terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Em defesa da escola pública

O Ministério da Educação colocou à discussão pública um projecto de lei que reorganiza radicalmente a gestão das escolas públicas. O projecto confere aos agrupamentos de escolas «autonomia», ou seja, a prerrogativa de «tomar decisões nos domínios da organização pedagógica, da organização curricular, da gestão dos recursos humanos, da acção social escolar e da gestão estratégica, patrimonial, administrativa e financeira» (artigo 8º). Para gerir a «autonomia escolar», o mesmo projecto cria um «Conselho Geral» e um «director».

Muito curioso é verificar que na composição do dito «Conselho Geral» (artigo 12º), embora se salvaguarde «a participação de representantes do pessoal docente e não docente», também se incluem representantes «da autarquia e da comunidade local», o que significa, no segundo caso, «instituições, organizações e actividades de carácter económico, social, cultural e científico». Nas percentagens atribuídas ao número de representantes membros do «Conselho», os docentes ficam à partida apenas com 30% a 40% dos representantes no «Conselho», portanto em minoria, e nem sequer em conjunto com os auxiliares educativos atingem os 50%. Os restantes membros serão pais e alunos (mínimo de 20%), e finalmente os representantes do poder político local, das empresas locais (calçado? têxteis?) ou da igreja local, que finalmente terão oportunidade de gerir a escola pública. O peso deste pessoal «estranho à escola» pode chegar aos 50%.

As «competências» do «Conselho» incluem «gerir a escola», «eleger o director» e até pronunciar-se sobre a gestão dos horários. As do director vão desde definir o «projecto educativo» até fazer o orçamento e recrutar o pessoal, sempre devidamente aprovado pelo «Conselho Geral».

Um cidadão treme só de imaginar os efeitos perversos que esta lei poderá ter. Desde permitir que o poder dos autarcas se estenda à nomeação do director da escola local (e portanto aos professores e funcionários contratados), até trazer publicidade (e recrutamento laboral?) das empresas locais para dentro da escola, até permitir que o padre da terra tenha opinião sobre o horário da disciplina de Religião e Obscurantismo Católico, sem esquecer, quando passarem a ter «flexibilidade» na definição dos currículos, os disparates que se passarão a poder ensinar, com o aplauso interessado das «forças vivas» da terra.

Ao propôr esta lei, a Ministra da Educação perdeu o respeito que eu me habituara a ter por ela.

3 comentários :

Anónimo disse...

«Ao propôr esta lei, a Ministra da Educação perdeu o respeito que eu me habituara a ter por ela.»


Pelos vistos, você é mais um inocente que acordou tarde. Tudo o que este ministério da educação tem feito vai contribuir para destruir o ensino público. Desde a avaliação dos professores, passando pelo estatuto do aluno e pelo estatuto da carreira docente, até ao novo regime de gestão das escolas e às «novas oportunidades», tudo foi pensado apenas para melhorar as estatísticas (e não o ensino) e para reduzir os custos e o défice orçamental (em detrimento do défice educativo - e por isso mesmo o que importa é mascarar as estatíticas). O facilitismo, a infantilização e a burocratização do ensino vão imperar.
Digo que você é inocente porque quase que aposto (mas posso estar enganado) que o respeito que você tinha pela ministra se devia a ela ter posto em «ordem» a classe «privilegiada» dos professores. Só que este ataque era apenas o principio do ataque à escola pública. Isto estava e está à vista de todos, só que a melhor forma de iludir a opinião pública àcerca dos reais objectivos do governo era encontrar um bode expiatório e convencer essa opinião pública que o mal da educação reside nos professores. Agora, os paizinhos que se revoltem se quiserem, e quem tiver dinheiro que ponha os filhos em escolas privadas.

Ricardo Alves disse...

É muito difícil alterar as estatísticas sem alterar a realidade, particularmente no ensino.

Eu não acordei agora. Gosto realmente de algumas coisas desta ministra, como as aulas de substituição e o incremento do ensino em algumas áreas específicas. Neste projecto em particular, sou frontalmente contra.

Anónimo disse...

O que é que você quer dizer com ser dificl alterar as estatísticas sem alterar a realidade? Que elas expressam a realidade?! Se for isto, então você é realmente inocente...
Os resultados estatísticos da educação vão melhorar, disso você pode ter a certeza, só que isso não vai reflectir qualquer melhoramento da realidade ou qualquer melhoramento do ensino. Eu estou convencido de que se vai passar exactamente o contrário, pois estando a avaliação dos professores dependente dos resultados dos alunos, vai-se assistir a uma inflação das notas nunca vista. Dificilmente alguém chumbará, pois disso só pode resultar uma avaliação negativa do professor. Se já eram raros os chumbos (pois já existia pressão para facilitar), agora vão desaparecer.
A exigência vai diminuir e o facilitismo vai aumentar. É o fim do ensino público e a oportunidade de ouro para os privados.
As «novas oportunidades» são bem um espelho do que vem aí: para se ter o 12º ano ou o 9º ano já não é preciso estudar, já que em escassos meses (e sem ser preciso estudar) obtém-se um diploma para o qual seriam precisos 6 e 3 anos, respectivamente. Portanto, há mais pessoas com o secundário completo. Mas isto só expressa uma coisa: manipulação de números e fabricação de diplomas sem qualquer correspondência real.
Dou-lhe outro exemplo: com o novo estatuto do aluno pode-se faltar à vontade que daí não resulta qualquer chumbo. Uma situação que resultaria em provável abandono escolar, agora é transformada em «recuperação» de quem não quer ir à escola, e assim podem-se depois apresentar números excelentes àcerca da frequência da escola pelos alunos, mas que não espelham o que de facto acontece e se verifica.
Quanto àquilo que lhe agrada na ministra dá para perceber que você ainda está a dormir, está... As aulas de substituição não são aulas nenhumas, mas tempos em que os professores vão tomar conta de alunos de turmas que não conhecem. É um frete para os alunos, e para os professores que deviam eram estar a preparar as aulas das suas turmas. Quanto ao incremento do ensino nalgumas áreas, não se iluda: por tudo o que eu disse se há algum incremento não é no ensino, mas sim na burocratização, na infantilização e na desresponsabilização desse mesmo ensino. Porque o que este governo está a fazer é a transformar o local de ensino que era a escola, num local de depósito de crianças e adolescentes que ficam à guarda de «ex-professores», agora transformados em burocratas cuja função é entreter a criançada.