Os resultados nos partidos médios representam uma renovação (ambígua) do sistema partidário: os partidos que efectivamente sobem são o BE, que tem 10 anos de vida, e o CDS, que tem mais que ver com o ex-director d´O Independente do que com Freitas do Amaral. O PSD e a CDU têm os líderes mais idosos e, de certo modo, representam dois portugais que já não voltarão: o de Salazar e o de Cunhal.
As especificidades da divisão de votos pelos círculos levam a que o BE, com apenas 35 mil votos a menos que o CDS, tenha menos cinco deputados. E foram esses 35 mil votos que, na realidade, impossibilitaram uma maioria aritmética PS-BE. (À reflexão dos fanáticos do «voto útil».)
A maioria política será conhecida, o mais tardar, aquando da discussão do orçamento de 2010. Se o PS quiser fazer maioria com um único partido, terá necessariamente que se voltar para a direita. Se se voltar para a esquerda, terá que angariar o apoio de dois-partidos-dois sem cultura de poder (e de cedência).
De qualquer modo, a maioria parlamentar é de esquerda. Teoricamente, chegaria para aprovar os casamentos entre homossexuais ou qualquer coisa desse género, mas duvido que o parlamento dure o tempo suficiente. De resto, tudo ficará na mesma, do código laboral à progressividade do IRS, passando pela escola pública (menos Lurdes Rodrigues, que está a arrumar o gabinete).
O que nos deixa com a constatação habitual: o sistema político-partidário português não está divido entre direita e esquerda, mas entre direita, PS e esquerda «radical». A última está, por acordo tácito mútuo e nunca escrito, excluída do poder. (Tem a ver com o 25 de Novembro, como tentei explicar há uns tempos.) Mas isso significa que a esquerda, como um todo, fica coxa. Ou melhor, a divisão funcional não é, realmente, entre esquerda e direita. E não foi por mais de um milhão de eleitores ter votado à esquerda do PS que deixará de ser assim. E portanto, a política real, as decisões que realmente contam, continuarão a ser negociadas no pseudo-centro que não o é, ali entre o PS e a direita.
Nota a reter: como eu apontei, em campanha houve mais ataques da esquerda «radical» ao PS do que da esquerda «radical» à direita. E mais ataques do PS ao BE do que do PS ao CDS. O resultado está à vista, com uma subida do partido mais poupado às críticas, o CDS. Continuai assim. O bloqueio da esquerda portuguesa está para durar.
5 comentários :
Realmente, só 1 optimista inveterado (como eu, secretamente, o fui durante os últimos 15 dias) é que podia achar que estas eleições iam ser 1 histórica pedrada no charco para a dita esquerda finalmente se libertar dos pruridos e tabus históricos que a perseguem desde a Revolução de Abril.
Esquecemo-nos sempre de que não somos só nós que votamos, e que a bandeira tão agitada do perigo do "governo refém da esquerda radical" surtiu todo o efeito, jogada por parte da direita e também do "centrista" PS. E a mentalidade de trincheira do BE e da CDU persiste "ad vomitum", já era altura de a mudarem, visto que já devem ter reparado que só favorecem a direita, e, suprema humilhação, têm agora que suportar a "ultrapassagem" que o PP lhes fez. Não pode haver rodeios em admiti-lo: Ontem foi 1 dia mau para a esquerda. Demasiado mau.
A nossa esquerda conseguiu sobreviver ao colapso do comunismo mundial no final dos anos 80, graças a certas particularidades que me iam ocupar muito espaço aqui, mas não se podem combater os paradigmas e desafios actuais usando as "armas" e as mentalidades típicas de há 30 anos atrás. É necessária uma nova mentalidade (não confundir com ideologia), caso contrário, os tiros no pé suceder-se-ão.
Cumprimentos
www.fundodopoco.blogs.sapo.pt
Só + 1 acrescento:
A esquerda agoniza actualmente por essa Europa fora, e Portugal, visto durante muito tempo por olhares curiosos do exterior e até pelos que se lhe opõem cá dentro, como 1 caso ímpar em que os partidos de matriz esquerdista normalmente se impunham eleitorlamente aos partidos chamados "conservadores" (exceptuando o PSD), arrisca-se também a ir por esse caminho. A inoperância europeia da esquerda pode até variar conforme o país a analisar, mas no caso português, pesno que tal ainda se deve a 1 atitude extremamente belicosa entre os partidos que a representam (e vou aqui incluir também o PS). Não há linhas de diálogo, nada. É 1 semi-deserto. Deviam reflectir nisso para o futuro...
Anónimo,
apesar de tudo a «esquerda» (incluindo o PS) teve mais de três milhões de votos. Portanto, há uma maioria sociológica de esquerda. O que não há, é maioria política - porque não há tradição de negociação e cedência entre «radicais» e «reformistas». E esse continua a ser o grande problema.
Segundo comentário anónimo,
veja os resultados da Alemanha. A ala «radical» da esquerda teve, por lá, 23%. O que é tanto quanto o SPD. Mas lá há cultura de diálogo e negociação, nomeadamente entre SPD e Verdes...
Há tradição de diálogo entre o SPD e os Verdes, não entre o SPD e o Die Linke. O SPD não pode ver o Lafontaine nem pintado de rosa.
A esquerda na Alemanha está tão bloqueada como em Portugal.
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