).

A segunda razão é que as atitudes egoístas podem não pôr em causa a sobrevivência do próprio. O exemplo que dei das latrinas não é um disparate qualquer - é este o tipo de "detalhes" que fez com que a evolução dos kibutzin fosse a que foi. Começa-se sem propriedade privada, sem capitalismo, sem nada disso, e depois vê-se que não funciona. E é natural, surpreendente seria o contrário. Se um egoísta pode, numa comunidade dessas, abusar do altruismo alheio, e se isso não põe em causa a comunidade durante o seu tempo de vida, porque não o faria? Que mecanismos teria tal sociedade para se proteger disso?
Expulsaria os que tivessem esses comportamentos? Obrigaria as pessoas a mudar de comportamentos?

«O que é que é isso do LIVRE? Achas mesmo que esse conceito de sociedade LIVRE é concretizável?»

Se achasse que sim (e espero que muito no futuro seja) eu seria anarquista, e não acreditaria na propriedade privada.

Como, pelo que conheço do comportamento humano, não creio que por enquanto isso seja possível, não sou anarquista e acredito na propriedade privada (com limites).

Mas gostava que um dia a Anarquia fosse alcansável. Duvido que ainda este milénio, no entanto..


«Há sempre uma infinidade de constrangimentos: físicos, sociais, etc..»
Mas ser livre não quer dizer que não tenha constrangimentos, quer apenas dizer que ninguém exerce coerção sobre mim.



«Nada é inconsequente. Inconsequente quer dizer que não tem consequência, logo se eu actuo no comum e depaupero-o de forma a destruí-lo, a minha acção não é inconsequente, a sua consequência é a destruição daquilo que me alimenta»

Inconsequente apenas no sentido em que ninguém pode punir o agente por fazê-lo. Expliquei-me mal, mas acho que se percebia pelo contexto...


Sobre o mundo de Hardin, aquilo que eu quis dizer é que independentemente dos preconceitos que ele pudesse ter ou não ter, isso não impede que o que ele escreveu tenha razão de ser.


«Agora o que sei é que não há tragédia (no sentido de inevitabilidade) dos comuns, não estamos condenados a viver neste sistema, nem em basear-nos na propriedade privada de comuns.»

Se existir egoísmo - como creio que existe - então essa "tragédia" seria inevitável APENAS se fosse mantida uma sociedade sem coerção.

Se tu dizes que não sabes o que é a liberdade, então aqui a tua situação é muito diferente da do "agitador".
E terás razão: Marx descreveu uma forma sustentável de solucionar este problema, fazendo com que o egoísmo de uns elementos não coloque a sobrevivência da comunidade em causa.

Mas os anarquistas sempre rejeitaram essa forma, por considerar que ela violava a liberdade. E neste ponto estou com Bakunin: viola mesmo.


«Devemo-nos questionar sobre se as nossas opiniões não estão pejadas de ideologia.»

Devemos sempre, qualquer que seja a opinião.

gorkiana disse...

João, para terminar:

Nunca disse que sociedade comunais são infalíveis, se leres o que escrevi o que digo é: não há tragédia dos comuns, ou seja, não há inevitabilidade nenhuma. Portanto é possível construir alternativas à propriedade privada.

O que é constranger senão coagir? Parece que andamos a brincar às palavras. Ambas as palavras são sinónimos, querem dizer uma redução de possibilidades de acção (liberdade) impostas pelo exterior, ou não? Se existe diferença é mesmo muito, muito, muito súbtil. Vê o dicionário, eu vi, só para tirar as dúvidas. Eu não posso com liberdade total dar um estalo a uma pessoa, porque sei e isso constrange-me ou coage-me, que essa pessoa muito provavelmente me vai responder à minha agressão. Alienar a sociedade de constrangimento e coerção é impossível. Não faz sentido falar nisso. É como falar de quadrados redondos e tirar ilações disso. O conceito em si encerra uma contradição.

A punição não tem de ser dirigida ao próprio. A punição pode vir sobre a forma de a sociedade deixar de funcionar e isso ser pior para o indivíduo do que ser um "free rider".

Voltando ao caso das latrinas, que continuo a achar muito redutor, a sociedade pode sempre optar por deixar de partilhar o trabalho das latrinas e o "free rider" deixa de o poder ser. Aí, não é preciso o ser humano em causa ser muito inteligente, considera que é melhor lavar a latrina uma vez por mês, que todos os dias. Mais uma vez, a prática e a dialética é que ditam o resultado. Consideras isto coerção/constransgimento ou não? Claro que é. Nenhuma acção em sociedade é desprovida de constrangimento/coerção. Não há o mundo LIVRE em que todos podemos fazer o que quisermos, sem qualquer influência dos outros indivíduos que fazem parte da sociedade. Isso é constrangimento/coerção.

Mas onde é que eu disse que não sei o que é liberdade? O que questionei foi o teu conceito de LIVRE (com maiúsculas) e a sua concretização e, agora, pensando bem, a tua ideia de liberdade ou LIBERDADE.

João, é a segunda vez que falas de Marx sem especificar, gostava de saber com o que não concordas em concreto. Para mim Marx não é um Deus, como tal é falível, mas há muito na sua teoria do valor e na sua filosofia que nos dá ferramentas bastante interessantes para compreender certos fenómenos sociais e económicos.

Como já disse, não tenho e duvido que hajam cartilhas para sociedades novas, é uma chatice mas temos de passar pelo processo de construção delas. Isto é dito por muitos teóricos, incluíndo Marx. Até mesmo Bakunine traduziu o Capital e apesar de ser crítico de Marx, era um defensor da teoria do valor e do materialimo histórico e dialéctico.

Para terminar, eu assumo a minha posição ideológica na mesa, não tenho vergonha dela. Agora, ainda não vi rebateres a minha argumentação. Nem porque consideras verdade os pressupostos de Hardin. Hardin conclui que é impossível haver comuns. Essa não é a evidência prática. Já agora diz-me onde é que a minha argumentação é ideológica.

-artur palha

Anónimo disse...

"magina uma comunidade em que existem várias coisas para fazer: plantar batatas, manter os paineis solares, cozinhar, etc... e... lavar as latrinas.
Agora imagina que toda a gente acha que lavar as latrinas é o trabalho mais desagradável. Numa fase inicial, o mais provável é que essa tarefa vá rodando pelas pessoas.
Agora imagina que o sujeito A sente mesmo um enorme incómodo com essa actividade. Não o quer fazer. Deverá ser obrigado pelos outros?

Se for, lá se vai a sociedade livre. A comunidade obriga o indivíduo a fazer o que não quer."


não, num futuro anarquista, anarco-individualistas, anarco sindicalistas, anarco comunistas e anarco socialistas conviverao lado a lado.
e em principio, até numa sociedade anarco comunista cada um vai ter a sua casa de banho, por isso fica a sua responsabilidade.
pode muito bem contratar, uma cooperativa relacionada com a higiene e manutençao da casa.
se houverem casas de banho em comum, é simples, essa pessoa que nao quer ajudar é livre de sair e juntar-se a outra federaçao ou deixar de usufruir desse serviço, e como tal ter de construir a sua propria casa de banho.


"Tu dizes que isto não é inteligente por parte dos egoístas. Concordo contigo se estiveres a falar numa comunidade que se desfaz em poucos anos - mas mesmo assim é esta a forma como muitos agem. Não concordo se estivermos a falar, como no caso dos kibutzin, de uma comunidade que durou gerações. Aí podem ter egoístas a viver uma vida inteira à custa dos mais altruistas, mas pouco o suficiente para não desfazer logo a comunidade."

ja rebateram aqui esta questao, no entanto dou outro exemplo, em portugal as pastagens comuns.

"Vou descrever-te o problema de uma forma matemática, para entenderes o que quero dizer com isto. Imagina que temos todos um recurso comum, e se eu for lá fazer uma actividade ganho 20, mas desvalorizo o recurso comum em 30. Se o recurso for de 10 pessoas, isto quer dizer que eu ganho 20 e perco 3 (30/10). Como lucro 17, se eu for egoísta vou fazê-lo"

no entanto estas a esquecer de uma regra base, que é a compensaçao por danos, se alguem fosse desvalorizar esse recurso, teria de compensar os outros, afinal somos "equal shareholders". desde logo noa iria compensar.
para alem disto há a questao da sustentabilidade, o individuo ao fazer isso a longo ou medio prazo tem as suas consequencias, inclusive para ele.

por exemplo se eu mandasse abaixo um lampiao da luz em troca de dinheiro, podia ficar com o resto do dinheiro mas pagava pelos danos.

por outro lado, nao sou contra coisas do genero ordenamento do territorio ou regras de conduta para uso, imaginemos de um terreno.

para prevenir derrocadas, por exemplo. temos muitos exemplos disso em portugal.

nós temos de olhar esta questao de liberdade como uma questao de direitos e deveres, ora sempre que há deveres há restriçao de liberdades. no entanto essas restriçoes ou deveres tem como objectivo proteger a liberdade dos outros, os direitos dos outros.

uma propriedade agricola(nao estou a falar de possessao, do genero ocupaçao e uso, a meu ver perfeitamente legitimo), está a dar total poder sobre aquele pedaço de terra, inclusive o de nao fazer nada com esse terreno.apesar de o seu uso ser necessario para produzir alimentos.

em espanha, e foi tambem por causa deste problema, que os anarquistas tiveram sucesso.havia uma organizaçao verdadeiramente feudal dos terrenos agricolas, desemprego e fome.


"pensa como funcionam as pessoas quando vão a jantares em comum: pedem bebidas, sobremesas, etc. que muitas vezes não pediriam se tivessem ido jantar sozinhas. Claro que pedir o prato XPTO muito caro vai pôr a conta delas mais cara, mas apenas um poquinho. Se estivessem sozinhas não pediam esse prato, mas como o custo adicional é repartido por todos, assim já pedem."

este caso, prende-se na minha perspectiva, com a satisfaçao de cada individuo, isto é o grau de satisfaçao é que importa. tendo em conta que normalmente isso acontece em situaçoes de convivio, entre amigos, ou por razoes festivas.


"Ou uma conta telefónica partilhada - eu já vivi essa experiência - curiosamente toda a gente faz mais chamadas do que se a conta não fosse partilhada."

é facil, existencia de tectos, a partir de determinado tecto essa pessoa pagava o excedente.
ou entao uma daquelas assinaturas mensais independente do numero e tempo.
alias é o que fazem as empresas com grande porte, como tem peso devido ao volume, tem mais facilidades que um consumidor individual.


é o que eu penso em relaçao à água, por exemplo, a partir de x litros pagas mais por cada litro de agua. eu nao vou sofrer a consequencia do aumento do preço da agua porque alguem quer jogar golf.



"Quanto ao argumento 1, pergunto-te o mesmo que perguntei ao agitador: como?"

atraves de uma forma de organizaçao horizontal e participativa.

"Como evitavas o egoísmo?"

nao evitava, apenas nao deixaria a criaçao de uma organizaçao hierarquica e absolutista, como tal sou egoista ao querer o mesmo poder e o mesmo peso que outra pessoa na decisao.

" Existe alguma forma conhecida de educar as crianças que faça com que elas não tenham qualquer propensão egoísta?"

nao sei, durante a revoluçao espanhola, as escolas nao eram ideoligizadas, muito pelo contrario e tinham bons resultados. basicamente seguiam esquemas ao estilo escola da ponte, aqui em portugal. existem algumas obras anarquistas, e ja li algumas, sobre educaçao. de certo que há disponivel na internet.

de resto,um bom caminho é a preocupaçao em formar pessoas informadas, preocupadas, conscientes e autonomas. nao apenas carne para canhao do mercado de trabalho.


" Algum equadramento institucional que garanta que qualquer propensão egoísta não será manifestada em actos egoístas?"

a propria organizaçao de um futuro anarquista baseado em federaçoes que nao tem linhas bem traçadas, mas criam uma rede.

emma goldman tinha uma frase engraçada sobre como se relacionavam a sociedade e o individuo. que expressa bem a atitude anarquista, e ela que era uma feroz oponente da ideia, tipicamente sovietica, de sociedade como uma "força criadora".

abraço

João Vasco disse...

Agitador:

«no entanto estas a esquecer de uma regra base, que é a compensaçao por danos, se alguem fosse desvalorizar esse recurso, teria de compensar os outros, afinal somos "equal shareholders". desde logo noa iria compensar.
para alem disto há a questao da sustentabilidade, o individuo ao fazer isso a longo ou medio prazo tem as suas consequencias, inclusive para ele.

por exemplo se eu mandasse abaixo um lampiao da luz em troca de dinheiro, podia ficar com o resto do dinheiro mas pagava pelos danos.»

«é facil, existencia de tectos, a partir de determinado tecto essa pessoa pagava o excedente.
ou entao uma daquelas assinaturas mensais independente do numero e tempo.»

Então assim tu admites a existência de propriedade privada. Nesse caso suponho que não tens nada a objectar ao que escrevi, que a existência de propriedade privada é importante para resolver estes problemas.
As tuas propostas de resolução passam exactamente por aí.
Claro que estabeleces limites à propriedade privada, mas aí eu também.

«emma goldman tinha uma frase engraçada sobre como se relacionavam a sociedade e o individuo. que expressa bem a atitude anarquista, e ela que era uma feroz oponente da ideia, tipicamente sovietica, de sociedade como uma "força criadora".»

Que frase era?

abraço

João Vasco disse...

Artur:

Espero que não seja "para terminar" porque me fizeste uma série de perguntas :p


Em primeiro lugar, a Liberdade é um conceito complicado... O dicionário não tem a resposta, porque não existe uma definição que seja consensual na sociedade. Os filósofos não se entendem, e entre quem acredita que somos escravos das leis da natureza e do acaso, ou que qualquer que seja o regime somos sempre livres, existem opiniões para todos os gostos.
Mas o facto de um conceito ser complicado de definir, não quer dizer que seja complicado de entender. Afinal todos sabemos o que "não" quer dizer, e dificilemente alguém o consegue definir sem ser tudo uma pescadinha de rabo na boca (sem recorrer a termos que são definidos à custa da a palavra "não").

Na verdade não existe nenhuma fronteira objectiva que demarque quem é loiro e quem não é. Isso não quer dizer que o conceito de loiro seja contraditório. Geralmente (é óbvio que há excepções) existe um grande acordo a respeito de quem é loiro, ou pelo menos quem é "mais loiro".

Da mesma forma é diferente que eu seja constrangido porque não posso dar um estalo senão levo outro, ou que eu seja constrangido porque não posso usar uma camaisa azul porque o Alfredo não gosta.
Uma coisa é não poder cuspir para cima de alguém sem sofrer as consequências, outra coisa é ser obrigado a trabalhar numa profissão que eu não quero porque outra pessoa decidiu que era melhor assim.

Tens razão, nem mesmo em Anarquia a liberdade seria total. Haveriam sempre coisas que eu não poderia fazer. Mas se eu comparar uma sociedade anarquista com uma ditadura, posso dizer que a primeira é LIVRE e a segunda não. Se o problema é as maiúsculas, passo a escrever "livre".

Mas creio que mesmo na ausência de uma definição objectica e rigorosa, este conceito é demasiado importante para ser ignorado.

E creio que se um planeador (ou um conjunto de planeadores) pode decidir qual é a minha actividade profissional, então não sou certamente mais livre que no capitalismo selvagem. Posso ser menos miserável, mas não deixo de ser um escravo, em certa medida.


«Para mim Marx não é um Deus, como tal é falível, mas há muito na sua teoria do valor e na sua filosofia que nos dá ferramentas bastante interessantes para compreender certos fenómenos sociais e económicos.»

Certamente que sim. Tal como em Adam Smith. Mas discordo de ambos.


«João, é a segunda vez que falas de Marx sem especificar, gostava de saber com o que não concordas em concreto.»

Marx partilhou da mesma utupia que eu e Bakunin. Mas sugeria um caminho nessa direcção que passava pela ditadura do proletariado.
Bakunin argumentou (e eu concordo) que esse é um caminho na direcção oposta, pois resultaria numa concentração de poder. E quem tem poder não quer abdicar dele.


«Hardin conclui que é impossível haver comuns.»
Já expliquei que não concordo com isto. Eu acredito que é possível haver comuns: basta que existam proibições.
É fácil: são X pastores, e cada um só pode ter Y ovelhas. É proibido ter mais. Assunto resolvido.
Isto é óbvio, e duvido que penses que a ninguém isto tenha ocorrido.
A tragédia dos comuns surge apenas quando o pastor pode pôr lá as ovelhas que quiser, sem que nenhum outro o proiba. E se não quiseres que ele sofra as consequências das suas acções, pensa que a destruição só se vai consumar em várias gerações.

«Nem porque consideras verdade os pressupostos de Hardin.»
Acho que estás muito centrado no artigo do senhor. Por acaso, por coincidência, li o artigo já faz mais de um ano (num blogue estava um link para o artigo).

Mas podia não ter lido. Eu falo de relatividade sem ter lido os originais de Einstein. Falo de seleecção natural sem ter lido a origem das espécies. Falo de mecânica clássica sem ter lido os "principia". O interesse de ler estes textos é mais histórico do que científico.

Aquilo que interessa é compreender o fenómeno descrito. E esse é um fenómeno que eu vejo a acontecer rotineiramente. Oiço falar de histórias deste género com frequência.

Eu não tenho de ter como pressuposto que o homem é um ser egoísta que só pensa no seu interesse próprio - eu acho que isso é falso!!!!

Tenho apenas de ter como pressuposto que existe egoísmo. (Tal como existe altruísmo).

A partir daí é fácil de entender que quando 10 estranhos partilham uma casa, pouco depois haverão queixas e conflitos - o nseiqts não faz as suas tarefas, o xpto desperdiça água e gás, o xyz liga para telemóveis e dps todos têm de pagar um balúrdio, etc...
Isto é tanto mais provável qt maior for a comunidade, e menos se conhecerem as pessoas.

O agitador falou em formas de resolver este problema, mas incluiam a existência de propriedade privada.

Existe outra, que é entrar em proibições. Mas como em vários casos acho esta solução pior, prefiro aceitar a existência de propriedade privada.


«Já agora diz-me onde é que a minha argumentação é ideológica.»

Eu não disse que era - disse que todos devemos tentar que não seja. É um esforço que se deve fazer sempre.

Mas depois pensei melhor nisso e acho que existe um pressuposto que questiono. Tu disseste que o ser humano é racional. Eu aceitei, mas corrijo. O ser humano é "algo" racional.

Muitas vezes decide racionalmente, muitas vezes não.

Muitas vezes agir em interesse próprio em deterimeno do bem comum não vai prejudicar o indivíduo sequer a longo prazo. Aqui discordo de ti e do agitador. Muitas vezes os efeitos negativos podem durar gerações.

Mas mesmo quando a longo prazo a busca do interese próprio acima do bem comum vai prejudicar o indivíduo, não existe qualquer garantia de que o indivíduo não opte pelo interesse próprio de curto prazo.

As teorias da economia clássica assumem que o ser humano é egoísta e racional. Eu acho que essas teorias falham em vários aspectos porque ambos os pressupostos estão errados: o ser humano não é completamente egoísta, nem é sempre racional.

Tu abandonas o primeiro pressuposto, mas manténs o segundo.

Anónimo disse...

formas de propriedade sempre existirão.

agora a "propriedade privada" é uma dessas formas.
existem outras formas.

o conceito "propriedade privada" nao existe na forma de pensar anarquista, existe sim o conceito de "posse".
esta posse é um conceito diferente.

a posse envolve ocupaçao e uso.

por isso noa vemos uma casa de banho ou uma escova de dentes ou um automovel, como propriedade mas posse.

para os anarquistas em geral a terra é de todos, literalmente.

um exemplo, um terreno agricola, podes fazer o que quiseres mas o terreno nao te pertence. no entanto tambem nao tens de pagar ou alugar ao resto da humanidade o uso desse terreno, excepto, se deteriorares o terreno.

eu apenas tenho a objectar o uso do termo "propriedade privada", diz-me antes uma forma de propriedade.

o que eu propus como soluçao, foram apenas regras de uso.


há pessoas que nao partilhariam, por exemplo a maquina de lavar roupa, no entanto em alguns paises europeus isso é comum. la está mas há regras.

repara que o que eu defendi para a agua segue o mesmo principio que o caso do telefone. é um bem comum, neste caso, no entanto há prioridades para o seu uso. mas nao deixe de ser um bem comum.

por outro lado, as pessoas que se juntarem, juntam-se segundo as suas preferencias, se querem ter telefone partilhado, se querem morar na mesma casa, etc etc.


em relaçao à frase, tenho de procurar o livro.eu prometo que a coloco aqui.



"Existe outra, que é entrar em proibições. Mas como em vários casos acho esta solução pior, prefiro aceitar a existência de propriedade privada."

mesmo com propriedades privadas existem proibiçoes, estas roçam o absolutismo.

veja-se o caso da privatizaçao da agua num pais latino americano, onde a empresa até proibiu o recolher da agua das chuvas, que era uma das formas que muita gente usava por forma a não pagar balurdios.

e outros casos...

a propriedade privada implica tambem proibiçoes, alias até mais que numa sociedade anarquista (nós nao cobramos renda).
pois impede o acesso a algo e não apenas o seu uso nefasto.
caso contrario nem seria possivel a propria existencia de propriedades privadas.

o estado nao se desenvolveu por razão nenhuma, sempre existiu para proteger a propriedade privada e legitima-la, essa é uma das razões pela qual eu sou contra a existencia do estado.

Anónimo disse...

abraço

João Vasco disse...

Agitador:

No que diz respeito à terra, é razoável dizer que não faz sentido que tenha dono. Afinal o território não foi produto do trabalho ou esforço de ninguém, estava lá e a ser de alguém seria da humanidade.
Só pela força alguém se pode ter apoderado de terra, e assim quem a tiver comprado terá comprado algo que era "roubado".

O único fundamento para dizer que alguém poderia ser dono de "terra" poderia ser o de existirem ganhos "práticos" se fosse esse o caso.

Portanto, no que diz respeito à propriedade de terreno, este é um conceito que questiono.

Mas tu dizes que aceitas a posse de bens (à parte de terreno). Se o problema é chamar-lhe "propriedade privada", ou eu estou aqui a ignorar algum aspecto importante, ou então isto é apenas uma questão semântica.


«mesmo com propriedades privadas existem proibiçoes, estas roçam o absolutismo.»

Sim.
Há casos em que o respeito "ao limite" da propriedade pode ser mais opressor que outro tipo de leis que a comunidade ou o estado imponham.
Nestes casos claro que é preferível desrespeitar a propriedade.

Mas isso é que o eu escrevo no texto: entre não aceitar nenhuma forma de posse (a que chamei propriedade) e considerar toda a posse intocável, existe todo um universo de possibilidades. O ideal é procurar a melhor nas diferentes circunstâncias.


«o estado nao se desenvolveu por razão nenhuma, sempre existiu para proteger a propriedade privada e legitima-la, essa é uma das razões pela qual eu sou contra a existencia do estado.»

Mas se tu admites a posse, proibirias o furto?

Ou seja: a pessoa X quer usar mais água do que o seu tecto, e teria de pagar. Mas para evitar trabalhar mais, furta a um companheiro. A comunidade vai investigar o furto? Vai castigar quem furtou?
Se sim, já tens quem ande a proteger a posse, mesmo em anarquia.
Se não, um simples furto pode trazer sérios problemas à comunidade.

abraço

gorkiana disse...

João,

Primeiro que tudo, se leste bem o que escrevi, não me parece que tenha ido ao dicionário procurar o significado de liberdade: seria um pouco ingénuo, para não dizer básico, da minha parte não? O dicionário entrou porque tu disseste:

"Mas ser livre não quer dizer que não tenha constrangimentos, quer apenas dizer que ninguém exerce coerção sobre mim."

Utilizei o dicionário para esclarecer que constranger e coagir são sinónimos, portanto esta tua frase não faz sentido. Parece-me que quando se discute convém utilizar os meus conceitos, senão andamos só a esconder-nos atrás de palavras.

"Mas creio que mesmo na ausência de uma definição objectica e rigorosa, este conceito é demasiado importante para ser ignorado."

Não vejo onde esteja a ignorá-lo.

"Mas o facto de um conceito ser complicado de definir, não quer dizer que seja complicado de entender."

Por acaso não concordo com esta tua frase, o problema é ser complicado de entender.

"A tragédia dos comuns surge apenas quando o pastor pode pôr lá as ovelhas que quiser, sem que nenhum outro o proiba. E se não quiseres que ele sofra as consequências das suas acções, pensa que a destruição só se vai consumar em várias gerações."

"Aquilo que interessa é compreender o fenómeno descrito. E esse é um fenómeno que eu vejo a acontecer rotineiramente. Oiço falar de histórias deste género com frequência."

"O agitador falou em formas de resolver este problema, mas incluiam a existência de propriedade privada.
Existe outra, que é entrar em proibições. Mas como em vários casos acho esta solução pior, prefiro aceitar a existência de propriedade privada."

Como já disse, o que contesto é o termo tragédia, não há tragédia nenhuma, no sentido em que é possível haver comuns sem propriedade privada, isto é o que é afirmado.

Não faz sentido falar em sociedades sem interacções entre seres humanos. Por isso é que contesto o teu conceito de LIVRE, que depois agora passaste para livre mas que é o mesmo. Isso não existe. No exemplo que dás, da destruição só se consumar em várias gerações, não percebo como a propriedade privada possa resolver essa questão. Eu detenho algo, por isso tenho toda a legitimidade para fazer o que me apetecer. Isto é perfeitamente ridículo e acho sim, isto é que leva a uma tragédia dos privados, porque cada um pensa individualmente.

Outra coisa é o salto lógico que fazes quando dizes que o problema dos comuns é que só conseguem funcionar com proibições (pões no mesmo saco o ser "constrangido porque não posso usar uma camaisa azul porque o Alfredo não gosta" e o estipular formas de utilização de comuns, não vejo como possam ser comparáveis) e como "esta solução é pior", preferes "a existência de propriedade privada". Isto faz-me muita confusão, porque propriedade privada de comuns (não é a da escova de dentes) é uma forma de coerção/constrangimento/redução à liberdade de cada um brutal. Como é que estabeleces o que cada um tem? Que critérios utilizas? Divides toda a terra do mundo por toda a gente e depois cada um fica com uma parte? E quem fica com que parte? E depois quando as pessoas morrem passa para os filhos? Porquê?

Comparando o estabelecer regras, em comunidade, para utilização de um comum com a propriedade privada, não consigo ver como é que a segunda pode ser preferível e mais livre. É este salto lógico, que o Hardin faz, e que tu fazes que não percebo.

Eu olho à minha volta e não preciso esforçar-me muito para ver o "belo" resultado da utilização de comuns com base na propriedade privada. Como é que é possível ainda dizer-se que isto é o melhor do mundos possíveis. Quando ouço isto lembro-me sempre do prof. Pangloss do Voltaire.

É claro que deve haver posse de roupa, escovas de dentes e outras coisas que tais, mas essa não é a questão. A discussão é relativamente à terra, ao ar, à água, aos meios de produção (máquinas), matérias primas. Qual a melhor forma de gerir estes bens?

- de forma comunal, com decisões estabelecidas por todos ou
- de forma individual, dando a responsabilidade de cada parte a um indivíduo.

Ou sou mais pela primeira...

-artur palha

João Vasco disse...

Artur:

«Eu detenho algo, por isso tenho toda a legitimidade para fazer o que me apetecer. Isto é perfeitamente ridículo e acho sim, isto é que leva a uma tragédia dos privados, porque cada um pensa individualmente.»

Pode não levar a tragédia nenhum, depende dos casos.
Imagina que 50 pessoas partilham a conta do telefone. Aquilo que a teoria de Hardin nos diz é que se uma chamada custasse 50c por minuto, e se um indivíduo com comportamento egoísta estivesse disposto a pagar 2c por minuto para fazer essa chamada, ele faria. Há medida que o tempo fosse passando e este indivíduo não fosse punido de nenhuma forma, o seu comportamento propagar-se-ia. Ao fim de algum tempo, a conta seria eveladíssima para todos. A tragédia está aqui.
Neste caso, uma solução seria cada um pagar a sua conta (mesmo com um tecto gratuito, como sugeriu o agitador). Se tu quisesses muito fazer uma chamada, farias.
Outra solução poderia ser a existência de proibições ou outro tipo de repercursões face aos "abusadores".


Como eu não tenho uma perspectiva radical face à propriedade privada, há inúmeros em que acho que não deve existir. As praias, os rios, a água, a atmosfera, tudo isso deve ser público - é óbvio. Se te passou pela cabeça que não acho isso, houve aqui um grande equívoco.

A minha proposta é que em vários casos a posse é a melhor solução. Porque é melhor poderes fazer uma chamada sem teres de explicar à comunidade a importância de a fazer, desde que isso não leve ao fenómeno descrito por Hardin.
Parece-me que estás muito preso ao exemplo que ele deu, e não ao fenómeno em si.



«Outra coisa é o salto lógico que fazes quando dizes que o problema dos comuns é que só conseguem funcionar com proibições (pões no mesmo saco o ser "constrangido porque não posso usar uma camaisa azul porque o Alfredo não gosta" e o estipular formas de utilização de comuns, não vejo como possam ser comparáveis) e como "esta solução é pior", preferes "a existência de propriedade privada".»

Aquilo que eu disse é que HÁ CASOS em que prefiro a propriedade privada. Ou "posse" como chamou o "agitador".
Se eu tivesse um respeito extremo pela propriedade privada e não admitisse nenhum caso em que ela correspondesse a uma negação da liberdade maior que a sua não existência...
...Não seria de esquerda.
Aliás, foi precisamente isto que escrevi no início do texto, que é ele mesmo uma crítica ao respeito extremo pela propriedade privada.

Parece que estás a assumir que tenho a posição que critico no texto inicial.

Mas rejeito o extremo oposto. Há casos em que a única forma sustentável de rejeitar a propriedade privada é uma diminuição da liberdade muito significativa.

Vou desenterrar o exemplo da conta do telefone: as 50 pessoas tinham uma conta gigante. Então, em vez de cada um pagar os seus telefonemas, como não tinham meios para pagar tanto, decidiram que cada pessoa podia telefonar 200 minutos por mês. E se tu quisesses mais, não podias.
Neste caso, creio que a existência de posse (a que chamei propriedade privada) seria uma solução melhor.

Isto não impede que exista partilha e redistribuição, obviamente.



«Como é que estabeleces o que cada um tem? Que critérios utilizas? Divides toda a terra do mundo por toda a gente e depois cada um fica com uma parte? E quem fica com que parte? E depois quando as pessoas morrem passa para os filhos? Porquê?»

Tantas perguntas interessantes.

«Divides toda a terra do mundo por toda a gente e depois cada um fica com uma parte?»

Sobre a terra, já expliquei ao agitador, no comentário anterior, as dúvidas que tenho a respeito da legimidade de possuír "terra".

«E depois quando as pessoas morrem passa para os filhos? »

Já defendi que não. Mas isso interfere com a sua liberdade de dar o que quiserem a quem quiserem.
As pessoas podiam sempre dar tudo pouco antes de morrer, se tivessem essa oportunidade, e aí só os filhos das pessoas que morressem inesperadamente seriam prejudicadas.

Mas é sempre uma oportunidade para uma redistribuição parcial.

«Como é que estabeleces o que cada um tem? Que critérios utilizas?»

Vamos supor que cacei um javali. Não acho mal que parte vá obrigatoriamente para o grupo.
Se for o javali todo, e tudo aquilo que eu fizer, então terão de existir restrições importantes à liberdade para que nunca se verifique a tragédia dos comuns.
Se parte do javali ficar para mim, sendo que o furto ou roubo é ilegítimo, então aqui temos a "posse".
Depois, se puder trocar livremente por outros bens ou serviços, já temos como é que diferentes indivíduos adquirem diferentes bens.



«Comparando o estabelecer regras, em comunidade, para utilização de um comum com a propriedade privada, não consigo ver como é que a segunda pode ser preferível e mais livre. É este salto lógico, que o Hardin faz, e que tu fazes que não percebo.»

Se Hardin fosse como o Milton Friedman (não sei se sim), ele acharia que em 100% dos casos (ou perto disso) as regras comunitárias necessárias e suficientes para evitar a "tragédia" restringem mais a liberdade que a posse.

Tu pareces achar que isso acontece em 0% dos casos.

A única coisa que afirmo neste texto é que isso acontece numa percentagem intermédia.
Assim, deve existir "posse", mas o respeito pela "posse" não deve ser levado ao extremo.


«Como é que é possível ainda dizer-se que isto é o melhor do mundos possíveis.»

Mas ouviste-me dizer isso? Leste-me dizer isso?


«A discussão é relativamente à terra, ao ar, à água, aos meios de produção (máquinas), matérias primas. Qual a melhor forma de gerir estes bens?»

Não vejo que tenhamos grandes divergências em relação ao ar e à água. Eu tenho dúvidas em relação à terra. No que diz respeito a jazidas de minério, petroleo, sal, etc... acho que isso deve ser de todos.

Mas não concordo em relação aos meios de produção.
Se eu fiz 40 lanças para caçar, posso dar uma parte para o grupo. Mas não acho boa ideia dar todas, porque afinal o meu trabalho não é diferente do trabalho de quem foi caçar javalis (e eu acho que esse também deve ficar com parte do que produz). Mas as lanças são um meio de produção.

«Ou sou mais pela primeira...»

Como percebeste, acho que depende caso a caso.

A propriedade é uma convenção social. Devemos adoptar quando (e apenas quando) temos algo a ganhar com isso. Creio que há casos em que sim.

João Vasco disse...

«Aquilo que a teoria de Hardin nos diz é que se uma chamada custasse 50c por minuto, e se um indivíduo com comportamento egoísta estivesse disposto a pagar 2c por minuto para fazer essa chamada, ele faria. Há medida que o tempo fosse passando e este indivíduo não fosse punido de nenhuma forma, o seu comportamento propagar-se-ia. Ao fim de algum tempo, a conta seria eveladíssima para todos. A tragédia está aqui.»

Por acaso, ontem mesmo vi uma TED talk em que falam sobre um estudo de comportamento em que isto aconteceu. O link está num artigo deste blogue do Filipe Castro.

Anónimo disse...

"Mas tu dizes que aceitas a posse de bens (à parte de terreno). Se o problema é chamar-lhe "propriedade privada", ou eu estou aqui a ignorar algum aspecto importante, ou então isto é apenas uma questão semântica."

não, é uma questao de principio, esta noçao de posse surge com prodhoun. na sua obra "o que é propriedade".

nesta obra ele questiona a noçao de propriedade privada e diz ser injusta.

assim surge a noçao de posse e de propriedade comum, ambos, como forma de corrigir essa injustiça.

e assim substituir a propriedade privada.

é esta noçao de posse que suplanta, não só a questao do terreno agricola, mas tambem a questao da exploraçao capitalista.

e vai para alem do fundamento "naturalista" da propriedade privada (visão lockeana), e estabelece a posse (visao prouhdoniana) como tendo fundaçao social.

A ideia basica de proudhon é a seguinte: sendo verdade que cada trabalhador tem direito aos frutos completos do seu trabalho, a partir do momento em que existe a propriedade privada, e alguem, por ser um proprietário, impede que esses trabalhadores recebam os frutos completos do seu trabalho, isto constitui uma exploração, ou, de maneira mais directa, num roubo.

tu possuis um carro, uma roupa, um telefone, os teus meios de produçao. mas nao os meios de produçao dos outros, o resto é decisao tua.


"Sim.
Há casos em que o respeito "ao limite" da propriedade pode ser mais opressor que outro tipo de leis que a comunidade ou o estado imponham.
Nestes casos claro que é preferível desrespeitar a propriedade.

Mas isso é que o eu escrevo no texto: entre não aceitar nenhuma forma de posse (a que chamei propriedade) e considerar toda a posse intocável, existe todo um universo de possibilidades. O ideal é procurar a melhor nas diferentes circunstâncias."

na minha opiniao, nao impus de forma alguma limites a liberdade de ninguem, nem com os tectos do telefone ou de agua ou com outros exemplos.
se eu o estivesse a fazer teria de proibir de uma forma definitiva, este conceito de "proibiçao definitiva" é importante, no entanto nao o faço.

pois no fim, podes usar o telefone, podes usar a agua, etc.


"Mas se tu admites a posse, proibirias o furto?

Ou seja: a pessoa X quer usar mais água do que o seu tecto, e teria de pagar. Mas para evitar trabalhar mais, furta a um companheiro. A comunidade vai investigar o furto? Vai castigar quem furtou?
Se sim, já tens quem ande a proteger a posse, mesmo em anarquia.
Se não, um simples furto pode trazer sérios problemas à comunidade."

isto já é outra questao, e teriamos de discutir as razoes pelas quais alguem com um bom nivel de vida, se daria à chatice de cometer esses actos, mesmo dentro de uma comunidade atenta, participativa e solidaria.
(por alguma razao na aldeia da minha avo nao era preciso fechar a porta de casa)

chomsky e peter singer já fizeram uma observaçao interessante.

imaginemos uma criança com fome a comer algo, entao aparecia um adulto e tirava-lhe a comida.
isto para todos os efeitos é um comportamento considerado aberrante e em termos clinicos patologico.

no entanto hoje em dia, isso acontece, mas como, perguntas tu?

negando-lhes essa comida, destruindo-a por causa da manutençao dos preços,
e pessoas morrem todos os dias com fome.

enquanto temos os paises ricos a perdoar miseros tostoes de divida.

ou entao quando um individuo queixa-se dos impostos progressivos por andar a pagar a educaçao dos filhos dos outros.

mas nao vamos entrar por ai.

respondendo directamente á tua questao.
obviamente que o caso seria investigado, por alguma forma de ong ou entidade independente ou tribunais de paz.
eu nao sou muito a favor do castigo, mas da resoluçao dos conflitos e da reinserção.

mas agora coloco-te uma questao, davas o direito a alguem de te negar os meios de que precisas para sobreviver?

abraço

João Vasco disse...

«tu possuis um carro, uma roupa, um telefone, os teus meios de produçao. mas nao os meios de produçao dos outros, o resto é decisao tua.»

Mas isto coloca restrições complicadas. Isto quer dizer que eu não posso dar os meus meios de produção a outro, mesmo que o queira.
Por outro lado existem muitos bens que tanto podem ser meios de produção como meios de consumo.
Só para dizer algumas.


«imaginemos uma criança com fome a comer algo, entao aparecia um adulto e tirava-lhe a comida.
isto para todos os efeitos é um comportamento considerado aberrante e em termos clinicos patologico.

no entanto hoje em dia, isso acontece, mas como, perguntas tu?

negando-lhes essa comida, destruindo-a por causa da manutençao dos preços,
e pessoas morrem todos os dias com fome.»

O sistema vigente na sociedade actual é um sistema que gere os recursos MAL.

Com a abundância que existe, é realmente criminoso que haja fome.

Isto é levar o respeito pela propriedade longe de mais, deixar alguém morrer à fome quando há catrafadas de comida.

A existência de propriedade deve servir para encorajar, sem opressão, as pessoas a produzir os bens que são vistos pelas outras como mais valiosos.
Se ninguém quer limpar as latrinas, eu faço isso e dão-me bastante em troca.
A propriedade não é "natural", é uma mera convenção social, e deve apenas ser usada quando é útil.
Mesmo parte dos frutos do meu trabalho podem-me ser subtraídos legitimamente, se é para salvar a vida de alguém, por exemplo.

Nisto tudo quero dizer que quando há abundância de um bem, não faz muito sentido estar a negá-lo a alguém.


«obviamente que o caso seria investigado, por alguma forma de ong ou entidade independente ou tribunais de paz.
eu nao sou muito a favor do castigo, mas da resoluçao dos conflitos e da reinserção»

O únco sentido que faz o castigo é desincentivar preventivamente os actos.
Se for possível resolver os problemas sem recorrer a isso, tanto melhor.


«mas agora coloco-te uma questao, davas o direito a alguem de te negar os meios de que precisas para sobreviver?»

Não.
Como te digo, a propriedade é uma convenção social qe deve ser usada apenas enquanto é útil.
E em muitos casos é útil para lidar com a escassez, pois premeia quem produz aquilo que é visto como mais valioso, e permite uma coordenação descentralizada.

(depois existem as mentiras da publicidade e outras formas de engano... Já falei disso em http://esquerda-republicana.blogspot.com/2006/08/falcias-da-tica-neo-liberal-iv.html e http://esquerda-republicana.blogspot.com/2006/08/mais-sobre-publicidade.html , mas vou colocar essa questão de parte por agora)

Quando já há abundância de comida, mas em busca da abundância de outros bens e serviços alguém anda a morrer à fome, algo está muito errado.

João Vasco disse...

abraço

Anónimo disse...

"Mas isto coloca restrições complicadas. Isto quer dizer que eu não posso dar os meus meios de produção a outro, mesmo que o queira.
Por outro lado existem muitos bens que tanto podem ser meios de produção como meios de consumo.
Só para dizer algumas."

o que distingue esses bens é a funçao, um tear é um meio de produçao, um carro pode ser um meio de produçao se tiveres uma empresa de distribuiçao. neste caso é facil perceber a distinçao entre carro para sair aos domingos e carro para produzir algo.

os meios de produçao sao colectivos, assim como a terra, tu usas mas nao e teu, no caso do tear a mesma logica impoe-se.
de resto, podes dar os meios de produçao que usas/ocupas, desde que nao cobres nada. assim como te fizeram a ti.

isto e integrares uma federaçao anarco sindicalista. caso faças parte de uma federaçao anarco-individualista podes compra-la, usando o banco mutualista proudhoniano, mas nao aluga-la.


"A existência de propriedade deve servir para encorajar, sem opressão, as pessoas a produzir os bens que são vistos pelas outras como mais valiosos.
Se ninguém quer limpar as latrinas, eu faço isso e dão-me bastante em troca."

isto é o conceito de posse, já na "propriedade privada" eu estou a pedir um feudo pelo uso que tu fazes desse bem, estou a oprimir-te.

de resto, ninguem te proibe de lavares a tua casa de banho, nem de contratar alguem para o fazer.
sendo tu a pessoa que trata disso, por exemplo, neste caso o teu meio de produçao é a esfregona e os meios de limpeza, e estes nao podem ser de outra pessoa para alem de ti.

"Mesmo parte dos frutos do meu trabalho podem-me ser subtraídos legitimamente, se é para salvar a vida de alguém, por exemplo."

claro, mas por isso é para proteger o direito que o outro tem à vida. nao é porque simplesmente ela manda em ti. é uma questao do proprio fundamento do conceito.

"Nisto tudo quero dizer que quando há abundância de um bem, não faz muito sentido estar a negá-lo a alguém."

depende, havendo poucos medicos, por exemplo, eu porque tenho mais dinheiro nao tenho o direito de passar a frente de toda a gente.

"O únco sentido que faz o castigo é desincentivar preventivamente os actos.
Se for possível resolver os problemas sem recorrer a isso, tanto melhor."

nao, a desincentivaçao é feita pela educaçao, pela participaçao e pela criaçao de consciencia no outro individuo.
o castigo é uma forma de impor medo, e agir pelo medo nunca resolveu nem resolverá nada. e penso que tu pensares que isso funciona ou que so assim o homem nao comete crimes, é na minha opiniao, o que te leva a pensar assim em relaçao a tudo o resto que temos estado a discutir.

"Não.
Como te digo, a propriedade é uma convenção social qe deve ser usada apenas enquanto é útil.
E em muitos casos é útil para lidar com a escassez, pois premeia quem produz aquilo que é visto como mais valioso, e permite uma coordenação descentralizada."

exactamente, e isso foi o que proudhon concluiu, por isso aboliu a "propriedade privada" e substituiu pela posse e pela propriedade colectiva.

abraço

Anónimo disse...

muitas vezes o que é mais ou menos escasso não é valioso per si, é subjectivo, mas pode-se tornar atraves da fetichizaçao. que vai aumentar a procura e assim aumentar o seu valor.

ou entao o facto de um artista qualquer ter usado um par de calças e essas calças custarem fortunas, apesar de nao terem na realidade nenhuma mais valia.

mas isto prende-se, obviamente, com a subjectividade, mas tambem com a distribuiçao da riqueza.

tornando-se assim um simbolo de "status".

outro exemplo, o diamante tornou-se muito desejado como algo decorativo após uma intensa campanha publicitaria, "diamonds are the girls best friends" foi uma das cançoes mais conhecidas em todo o mundo, e um golpe publicitario.

alias a de bears mantem uma escassez propositada, pois tem posiçao para fazer isso, e as companhias mais pequenas nao se queixam, afinal veem o seu produto mais valorizado.

ou o caso das industrias farmaceuticas, eu consigo produzir um produto relativamente barato num laboratorio e torna-lo disponivel para toda a gente. mas arrisco-me a ser preso. por causa das patentes.

ou entao quando um laboratorio quer ver o seu produto valorizado, inclui no principio activo uma molecula que nao faz nada para a terapeutica, mas que a apresenta como algo novo.

João Vasco disse...

agitador:

Sobre o que escreveste no último comentário, concordo com tudo.

Mas isso não invalida o que eu disse: a propriedade só pode ter utilidade nos casos em que lidamos com recursos escassos.
Se um recurso for muito abundante não há utilidade em usar essa convenção social.

--

«isto e integrares uma federaçao anarco sindicalista. caso faças parte de uma federaçao anarco-individualista podes compra-la, usando o banco mutualista proudhoniano, mas nao aluga-la.»

O sujeito A tem um carro para uso pessoal. O sujeito B queria ir dar uma volta de carro.

A não quer emprestar o carro de que tem posse, pois acredita que se emprestar o carro a quem pede, ele vai-se desgastar mais rapidamente.

Mas se recebesse 1 javali em troca, não se importaria de emprestar.

B não se importava de pagar cinco javalis para dar aquela volta, porque lhe apetecia mesmo muito.

B e A podiam ficar ambos a ganhar nesta situação. Por exemplo se B pagasse 3 javalis a A: A ficava a ganhar 2 javalis a mais daquilo que seria suficiente para ficar satisfeito com a troca, e B também.

Ao impedires o aluguer, impedes várias trocas que podiam ser úteis para as pessoas. Elas querem fazer certas trocas e não podem.

No caso do exemplo, pouco se ganhava com isso.

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Parece-me que concordo com tudo o resto que dizes nesta mensagem excepto...

«nao, a desincentivaçao é feita pela educaçao, pela participaçao e pela criaçao de consciencia no outro individuo.
o castigo é uma forma de impor medo, e agir pelo medo nunca resolveu nem resolverá nada. e penso que tu pensares que isso funciona ou que so assim o homem nao comete crimes, é na minha opiniao, o que te leva a pensar assim em relaçao a tudo o resto que temos estado a discutir.»

Eu acho que tu tens razão: a divergência aqui é capaz de explicar toda restante divergência.

Este é capaz de ser o ponto fundamental!

Por isso, vou explicar em detalhe o que penso sobre este assunto:


1- Eu não acredito na culpa. Isto é um tanto radical, mas eu acredito que ninguém é culpado de nada. Em última análise somos um conjunto de partículas que está sujeita a leis físicas e ao acaso. Por isso, a "culpa" de tudo o que fazemos é das condições iniciais do Big Bang e da sorte.

2- Se ninguém tem culpa (no sentido metafísico), porquê castigar? O único objectivo possível de castigar seria desincentivar certos actos.

3- Será eficaz? Nós somos como os outros mamíferos: respondemos a estímulos. O facto de saber que seremos castigados por cometer uma determinada acção geralmente diminui a probabilidade de levá-la a cabo.

4- Vale a pena castigar?
Castigar em si corresponde a um mal. Castigar só pode valer a pena se os males que evita forem maiores.

5- Mas não é possível evitar esses males de outras formas (educação, conscencialização, etc...)?
É sempre preferível evitar o mal de formas que não incorram elas próprias em mal.
Portanto, deve-se educar, conscencializar, etc... por forma a evitar o máximo de mal possível.

Se depois disso ainda é possível que a imposição de certos castigos evite mais mal do que aquele que causa, então faz sentido impôr esses castigos.


Ou seja: imagina que tens uma sociedade em que as pessoas são educadas por forma que ninguém furta, agride, viola ou mata ninguém. Perfeito. Não faz sentido usar qualquer castigo.

Mas imagina por hipótese que, por não conhecermos muito bem a mente humana, ainda não conseguimos educar ninguém por forma a que isto aconteça.
Então aí é possível que a ausência de um castigo para a violação, por exemplo, leve a que aconteçam várias. Mesmo na hipótese do esforço de reinserção em relação a alguns hipotéticos violadores ser bem sucedido, o facto de não ter existido um castigo para estes violadores pode fazer com que aconteçam mais violações (por parte de outros) do que as que aconteceriam se os primeiros tivessem sido castigados.

Nota bem que a minha opinião em relação ao castigo não é definitiva - se um dia conhecermos tanto sobre a mente humana, sobre pedagogia e aprendizagem, ao ponto de saber como educar por forma a que as pessoas não agridam as restantes, então aí CLARO que seria contra a existência de qualquer pena.

Para mim o castigo não é um imperativo de justiça. A justiça é um mero artifício (útil) criado por nós. Se deixar de ser útil, deita-se fora, como qualquer convenção social.
O problema, e sim, acho que É ESSE MESMO o problema que me separa da Anarquia, é eu achar que ainda é útil, porque o ser humano ainda(!) não é capaz de se safar sem ele.

No fundo isto é o mesmo que eu acho da propriedade (ou da posse, pesem as diferenças) - espero que um dia tudo isso deixe de fazer sentido.
Infelizmente, sou levado a acreditar que hoje ainda faz.

abraço

Anónimo disse...

"O sujeito A tem um carro para uso pessoal. O sujeito B queria ir dar uma volta de carro.

A não quer emprestar o carro de que tem posse, pois acredita que se emprestar o carro a quem pede, ele vai-se desgastar mais rapidamente.

Mas se recebesse 1 javali em troca, não se importaria de emprestar.

B não se importava de pagar cinco javalis para dar aquela volta, porque lhe apetecia mesmo muito.

B e A podiam ficar ambos a ganhar nesta situação. Por exemplo se B pagasse 3 javalis a A: A ficava a ganhar 2 javalis a mais daquilo que seria suficiente para ficar satisfeito com a troca, e B também.

Ao impedires o aluguer, impedes várias trocas que podiam ser úteis para as pessoas. Elas querem fazer certas trocas e não podem.

No caso do exemplo, pouco se ganhava com isso"

este exemplo nao entra na definiçao que eu apresentei.

o carro nao vai ser usado como meio de produçao, o sujeito B (provavelmente um criador de javalis, estou a brincar) não usa o carro como meio de produçao.

logo nao há problema nenhum.


bem me parecia, esta questao tambem é importante quando pensamos as diferentes hipoteses futuras.


"1- Eu não acredito na culpa. Isto é um tanto radical, mas eu acredito que ninguém é culpado de nada. Em última análise somos um conjunto de partículas que está sujeita a leis físicas e ao acaso. Por isso, a "culpa" de tudo o que fazemos é das condições iniciais do Big Bang e da sorte."

sim tambem eu.

"2- Se ninguém tem culpa (no sentido metafísico), porquê castigar? O único objectivo possível de castigar seria desincentivar certos actos."

o castigo e a necessidade do mesmo, provem tambem, mas nao so da cultura judaico-crista.
afinal se te portares mal, tu nao ressuscitas, mas antes vais para o inferno... dor eterna... etc.

o objectivo de castigar, neste sentido, é impedir que tenhas uma "recaída" para o "lado negro".

ambos, a culpa e o castigo estao relacionados.


"3- Será eficaz? Nós somos como os outros mamíferos: respondemos a estímulos. O facto de saber que seremos castigados por cometer uma determinada acção geralmente diminui a probabilidade de levá-la a cabo."

nem por isso, normalmente onde há as leis mais rigidas e severas, como conseuqencia de uma criminalidade berrante, é onde essa criminalidade prevalece, se nao aumentar.
normalmente o unico resultado final é alguem acabar "frito" na famosa cadeira.

a ideia de que com um castigo se "mantem as pessoas no seu lugar" é falsa.
cetamente que como todos os animais respondemos a estimulos, mas os animais apenas cometem "crueldades" ou "crimes" quando ameaçados ou quando tem fome.
os humanos precisam mais que estimulos ou entao estimulos que ajudem a socializar; precisam de razão, de consciencia, de ferramentas de um ambiente propicio a que se desenvolvam socialmente.
por isso é que a participaçao, a horizontalidade, a empatia, etc . e se isso os acompanhar ao longo da vida, incluindo na escola livre, com gestao democratica e outras actividades. bastam.

a criança deve ser educada pelo respeito, isso acompanhalo-a ao longo da vida. se for agindo apenas para fugir ao raspanete (castigo), viverá apenas do medo.

obviamente que quando a criança nao sabe pois a sua capacidade mental nao o permite, determinados conceitos, ideias, etc. é necessario o tal detrimento fisico, e mesmo este nao é violento, asbta mete-lo num quarto (nao escuro) sem brinquedos nem pessoas que ele percebe a mensagem.

afinal as pessoas nao nascem boas nem más, ainda existem boas pessoas.

quando eu dei exemplos aqui, foi para demonstrar o peso, grande das instituiçoes, dos valores incutidos. nao é muito diferente de um gang, de um traficante, etcetc...
é o chamado "mindset".


"4- Vale a pena castigar?
Castigar em si corresponde a um mal. Castigar só pode valer a pena se os males que evita forem maiores."

o detrimento de actos de determinada natureza (criminosa) existem para preservar a integridade de outros, até a pessoa que cometer os actos deixar de o fazer.
isto é, o sujeito fica isolado do resto até estar apto para viver em sociedade.
noa pelo castigo em si, mas pela sua reabilitaçao.

a distinçao entre um e outro, poderei dar da seguinte forma:

o castigo - tem uma acçao "negativa" sobre o individuo.

a reabilitaçao - tem uma acçao "positiva" sobre o individuo.

a primeira baseia-se no sofrimento e na dor.

a segunda na realizaçao pelo individuo de que cometeu um crime, porque o cometeu, como o cometeu, e todo o "potencial" que perdeu ao fazer isso se tivesse agido correctamente. e assim integrar nele valores importantes de socializaçao.

existe uma prisao na noruega, acho eu, que se tu visses pensavas que era a gozar. e vai ao encontro da ideia de reabilitaçao.

aqui esta o link: http://www.youtube.com/watch?v=uSaoirOdZOQ


por estas e outras razoes sou contra a pena de morte e contra as porradas nas esquadras.


"5- Mas não é possível evitar esses males de outras formas (educação, conscencialização, etc...)?
É sempre preferível evitar o mal de formas que não incorram elas próprias em mal.
Portanto, deve-se educar, conscencializar, etc... por forma a evitar o máximo de mal possível.

Se depois disso ainda é possível que a imposição de certos castigos evite mais mal do que aquele que causa, então faz sentido impôr esses castigos."

as pessoas tem algo que é querer fazer parte de algo maior que elas.
todas as instituiçoes passam valores para os individuos, sejam gangs, igrejas, escolas ou empresas.
penso que já respondi ao ponto 5 na resposta anterior.


"Mas imagina por hipótese que, por não conhecermos muito bem a mente humana, ainda não conseguimos educar ninguém por forma a que isto aconteça."

há bem pouco tempo descobriu-se que a pedofilia, a psicopatia e a sociopatia e outros comportamentos são problemas clinicos. portanto mesmo com castigo, nao se resolveria nada. so mesmo com terapia.



"ara mim o castigo não é um imperativo de justiça. A justiça é um mero artifício (útil) criado por nós. Se deixar de ser útil, deita-se fora, como qualquer convenção social.
O problema, e sim, acho que É ESSE MESMO o problema que me separa da Anarquia, é eu achar que ainda é útil, porque o ser humano ainda(!) não é capaz de se safar sem ele."


eu acho que é posssivel, alias acho que é o proprio clima de desconfiança para com os outros e o medo do outro, que, tendo origem em estruturas autoritarias do passado, basicamente corresponde à mentalidade reinante e que se perpetuam hoje sobre a forma de estado, propriedade privada etc.

afinal, o estado existe para te proteger dos outros e de ti mesmo.

abraço

Anónimo disse...

so mais uma coisa, o exemplo do sujeito A e B. é um caso de troca, e longe de mim proibir isso.

alias isso é bom para a prosperidade de todos.

bakunine escreveu uma coisa do genero: "liberdade sem socialismo é previlegio, injustiça; socialismo sem liberdade é escravidao e brutalidade"



como prometi , a citaçao de emma goldman, sobre a relaçao entre a sociedade e o individuo:

"There is no conflict between the individual and the social instincts, any more than there is between the heart and the lungs: the one the receptacle of a precious life essence, the other the repository of the element that keeps the essence pure and strong. The individual is the heart of society, conserving the essence of social life; society is the lungs which are distributing the element to keep the life essence – that is, the individual – pure and strong. –"

abraço

João Vasco disse...

agitador:

«nem por isso, normalmente onde há as leis mais rigidas e severas, como conseuqencia de uma criminalidade berrante, é onde essa criminalidade prevalece, se nao aumentar.
normalmente o unico resultado final é alguem acabar "frito" na famosa cadeira.»

Há aqui duas questões interessantes.

A primeira questão é que a criminalidade depende de vários factores, e a existência de castigo é apenas um deles.

Há uma série de outros factores, um dos quais é a desigualdade. É sabido que existe nos EUA mais desigualdade que na Europa, portanto seria de esperar que a criminalidade lá fosse superior.


A segunda questão é que se o objectivo do castigo é desincentivar o acto, existe um ponto a partir do qual é muito ineficiente agravar a pena.

Se não houvesse pena para matar, creio que haveriam mais mortes (como acontece nas sociedades primitivas em que a probabilidade de um indivíduo morrer morto às mãos de outro é muito superior ao que acontece na nossa sociedade -> ver aqui: http://www.ted.com/talks/view/id/163 (há muita coisa que ele diz que eu não concordo, mas os dados que apresenta são interessantes))

MAS não vão haver menos homicídios porque a pena passa para 30 anos em vez de 20. 20 anos é uma pena tão grande, que quem quer que mate apesar dela não deixaria de matar se a pena fosse de 30 anos.

Por isso não se ganha nada nada em aumentar as penas (só se gasta mais dinheiro a manter prisões superlotadas) se estas já forem elevadas.

Por isso, as penas ELEVADÍSSIMAS dos EUA são um disparate sem qualquer sentido. Eles têm tantos prisioneiros que há quem diga que é por isso que têm menos desemprego que na Europa.

A pena de morte é homicídio. Não há qualquer desculpa. E a prisão perpétua pode ser pior que a pena de morte.


«cetamente que como todos os animais respondemos a estimulos, mas os animais apenas cometem "crueldades" ou "crimes" quando ameaçados ou quando tem fome.»

Isso é falso.
O mundo animal é tão vasto, que encontras de tudo.
"Crueldades" que não têm qualquer dessas motivações.
Mas mesmo no caso dos mamíferos, tens o caso de gatos que matam os bebés que não são seus filhos para previligiar a sua descendência. Não é por fome, não é por se sentirem ameaçados, é porque aqueles que tiveram essa propensão espalharam mais os seus genes.

Já leste o livro "O Gene Egoísta" de Dawkins? Tem lá dezenas de exemplos do tipo.
Explica porque é que o conflito é natural e decorre da selecção natural.

Não quer dizer que nós não possamos "escapar" a isso. As nossas propensões foram moldadas ao longo de milhões de anos pela selecção natural, mas hoje podemos "dar a volta".
Mas eu diria que em várias coisas ainda é "work in progress".

(Mas é óbvio que as duas motivações que descreveste várias vezes levam à agressão, e isso verifica-se também nos seres humanos)


«os humanos precisam mais que estimulos ou entao estimulos que ajudem a socializar; precisam de razão, de consciencia, de ferramentas de um ambiente propicio a que se desenvolvam socialmente.
por isso é que a participaçao, a horizontalidade, a empatia, etc »

Sim


«o detrimento de actos de determinada natureza (criminosa) existem para preservar a integridade de outros, até a pessoa que cometer os actos deixar de o fazer.
isto é, o sujeito fica isolado do resto até estar apto para viver em sociedade.
noa pelo castigo em si, mas pela sua reabilitaçao.»

O objectivo de castigar quem foi apanhado não é evitar que ele repita o acto. Para isso basta a reabilitação.

O objectivo é evitar que outros pratiquem esse acto.

Se tu acreditas que a educação chega para isso, aí faz todo o sentido que acredites que não faz sentido castigar.
Eu também pensaria isso.

Eu acredito que a educação PODERIA fazer isso. Mas ainda não se sabe como.
Acho que a mente humana é muito complicada e nós sabemos pouco sobre como funciona.
Creio que não é coincidência que as diferentes sociedades em diferentes pontos do globo todas elas (tanto quanto sei, mas vou confirmar com a minha namorada que é antropóliga que conhece mais disto que eu) tenham implementado castigos. Muitas delas sem capitalismo ou economia de mercado.

Creio que é como a religião: "natural" (o ser humano é propenso à superstição), mas não inevitável.

Só que não sei se já se sabe como evitar castigos. Como ter uma forma de educar as pessoas tão "eficaz" em atenuar o egoísmo de tal forma que, mesmo sem medo de serem castigadas, elas nunca desrespeitem as regras da comunidade.

Nota - vi o video da prisão da Dinamarca, e realmente fiquei surpreendido.
Mas tens de convir que continua a ser um castigo. Pelo menos eu, se vivesse na Dinamarca, não deixaria de ter medo de ir para a prisão.


«há bem pouco tempo descobriu-se que a pedofilia, a psicopatia e a sociopatia e outros comportamentos são problemas clinicos.»

A pedofilia é a atracção sexual por crianças. Obviamente não é crime.

O crime é o abuso de menores, e é esse que é punido.

O facto de haver uma pena para o abuso de menores evita o abuso de menores, creio eu. E fundamento isto em situações de que soube (duas que me lembre), de pessoas que se sentiam atraídas por X, mas que pelas repercursões e pelo medo preferiram evitar qualquer envolvimento.

Por fim, reforço a ideia de que deverias ler "O Gene Egoísta". Desmente um pouco a citação da Emma Goldman.

João Vasco disse...

«afinal, o estado existe para te proteger dos outros e de ti mesmo.»

Não acho bem que o estado se arrogue ao direito de me proteger de mim mesmo.

Mas aceito que o estado proteja os indivíduos uns dos outros* - apenas enquanto não existir alternativa viável melhor.

* o "sub-título" do blogue alude a isto.

abraço

João Vasco disse...

«Não acho bem que o estado se arrogue ao direito de me proteger de mim mesmo.»

O estado faz isso quando proibe as drogas, a eutanásia, etc...

Anónimo disse...

"A primeira questão é que a criminalidade depende de vários factores, e a existência de castigo é apenas um deles.

Há uma série de outros factores, um dos quais é a desigualdade. É sabido que existe nos EUA mais desigualdade que na Europa, portanto seria de esperar que a criminalidade lá fosse superior."

obvio por isso salientei que o castigo em si nao tem importancia para estas questoes.
se a desigualdade e outros factores forem combatidos, como acho que sao no anarquismo. nao haverá necessidade de castigo.


"A segunda questão é que se o objectivo do castigo é desincentivar o acto, existe um ponto a partir do qual é muito ineficiente agravar a pena."

concordo.

"Se não houvesse pena para matar, creio que haveriam mais mortes (como acontece nas sociedades primitivas em que a probabilidade de um indivíduo morrer morto às mãos de outro é muito superior ao que acontece na nossa sociedade"

em que tribos e em que tipo de tribos, aposto contigo que as mais violentas encontram-se em locais inospitos e/ou detem dentro delas uma forte hierarquia.
provavelmente resultando de guerras, rituais, etc.

e há tribos em que nao existe criminalidade, nem castigo sequer.


"O mundo animal é tão vasto, que encontras de tudo.
"Crueldades" que não têm qualquer dessas motivações.
Mas mesmo no caso dos mamíferos, tens o caso de gatos que matam os bebés que não são seus filhos para previligiar a sua descendência. Não é por fome, não é por se sentirem ameaçados, é porque aqueles que tiveram essa propensão espalharam mais os seus genes."

sim, mas tambem há casos de matar a propria prole.
de resto,essa situaçao que descreveste está incluida no "sentir ameaçado". a nivel de dar vantagem ao seu pool genetico.


o que eu queria dizer é que o ser humano nao vive so de estimulos, é mais complexo.
ao ser humano noa se aplicam essas "regras", nós já nos afastamos disso há muito tempo.

"Já leste o livro "O Gene Egoísta" de Dawkins? Tem lá dezenas de exemplos do tipo.
Explica porque é que o conflito é natural e decorre da selecção natural."

ainda não li, mas tambem explica porque razao os animais tambem adoptam outros animais?

o que eu quero dizer é o seguinte:
isso é um estudo do mundo "animal", nao podemos, e é perigoso, juntar darwin com sociologia, politica ou economia.

sao areas distintas, cujas "regras" se aplicam a mundos muito distintos um do outro.

por esta razao coloquei "crueldade" em parentesis, opis nao faz sentido chamar lhe isso visto serem animais irracionais.

somos animais é certo, mas somos muito diferentes.


"O objectivo de castigar quem foi apanhado não é evitar que ele repita o acto. Para isso basta a reabilitação.

O objectivo é evitar que outros pratiquem esse acto.

Se tu acreditas que a educação chega para isso, aí faz todo o sentido que acredites que não faz sentido castigar.
Eu também pensaria isso."

entao tu aqui estas nao a falar do castigo como "sentença", mas para "dar o exemplo aos outros".

eu noa concordo com essa teoria. não me leves a mal, mas faz-me lembrar da teoria por detras das execuçoes em praça publica.mas sem execuçao.


"Creio que não é coincidência que as diferentes sociedades em diferentes pontos do globo todas elas (tanto quanto sei, mas vou confirmar com a minha namorada que é antropóliga que conhece mais disto que eu) tenham implementado castigos. Muitas delas sem capitalismo ou economia de mercado."

esse tipo de sociedades tinham estruturas hierarquizadas e autoritarias. nós estamos a falar da natureza das instituiçoes.


"Creio que é como a religião: "natural" (o ser humano é propenso à superstição), mas não inevitável."

há tribos os pigmeus africanos, nao tinham nenhum sistema de crenças.


"Nota - vi o video da prisão da Dinamarca, e realmente fiquei surpreendido.
Mas tens de convir que continua a ser um castigo. Pelo menos eu, se vivesse na Dinamarca, não deixaria de ter medo de ir para a prisão."

aquilo não é castigo, a nao ser que ir para o "country side" nao seja ao teu gosto. parece um bom sitio para uma vida relaxada.


"A pedofilia é a atracção sexual por crianças. Obviamente não é crime.

O crime é o abuso de menores, e é esse que é punido.

O facto de haver uma pena para o abuso de menores evita o abuso de menores, creio eu."

nem por isso, é uma desordem mental. nao controlas o teu comportamento se nao fores acompanhado.
alias há razoes nao sexuais por detras de alguns abusos, mas prendem-se tambem com desvios comportamentais.

"«Não acho bem que o estado se arrogue ao direito de me proteger de mim mesmo.»

O estado faz isso quando proibe as drogas, a eutanásia, etc..."

concordo contigo.

João Vasco disse...

agitador:

«se a desigualdade e outros factores forem combatidos, como acho que sao no anarquismo. nao haverá necessidade de castigo.»

Se não houver, lixo com o castigo.

Então nesse ponto ético não discordamos. Na questão dos valores.

A nossa discordia não está nos valores, mas na "ciência". Não na forma como achamos que o mundo devia ser, mas sim na forma como achamos que o mundo É.

Tu dizes que atacando os outros factores seria possível HOJE fazer com que as pessoas, na generalidade, não se agredissem umas às outras.
Se tiveres evidências a este respeito, a minha opinião está aberta a mudar.

(Salientei o HOJE porque eu acredito que isso pode ser possível no futuro quando a mente humana for melhor entendida)



«e há tribos em que nao existe criminalidade, nem castigo sequer.»

Este ponto é muito importante!!

E na verdade aqui cometi um lapso: a minha namorada já me tinha falado de uma sociedade onde alegadamente não existia castigo.
Mas ela falou-me disso a propósito de uma conversa sobre religião - em que ela defendia a importância social da religião e eu não - pois nessa sociedade as pessoas tinham crenças religiosas tais que tiravam a motivação aos indivíduos para o conflito. A explicação para a inexistência de castigo era portanto a "lavagem cerebral" feita pela religião, que por alguma razão era mais eficaz do que a lavagem cerebral que outras religiões tentam fazer.

Mas se há outras tribos em que isso acontece, e ainda por cima isso nem sequer pode ser explicado pela religião, quero saber mais sobre esse assunto.


«de resto,essa situaçao que descreveste está incluida no "sentir ameaçado". a nivel de dar vantagem ao seu pool genetico. »

O gato não se sente ameaçado. Ele não tem "vontade" de que os seus genes sobrevivam, porque nem sabe o que são genes.

Ele sente "vontade" de matar os bebés. Sente-a porque os gatos que sentiram essa vontade espalharam mais os genes do que os outros.


«o que eu queria dizer é que o ser humano nao vive so de estimulos, é mais complexo.
ao ser humano noa se aplicam essas "regras", nós já nos afastamos disso há muito tempo.»

Sim e não.

Sim, no sentido em que podemos libertar-nos delas, e já nos libertámos de várias. O uso do preservativo não faz sentido à luz da selecção natural.

Não no sentido em que durante vários milhões de anos o nosso cérebro foi "moldado" por estas regras.

Hoje a teoria do "blank slate" foi desacreditada (posso dar dados para isto), e sabe-se que o nosso comportamento depende em alguma medida do nosso ADN. Mas este ADN esteve durante milhões de anos sujeito à selecção natural, e a selecção natural, sendo um processo lento, não pode ter feito mudanças tão radicais em apenas nos últimos cerca de 5000 anos.


«ainda não li, mas tambem explica porque razao os animais tambem adoptam outros animais?»

Fala sobre isso, sim.

Nota que parte do ponto do livro é explicar coisas que aparentemente seriam estranhas segundo a selecção natural, mas que na verdade não são.

É um livro influente, mas também muito bom.


«isso é um estudo do mundo "animal", nao podemos, e é perigoso, juntar darwin com sociologia, politica ou economia.»

Podem ter havido muitos indivíduos com ideias completamente parvas a respeito do Darwinismo que as usaram como desculpa para defender ideias completamente parvas em sociologia, política ou economia.

Não defendo nada disso.

MAS, compreender a selecção natural é importante para compreender os animais.

E nós somos um animal. A selecção natural é apenas um aspecto para entender o nosso comportamento, e existem vários aspectos do nosso comportamento que ultrapassam a selecção natural (o exemplo do planeamento familiar e o mais claro). Mas creio que se reduzir tudo à selecção natural é idiota, descartar a selecção natural como um dos factores que explica parte do comportamento humano também não é sensato.


«não me leves a mal, mas faz-me lembrar da teoria por detras das execuçoes em praça publica.mas sem execuçao.»

Não levo a mal, embora ache que são coisas diferentes.
A motivação desse tipo de execuções era uma espécie de "vingança" do "povo" contra quem infringiu as regras.

As pessoas atiravam ovos e batatas contra os prisioneiros com crueldade. Havia a ideia instalada que se o crime foi grande, a pena tinha de ser maior, para haver "justiça".

Eu acho tudo isso um disparate porque não acredito na culpa. Acho que o prisioneiro não tem culpa do que fez, nem as pessoas têm culpa da crueldade com que o trataram, nem ninguém tem culpa de nada.

Agora se tu dizes assim: "quem fizer A tem o castigo B" isso vai desincentivar as pessoas a fazer A, porque elas não querem o castigo.
A única razão para castigar é manter a regra credível.
Mas se a regra for desnecessária, porque ninguém quer fazer A em primeiro lugar (as pessoas foram educadas de tal maneira que não querem fazer A, e não existem desiguldades muito grandes, nem escassez, etc...) então aí concordaria contigo.

Assim, parece-me que esta conversa ESTÁ a chegar a algum lado.


«esse tipo de sociedades tinham estruturas hierarquizadas e autoritarias. nós estamos a falar da natureza das instituiçoes.»

Ok


«há tribos os pigmeus africanos, nao tinham nenhum sistema de crenças.»

Sim, mas eu aqui falei numa propensão.
Acho que sendo o ser humano naturalmente dado à superstição (por razões explicáveis pela selecção natural) é natural que a religião tenha emergido em grande parte das sociedades.

Essa propensão não se manifestou sob a forma de religião em todas as sociedades, tudo bem.


«aquilo não é castigo, a nao ser que ir para o "country side" nao seja ao teu gosto. parece um bom sitio para uma vida relaxada.»

Não seria a meu gosto afastarem-me dos meus familiares e amigos (e nem sequer tenho filhos). Mesmo se não tivesse nenhuma relação amorosa, nem amigos e familiares, não gostaria de ser confinado a um local de onde não deveria saír, numa comunidade sem nenhum elemento do sexo oposto, durante vários anos.


«nem por isso, é uma desordem mental. nao controlas o teu comportamento se nao fores acompanhado.»

Já tinha ouvido dizer que é uma desordem mental, mas não liguei muito porque há uns anos atrás consideravam a homossexualidade uma desordem mental, e isso é completamente disparatado - daí alguma relutância em aceitar aquilo que os psicólogos dizem ser "mentalmente saudável".

Mas se tu dizes que o comportamento é incontrolável, então é-me fácil de aceitar que se trata de uma desordem mental.

Mas reforço que não existe nenhum crime de pedofilia.
Existe um crime de abuso de menores. O principal objectivo da existência dessa figura legal é evitar que adultos se envolvam sexualmente com menores.
Isso pode desincentivar adultos "saudáveis" (isto é, capazes de controlar o seu comportamento) de cometerem abuso de menores, e incentivar os pedófilos (os incapazes) a procurar ajuda.

João Vasco disse...

«A motivação desse tipo de execuções era uma espécie de "vingança" do "povo" contra quem infringiu as regras.»

Uma nota: é claro que aqui o "povo" era, em grande medida, manipulado pelo poder instituído para manifestar este tipo de sentimentos, e canalizar diferentes frustrações em prisioneiros que eram verdadeiros "bodes expiatórios".

Ainda hoje o Filipe Castro descreve situações parecidas em relação à justiça criminal no Texas.

Anónimo disse...

peço desculpa pelo atraso na resposta.


"A nossa discordia não está nos valores, mas na "ciência". Não na forma como achamos que o mundo devia ser, mas sim na forma como achamos que o mundo É.

Tu dizes que atacando os outros factores seria possível HOJE fazer com que as pessoas, na generalidade, não se agredissem umas às outras.
Se tiveres evidências a este respeito, a minha opinião está aberta a mudar."

em geral o paises nordicos, em particular as okupas e os anarquistas (apesar de se queimar um carro de quando em vez, mas isso é por outras razoes)


"E na verdade aqui cometi um lapso: a minha namorada já me tinha falado de uma sociedade onde alegadamente não existia castigo.
Mas ela falou-me disso a propósito de uma conversa sobre religião - em que ela defendia a importância social da religião e eu não - pois nessa sociedade as pessoas tinham crenças religiosas tais que tiravam a motivação aos indivíduos para o conflito. A explicação para a inexistência de castigo era portanto a "lavagem cerebral" feita pela religião, que por alguma razão era mais eficaz do que a lavagem cerebral que outras religiões tentam fazer.

Mas se há outras tribos em que isso acontece, e ainda por cima isso nem sequer pode ser explicado pela religião, quero saber mais sobre esse assunto."

o que é a religiao? a religiao é uma tentativa primitiva de criar regras de conduta, estas sao a base da sociedade (o que chamamos agora direito). obviamente que as religioes contem superstiçoes, mas isso é fruto das sociedades em que surgiram.(o direito era divino, hoje é jus natura)
no entanto e deves reparar que as religioes foram mudando, isto vê-se no fosso que é o velho testamento e o novo testamento ou entao o aparecimento do budismo com base no hinduismo.
ora, e apesar de tudo, as religioes como criaçao humana que são, foram sendo imbuidas cada vez mais com valores "humanos" ou "humanistas", nao é por acaso que nas religioes se fala mais no amor, na empatia, na ajuda aos pobres, etc etc
embora, claro, nao sendo o que hoje sao os direitos humanos como nos os conhecemos, no entanto o budismo mais antigo que o cristianismo já prega a nao violencia, nao prega o castigo (se te portares mal reencarnas), etc.

estes valores sao reflexos de humanidade.


"O gato não se sente ameaçado. Ele não tem "vontade" de que os seus genes sobrevivam, porque nem sabe o que são genes.

Ele sente "vontade" de matar os bebés. Sente-a porque os gatos que sentiram essa vontade espalharam mais os genes do que os outros."

obviamente que o gato noa sente, mas supostamente a funçao ultima da vida é "espalhar" os genes. de resto, há explicaçao para isso, quando os gatos tem prole doente eles abandonam a prole podem ate mata-los.

no entanto os animais tambem adoptam, e pensar que a competiçao é o unico factor de evoluçao isso é reducionista, a cooperaçao tem um papel igualmente importante. alias o proprio darwin o disse, e depois kropotkin fez um livro a salientar isso.

mas isto é outra questao. e que nao deve ser confundida com o resto.


"Sim, no sentido em que podemos libertar-nos delas, e já nos libertámos de várias. O uso do preservativo não faz sentido à luz da selecção natural.

Não no sentido em que durante vários milhões de anos o nosso cérebro foi "moldado" por estas regras.

Hoje a teoria do "blank slate" foi desacreditada (posso dar dados para isto), e sabe-se que o nosso comportamento depende em alguma medida do nosso ADN. Mas este ADN esteve durante milhões de anos sujeito à selecção natural, e a selecção natural, sendo um processo lento, não pode ter feito mudanças tão radicais em apenas nos últimos cerca de 5000 anos."

nos sobrevivemos atraves da inteligencia, que nos permitiu elevados niveis de socializaçao e cooperaçao.e vice versa.

agora, obvio que nao estou a defender o "blank slate", apenas afirmo que graças a nossa inteligencia, capacidade de raciocinio, sentimentos (os sentimentos ou a capacidade de sentir tambem evoluiram e isto tem um grande papel na socializaçao e desenvolveu-se ao longo do processo de socializaçao ao longo de geraçoes), etc

desta forma fomo-nos afastando dos "instintos primevos".

como disse acima, darwin falava em cooperaçao. um dos microrganismos mais antigos e que existe ainda hoje é basicamente baseado no mutualismo.


"Agora se tu dizes assim: "quem fizer A tem o castigo B" isso vai desincentivar as pessoas a fazer A, porque elas não querem o castigo.
A única razão para castigar é manter a regra credível.
Mas se a regra for desnecessária, porque ninguém quer fazer A em primeiro lugar (as pessoas foram educadas de tal maneira que não querem fazer A, e não existem desiguldades muito grandes, nem escassez, etc...) então aí concordaria contigo."

para manter a regra credivel, basta, na minha opiniao, ela ser aceite pelo individuo como um valor seu.
eu sou ateu, eu sei matar uma pessoa sem ninguem me apanhar, no entanto nao o faço, baseio-me em principios que guiam a minha vida.
mesmo as pessoas que cometem actos maus, são guiadas por valores (mesmo que distorcidos).
esse é na minha opiniao a base da acçao humana, pois nos somos seres que valoramos constantemente, pois temos identidade.

por isso é que concordo contigo quando criticas o pensamento liberal, sobre o individuo sempre racional e egoista.

eu pelo contrario nao estou a falar num ser sentimental e altruista, mas antes num ser que vive de valores.
de resto, somos tudo isso, egoistas, altruistas, racionais e sentimentais ao mesmo tempo. nao significa que o egoismo seja mau por si, mas que em determinadas estruturas torna-se prejudicial.

é como a agressividade, nos temos um tanto de agressividade, mas essa agressividade transportada para o desporto, para a arte, etc. isto é atraves destas estruturas, torna-se em algo, algo que pode ser belo, no caso da arte.


"Sim, mas eu aqui falei numa propensão.
Acho que sendo o ser humano naturalmente dado à superstição (por razões explicáveis pela selecção natural) é natural que a religião tenha emergido em grande parte das sociedades.

Essa propensão não se manifestou sob a forma de religião em todas as sociedades, tudo bem."

esta propensao para o "misticismo", advem daquilo que só se tem quando podemos usufruir de outra, é a relaçao entre inteligencia e ignorancia.
a tentativa de usar a inteligencia para explicar o mundo, mundo esse cheio de erros devido à ignorancia.


"Não seria a meu gosto afastarem-me dos meus familiares e amigos (e nem sequer tenho filhos). Mesmo se não tivesse nenhuma relação amorosa, nem amigos e familiares, não gostaria de ser confinado a um local de onde não deveria saír, numa comunidade sem nenhum elemento do sexo oposto, durante vários anos."

aqui estava a brincar, é obvio que o isolamento por forma a nao fazeres mal ao outro, implica isso, o isolamento.


"Já tinha ouvido dizer que é uma desordem mental, mas não liguei muito porque há uns anos atrás consideravam a homossexualidade uma desordem mental, e isso é completamente disparatado - daí alguma relutância em aceitar aquilo que os psicólogos dizem ser "mentalmente saudável".

Mas se tu dizes que o comportamento é incontrolável, então é-me fácil de aceitar que se trata de uma desordem mental."

quando disseram que a homossexualidade era uma desordem mental foi por volta dos anos 50, nessa altura tudo era diferente.

eu posso dizer que é incontrolavel, pois há casos de sujeitos que se entregam para serem acompanhados outros para serem castrtados quimicamente (nao adianta muito), pois sentem que nao se conseguem controlar.

mas obvio que o crime é o abuso de menores, e nada mais. um psicopata noa é um criminoso até cometer um crime.



"«A motivação desse tipo de execuções era uma espécie de "vingança" do "povo" contra quem infringiu as regras.»

Uma nota: é claro que aqui o "povo" era, em grande medida, manipulado pelo poder instituído para manifestar este tipo de sentimentos, e canalizar diferentes frustrações em prisioneiros que eram verdadeiros "bodes expiatórios".

Ainda hoje o Filipe Castro descreve situações parecidas em relação à justiça criminal no Texas."

exacto.

abraço

João Vasco disse...

Agora fui eu que demorei a responder..

«Tu dizes que atacando os outros factores seria possível HOJE fazer com que as pessoas, na generalidade, não se agredissem umas às outras.
Se tiveres evidências a este respeito, a minha opinião está aberta a mudar."

em geral o paises nordicos, em particular as okupas e os anarquistas»

Não existe uma grande sociedade de anarquistas e okupas. Existem muitos anarquistas e ocupas e a viver em diferentes sociedades não anarquistas, e pequenas comunidades que não conheço bem. Não posso levar esse exemplo em conta.

Quanto aos países nordicos, creio que são um exemplo interessante do melhor (ou quase) que se pode alcançar HOJE. Mas não são uma sociedade anarquista. Esse aliás é o meu ponto: parece-me que HOJE não se pode ir muito além daquilo que se faz na Suécia ou na Filandia.
São países com uma economia de mercado, mas onde o mercado é "domado" pela comunidade. Apesar do peso do estado na economia ser dos mais elevados da Europa, os cidadãos têm mais liberdade face ao estado nesses países que em muitos outros da UE.

«as religioes como criaçao humana que são, foram sendo imbuidas cada vez mais com valores "humanos" ou "humanistas", nao é por acaso que nas religioes se fala mais no amor, na empatia, na ajuda aos pobres, etc etc
embora, claro, nao sendo o que hoje sao os direitos humanos como nos os conhecemos [...]

estes valores sao reflexos de humanidade.»

Aqui concordo completamente.
Acredito que há uma evolução dos valores.
Acho é que está longe de estar completa.


«no entanto os animais tambem adoptam, e pensar que a competiçao é o unico factor de evoluçao isso é reducionista, a cooperaçao tem um papel igualmente importante. alias o proprio darwin o disse, e depois kropotkin fez um livro a salientar isso.»

Isso é aquilo que tenho escrito sempre ao longo desta conversa.
Aliás, grande parte do livro "o Gene egoísta" serve precisamente para explicar porque é que a selecção natural leva ao desenvolvimento de comportamentos altruistas.

«como disse acima, darwin falava em cooperaçao. um dos microrganismos mais antigos e que existe ainda hoje é basicamente baseado no mutualismo.»

idem


«de resto, somos tudo isso, egoistas, altruistas, racionais e sentimentais ao mesmo tempo. nao significa que o egoismo seja mau por si, mas que em determinadas estruturas torna-se prejudicial.

é como a agressividade, nos temos um tanto de agressividade, mas essa agressividade transportada para o desporto, para a arte, etc. isto é atraves destas estruturas, torna-se em algo, algo que pode ser belo, no caso da arte.»

100% de acordo


E daqui para a frente também concordo com o resto.

abraço

Anónimo disse...

obvio que hoje temos os exemplos nordicos, dentro deste paradigma.

a sociedade anarquista só existirá quando as pessoas tomarem consciencia.
como nao há tomada do poder, é necessario as pessoas estarem preparadas para a mudança.

existem tres formas de haver mudança: reforma, revoluçao ou insurreiçao.

eu acho que so atraves da insurreiçao se pode alcançar a mudança, de resto, terá de haver preparaçao para tal.

mas isto é outra historia...

abraço, eu vou tentando comentar neste blog sempre que possa.