quinta-feira, 2 de março de 2006

Os difíceis alinhamentos das «guerras civilizacionais»»

Na sequência das reacções à publicação dos cartunes de Maomé, alguns eminentes colunistas e bloguistas do torrão pátrio acusaram a esquerda em geral e Freitas do Amaral em particular de serem «inimigos do Ocidente», «islamófilos», «traidores» e sei lá o que mais. Até houve um blogue que lançou o movimento «Freitas do Amaral não fala por mim», em que aliás participei. Foram bastantes as acusações de «hipocrisia» lançadas a personalidades de «esquerda», que aliás em alguns casos (Daniel Oliveira, Joana Amaral Dias...) eram inteiramente merecidas, porque têm pruridos em troçar de Maomé que não demonstram para com Cristo.
Curiosamente, a operação recíproca também funciona: há muita direita que andou toda lampeira a caricaturar Maomé mas que se encolhe quando toca à religião maioritária cá do burgo. Para esses «guerreiros civilizacionais», e tendo em conta as declarações de ontem de José Policarpo («o respeito pelo sagrado é algo que a cultura não pode pôr em questão, mesmo em nome da liberdade») e já mais antigas do Vaticano («a liberdade de expressão não pode incluir o direito de ofender os sentimentos religiosos dos crentes»), sugiro o seguinte programa de trabalhos: para começar, Pacheco Pereira faz uma das suas dissertações sobre a «decadência da Europa», explicando que «Ratzinger é um Papa politicamente correcto» e que «a ICAR é islamófila»; depois, Luciano Amaral escreve um artigo elaborando sobre o tema «o discurso católico é contrário aos valores ocidentais» e O Insurgente lança a petição «O Papa não fala por mim»; finalmente, Helena Matos faz um artigo com a expressão «politicamente correcto» uma vez por parágrafo, onde acusa José Policarpo de «ódio à nossa civilização», e José Manuel Fernandes chama «apaziguador» a José Policarpo num editorial em que fala de Churchill e Chamberlain e enfia a martelo umas palavras em inglês.
Senhoras e senhores, mais um esforço se quereis provar o vosso apego à liberdade de expressão!

5 comentários :

João Vasco disse...

Boa!!

Anónimo disse...

BUAHAHHA!! Bem metida!!

Mas não adianta que eles estão no molde cultural e civilizacional da maioria: mentira e hipocrisia quanto baste...

Anónimo disse...

O Ricardo tem razão! Há uma lógica de barricada na blogosfera que parece afastar muita gente da coerência. Evita-se partilhar uma ideia com o vizinho do lado, só porque não se partilham outras cem. (Mas também verifiquei isso no tal manisto "Não falam por mim"; houve duas ou três pessoas que me disseram que nunca o assinariam pois estavam lá meia dúzia de nomes com os quais não se queriam ver envolvidos.)

Ricardo Alves disse...

CMF,
o tribalismo/sectarismo é uma das características mais profundas do animal humano. A tendência para pensar dicotómicamente já me parece ser uma especificidade judaico-cristã-muçulmana...

Anónimo disse...

"A tendência para pensar dicotómicamente já me parece ser uma especificidade judaico-cristã-muçulmana..."
Nunca tinha pensado nisso! Tens que desenvolver o tema um destes dias.