segunda-feira, 16 de julho de 2007

À atenção dos regionalistas

  • «O presidente do Governo Regional da Madeira, que suspendeu a aplicação na Região da lei que despenaliza o aborto, diz que é Portugal «quem está na ilegalidade», por aplicar uma lei que não respeita o direito à vida, noticia a Lusa. (...) Além de estar à espera da decisão do Tribunal Constitucional, o Governo Regional da Madeira argumenta ainda que a saúde está regionalizada, que o «Não» no referendo ao aborto na Madeira atingiu os 64 por cento e que a Região não tem dinheiro para suportar os custos das intervenções de IVG.» (Portugal Diário)
Os regionalistas que pensam que os direitos fundamentais, garantidos na Constituição da República, não se arriscam a ter variações regionais, deveriam meditar no que se passa na Madeira, onde os caciques locais, escudados numa maioria regional de 64%(!), pretendem vetar uma lei de âmbito nacional que regula um direito individual. Regionalizar é criar novas fontes de legitimidade política. Podemos imaginar um Portugal regionalizado, onde o catolicismo seria a religião oficial da região do Minho, as aulas de marxismo-leninismo (na escola pública) seriam opcionais na região do Alentejo (mas pagas pelo Estado), e onde a língua inglesa teria estatuto oficial no Algarve. Uma espécie de feudalismo pós-moderno...

10 comentários :

Miguel Madeira disse...

Olhemos o lado bom - podia ser que o aborto, em 1998, tivesse logo sido legalizado em grande parte do pais:

http://eleicoes.cne.pt/cne2005/raster/index.cfm?dia=28&mes=06&ano=1998&eleicao=re1

""#$ disse...

Já para não falar no generalizado aumento da burocracia e confusão.
Depois quais eram as jurisdições de tribunais que resolviam conflitos? Por exemplo?
Quem definia leis eleitorais para as regiões? Ou era a escolha de cada uma?
E impostos? quem definia quais?
as regiões ou o Estado?

E por ai em diante...

Pedro Magalhães disse...

Ricardo, permita-me, enquanto «regionalista» (não gosto do termo, mas faltando melhor...), discordar.

O que se passa na Madeira resulta apenas da falta de vontade política para pôr João Jardim na linha. O governo regional não tem autoridade para suspender a aplicação de nenhuma lei no território da Madeira. Está a actuar na ilegalidade e devia ser corrigido.

Na eventualidade de um processo de regionalização, os direitos fundamentais consignados na CRP seriam naturalmente salvaguardados, assim com a unidade e indivisibilidade da Républica Portuguesa. Não é isso que está em questão, julgo, quando se discute a regionalização.

Por isso, o cenário traçado parece-me manifestamente irrealista e mesmo dificilmente imaginável, ao passo que as assimetrias regionais, cada vez mais notórias, são bem reais e vão compondo um país a várias velocidades, cada vez mais desigual.

Haverá certamente muitos factores a contribuir para essas assimetrias, mas um dos principais parece-me ser a ineficiência do governo central em promover projectos de desenvolvimento nas regiões "periféricas" (ou seja, fora da Grande Lisboa e, eventualmente, do Grande Porto), aliada à incapacidade (e falta de meios) dos municípios para liderarem projectos de âmbito regional. É neste quadro que a regionalização se revelaria, a meu ver, benéfica, e não vale a pena acenar o fantasma de uma espécie de retorno ao Ancien Régime.

Quanto às questões levantadas pelo Pedro Silva, parece-me que dizem respeito a esferas que dificilmente sofrerão alterações com a regionalização. Regionalizar não é criar novos estados independentes! É evidente que o governo central continuará a definir a lei eleitoral, as jurisdições dos tribunais podem perfeitamente permanecer inalteradas, a política fiscal relevante continuará a ser definida centralmente (e esperemos que como instrumento redistributivo)...

Ricardo Alves disse...

Pedro Magalhães,
é óbvio que traçei um cenário irrealista. Mas o objectivo era fazer as pessoas pensar.

Acha que haveria mais vontade política para «pôr na linha» os caciques regionais do continente do que aquela (que não) existe para o bokassa da Madeira? Porquê?

Eu acho que possivelmente haveria menos. Quer a Grande Lisboa, quer a região norte, com mapas não muito excêntricos, poderiam ter três milhões de habitantes cada. Acha que o governo central teria coragem política para enfrentar os líderes destas regiões? Como, se não a tem para enfrentar uma região com 300 mil habitantes?

Quanto ao desenvolvimento regional: com certeza que há muito a fazer. Não sei se a responsabilidade é de Lisboa, do Porto, do Governo ou dos municípios. Mas, o que fariam os governos regionais, para além de aumentarem a despesa do Estado?

""#$ disse...

Caro Pedro Magalhães:

""Regionalizar não é criar novos estados independentes!""

Nimguem diria, escutando as pessoas da cidade do porto e o senhor da madeira.
E diz-me que dificilmente sofrerão alterações as esferas que eu levanto.

Portanto, seguindo a sua lógica anterior vamos traçar o seguinte cenário: Um estado regional, quer criar um plano de desenvolvimento regional.
Pede dinheiro ao estado central que não o tem.
Depois decide criar um imposto próprio regional, mesmo que não lhe chame imposto.
E diz-me que são coisas que dificilmente seriam alteradas?
E se tivéssemos "as forças vivas" de cada região a berrarem na comunicação social a exigirem poderes próprios de imposto? (Como já se faz na Madeira)
Nessa altura resolvia-se o problema como?
Os recursos, contrariamente ao que so defensores da regionalização julgam não são elásticos nem crescem por desejo.

E isto tudo somos nós aqui e agora a debater num blog.
Na realidade dos factos as coisas não se tem passado assim.

Eu como habitante dos arredores de Lisboa, com uma qualidade de vida comparavelmente menor, à de certas regiões do interior começo a ficar extremamente mal disposto com as exigências e as criticas feitas a Lisboa ,por parte do interior de país e mais ainda com exigências de regionalização.(E por favor não me falem de Pib´s maiores...)

Falho em ver porque é que se quer dividir um país de 88 mil km2 em regiões, quando na Alemanha por exemplo a maior parte dos estados federados alemães tem maior tamanho cada um deles do que Portugal inteiro.

Não vejo racionalidade económica nem política numa decisão destas, mais a mais num mundo globalizado.

Miguel Madeira disse...

Eu não vejo problema nenhum em as regiões poderem lançar impostos próprios (já veria mal nas regiões poderem anular os impostos nacionais).

Pedro Magalhães disse...

Ricardo Alves,

No limite, nunca estamos a salvo do populismo, e se acha provável que 3 milhões de habitantes do Norte ou da Grande Lisboa elejam um cacique proto-jardiniano para seu líder, então também é perfeitamente concebível que os 10 milhões de habitantes nacionais revelem um comportamento semelhante na eleição do primeiro-ministro (aliás, Santana Lopes, mesmo não tendo sido eleito, conseguiu lá chegar…).

Custa-me um bocado perceber esse reflexo imediato de desconfiança relativamente a tudo quanto é poder local ou possa vir a ser poder regional. Como se os líderes regionais viessem a ser todos perigosos populistas sempre dispostos a colocar em causa as leis fundamentais da República, enquanto, no governo central, surgiriam como que milagrosamente os grandes estadistas a assegurar o cumprimento da Constituição. Caramba, a pequenez autoritária não é um exclusivo do poder local/regional, como o provam certos tiques do actual governo.

Pedro Silva,

Antes do mais, gostaria que me dissesse quem são os “independentistas portuenses” que tem ouvido. Eu vivo no Porto e não conheço nenhum.

Depois, quanto aos impostos, seria natural que, à semelhança dos municípios hoje (que cobram um imposto sobre imóveis), as regiões pudessem cobrar algum tipo de imposto. O que não deverão poder fazer é, como refere o Miguel Madeira, interferir nos impostos nacionais, ou seja, na política fiscal do estado central.

Já a racionalidade, não será seguramente uma característica do ordenamento territorial e administrativo actual. Ou acha racional que, por exemplo, um habitante do Peso da Régua, na sua relação com a administração pública, tenha de se deslocar provavelmente a cinco cidades diferentes, consoante o serviço público a que pretenda aceder? Ou que alterações mínimas num pequeno terreno agrícola algures no interior tenham de ser reportadas ao Ministério da Agricultura e esperar pela aprovação deste, quando um qualquer organismo regional poderia perfeitamente dar conta do recado de forma mais célere? Precisamente porque os recursos são escassos e não esticam, uma regionalização administrativa bem pensada poderia melhorar a qualidade e eficiência do serviço público.

Finalmente, não posso deixar de sublinhar que, objectivamente, a Grande Lisboa está entre as regiões mais ricas da Europa, enquanto o Norte e o Alentejo contam entre as mais pobres. Isto são factos incontornáveis e, quanto a mim, preocupantes.

Cumprimentos

""#$ disse...

Caro Pedro Magalhães:

Independentistas portuenses: Pinto da Costa. Chega e sobra e tem feito mais pela divisão do país do que qualquer outra pessoa. É um actor político.

Impostos: eu não acho natural mais
impostos; regionais ou outros. Por experiência e análise descubro sempre como habitante dos arredores de Lisboa que acabo sempre a pagar a conta como cidadão das brincadeiras regionalistas ou locais e das descentralizações à martelo.

Quanto ao habitante de peso da régua, realmente não acho natural que vá a 5 cidades diferentes para tratar de um assunto.

Contudo também não acho natural que na zona onde eu vivo exista apenas um único hospital ainda por cima privado e incompetente a funcionar, a servir 800 mil pessoas.
Tenho a certeza que o rácio do habitante de peso da Régua é melhor do que o meu.

Quanto à alteração agrícola feita por um qualquer organismo regional sou contra. Conheço uma região do centro do país e já vi como são atribuidos os subsídios agrícolas lá, e portanto com organismos regionais a corrupção ainda seria maior do que já é. Essa não compro.

E quanto à questão do "objectivamente" a grande Lisboa estar entre as regiões mais ricas da Europa isso é estatística.
Engraçada e gira mas estatística.
O problema é que nós aqui não vemos qualquer reflexo prático da objectividade estatística que diz que somos os mais ricos. Pagamos impostos, preços, serviços, compra de casas como os mais ricos, e em troca temos uma menor qualidade de vida e a carteira mais vazia.

E pagamos para sair daqui e para entrar aqui em portagens.
Portanto, eu ficaria muito feliz por estar 3 ou 4 lugares abaixo nas estatísticas e ficar com o proveito e sem a fama.
É que actualmente tenho a fama , mas o proveito é nenhum.

E como habitante dos arredores de Lisboa ainda sou criticado e olhado como rico e privilegiado sem ver qual é o privilégio
concreto que tenho vindo a usufruir por viver aqui nos arredores.

Caro Miguel Magalhães; repare: num outro dia entrei no sumptuoso centro cultural duma vila do interior do país com 4.200 habitantes para descobrir que nesse interior ostracizado e vilipendiado os cidadãos pagavam 2 euros por ver cinema, e os reformados não pagavam nada.

Em contrapartida os ricos habitantes de Lisboa pagam preço inteiro,sejam reformados ou não, porque ninguém os subsidia.
Este é um exemplo; podia dar mais.

Como já disse; já tenho a fama, agora queria o proveito.

Ricardo Alves disse...

Caro Pedro Magalhães,
nunca estaremos a salvo do populismo, mas o facto é que o governo central, até há pouco, nunca conseguiu fazer frente ao jardinismo. Fosse quem fosse o «presidente» da Grande Lisboa, seria muito mais difícil fazê-lo dado o peso demográfico desta região.

Quanto às aprovações de alterações em terrenos agrícolas, turísticos, etc, a verdade é que mesmo estando dependentes do governo central é o disparate que se vê; se ficassem dependentes de governos regionais, seria de temer o pior, com a agravante de que passariam as culpas de uns para os outros.

Concordo no essencial com o Pedro Silva. Parece que as pessoas de fora da Grande Lisboa resumem esta região à parte central de Lisboa. Ignoram tudo o resto à volta, onde aliás vive a maior parte da população.

Mas, Pedro Magalhães, as regiões mais pobres do país são o Alentejo e Trás-os-Montes. O Norte, como um todo, não é uma região muito pobre. Se são os problemas de pobreza regional que o motivam, então defenda um mapa com uma região «Norte Litoral» e outra «Norte Interior» (de Castelo Branco a Chaves e Miranda do Douro). Esta última teria, de certeza, fundos da UE durante muitos e bons anos...

Pedro Magalhães disse...

Caro Ricardo Alves,

«então defenda um mapa com uma região «Norte Litoral» e outra «Norte Interior» (de Castelo Branco a Chaves e Miranda do Douro)»

Sim, sim, seria sensato. Não haja dúvidas que a fractura essencial, em termos de disparidades regionais, é a que existe entre o litoral e o interior. Ainda assim, no Norte litoral, o desemprego estrutural resultante do declínio da indústria tem contribuído para uma descida significativa dos níveis de vida.

Caro Pedro Silva,

Creio que sobreestima a importância e influência do Pinto da Costa. Eu tenho para mim que não passa de um dirigente desportivo...

De resto, é evidente que a Grande Lisboa não é um paraíso de riqueza e qualidade de vida. Mas, enfim, tem indicadores sócio-económicos bem acima do resto do país.E, caro Pedro Silva, por muito que os números por vezes enganem, permita-me que continue a basear as minhas opiniões neles em vez de na sua experiência pessoal.