segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

Eu e a blogo-esfera (3): os efeitos perversos do formato

Alguns ingénuos dizem que os blogues são «espaços de liberdade». É verdade se se acrescentar que o são apenas para quem lá escreve. Mas não são espaços igualitários como os niusgrupes o são. E, não sendo igualitários, a «liberdade» dos blogues transforma-se muitas vezes na tirania de quem escreve sobre quem lê, e de uma forma mais perversa do que em qualquer outro formato (como um jornal convencional, por exemplo), porque não há quaisquer regras deontológicas ou muitas limitações legais que se possam aplicar na blogo-esfera.
Explico-me: o blogue absolutamente tirano é o blogue sem caixa de comentários (bscc). Num bscc, o autor pode debitar erros factuais, raciocinar sem lógica alguma ou espalhar calúnias sobre terceiros. Até o pode fazer anonimamente. O leitor, impotente, pode assistir a campanhas de calúnias ou a mentiras deliberadas (inclusivamente sobre si próprio), sem nada poder fazer. (A não ser, claro, abrir outro blogue. No entanto, como a realidade é quase sempre mais desinteressante do que a ficção, o mais provável é que ninguém o leia...)
O blogue relativamente tirano é o blogue com caixa de comentários (bccc). Em princípio, num bccc é possível desmascarar os disparates que o autor (ou autores) do blogue escreve. No entanto, os comentários podem ser apagados, bloqueados ou sujeitos a aprovação. Além disso, e este é um ponto importante, os comentários são de certeza muito menos lidos do que os artigos propriamente ditos. Por muito que quem escreva numa caixa de comentários tente corrigir os disparates que leu no artigo que comenta, a verdade é que comentar é aceitar entrar numa relação de poder desigual: os comentários jamais terão a mesma exposição do que o artigo, e por isso podem ser ignorados até certo ponto; e se forem mesmo incómodos para o autor, podem ser apagados. Isto nunca aconteceria num niusgrupe, em que imperava um modo de funcionamento igualitário (réplica-tréplica) e onde os «donos da casa» eram efectivamente neutros.
Estes efeitos perversos só podem ser evitados se os autores do blogue deixarem os comentários funcionar em roda livre e se dispuserem graciosamente a responder-lhes (e mesmo aos anónimos...). No entanto, nada disso anula a relação de poder que um blogue efectivamente constitui com os leitores (e explica, em parte, a revolta que provoca em alguns leitores, muitas vezes justificadamente).
Significativamente, em muitos blogues evita-se dialogar com quem escreve nas caixas de comentários, o que pode evidenciar quer a dificuldade em dialogar com quem tem opiniões diferentes, quer uma concepção das caixas de comentários como um espaço para amigos e conhecidos.
Estando controlado quem escreve em cada espaço, a blogo-esfera tende a reproduzir as redes de sociabilidade que existem fora dela. É assim que cada vez vemos mais diálogos entre pessoas que participam na esfera mediática «tradicional» (políticos e jornalistas, por exemplo), e nitidamente com tendência a excluir quem não é reconhecido pelos frequentadores desses meios. Notam-se também as redes de amigos e ex-colegas de universidade.
As audiências são outro aspecto perverso do formato blogue. Sendo extremamente fácil aferir do número de visitas de um blogue, parece justificado não referir quem tem poucas visitas, mesmo que expresse um ponto de vista pertinente ou original. E parte-se do princípio (um erro cometido noutros media) que quem tem muita audiência tem qualidade.
Mas no fundo o mais importante é ter gozo em escrever.
(Este deverá ser o último fascículo desta série; os anteriores: Eu e a internete, Eu e a blogo-esfera(1), Eu e a blogo-esfera(2).)

5 comentários :

""#$ disse...

ricardo:existe alguma razão para os posts serem tão espaçados no tempo ou é mesmo ...falta de tempo e de inspiração?

Ricardo Alves disse...

É mesmo falta de tempo e inspiração. Comecei esta série a 2 de Novembro, e publiquei nais dois fascículos durante esse mês. Acho que deveria ter despachado este na altura.

""#$ disse...

sugestão: faz todos ao mesmo tempo enquanto estás inspirado e depois guarda para publicaçaõ consecutiva.

Mesmo que existam "repetições" é melhor fazer com inspiração do que sem ela...

Anónimo disse...

Boa análise. "Infelizmente a blogoesfera não faz mais que repetir "as redes de sociabilidade" que existem fora dela". É um facto triste uma ferramenta de comunicação tão poderosa como esta ficar "aprisionada" mas mentes pequeninas das pessoas.Mas ao mesmo tempo dá essa sensação de "sociabilidade virtual" com pessoas que "admiramos" e que não estão ao nosso "alcance" no mundo real, lá fora.Mas se as pessoas "olharem bem" os anfitriões (são raras as excepções) raramente lhes ligam, preferindo "dialogar" com outros "vizinhos".Aqui a "verdadeira" sociabilidade existe entre "bloggers", hierarquizando e estruturando as relações na blogoesfera como no lá fora.
Por outras palavras ter um "blog" dá status e o status é tanto maior quanto maior influencia tiver.Até nisso se replica o mundo lá fora.

sabine disse...

A sua análise é muito boa!
Sou daquelas pessoas q antes prefere responder aos comentários por mail e q nao responde pura e simplesmente a comentários mal educados.