Alertado pelo Blogue de Esquerda (II), procurei a revista Atlântico, cujo primeiro número é hoje distribuído com o Público. Trata-se, assumidamente, de uma tentativa de criar uma revista «neo-tola»(1) à portuguesa, ou seja, americanófila, ostensivamente atlantista, ocidental-culturalista, francofóbica, «liberalista» e engajada no «combate cultural» à esquerda sessenta-oitista.
Na capa (deliciosa!), há uma rosa socialista que pinga sangue, um Che Guevara sinistro, um francês descerebrado e uma Marianne ridicularizada, reunindo quase todos os fantasmas que fazem os autores da publicação acordar em pânico a meio da noite.
O interior faz jus à capa. Os momentos mais divertidos são, por ordem:
- a declaração editorial que decreta, iliberalmente, que «a Aliança Atlântica (...) foi e é o garante da nossa liberdade e segurança» (presume-se que incluindo a estupenda «liberdade» salazarista!);
- o artigo disléxico de Marques de Almeida sobre geometria política;
- Helena Matos (menos prolixa do que habitualmente, mas imparável na defesa da «civilização ochidental»);
- o artigo de Vasco Rato (incansável a diabolizar a esquerda pacifista que diaboliza a direita militarista).
Os momentos menos maus são, também por ordem:
- a recensão do livro do Savater, que fala de assuntos sérios e cativantes;
- a biografia da Fallaci, que não cai em maniqueísmos ao falar de uma personagem que vive disso mesmo;
- o artigo de Paulo Tunhas, que embora desenterre da lixeira a pseudo-ciência psicanalítica, é claro na condenação do islamismo, mas ambíguo quanto às respostas, justamente porque o autor não pode (ou não quer?) levar a denúncia dos culturalismos irredutíveis às suas consequências últimas, e falar portanto de combater o terrorismo não apenas com a democracia mas também com a laicidade.
Tudo somado, quem fica a perder é a «Nova Cidadania» e o JC Espada.
(1) «Neo-tolo» é a tradução literalmente correcta do inglês «neocon».
4 comentários :
Parabéns pelo blogue Ricardo. Como era de esperar, com a qualidade a que já nos habituaste ao longo dos anos.
Ana Miranda
Con é estúpido em francês, não em inglês.
O problema desse pessoal é que são uns eternos Wanna be boys and girls que nunca tiveram a coragem de olhar as coisas por perspectivas novas, é que nem na sinceridade deles em serem neocons (independentemente da tradução :) ) eu acredito...é mais um caso de neoconveniências.
Tive pena de não conseguir comprar o Público para poder dar uma vista de olhos, mas nota-se que a iniciativa é de combate e diabolização da esquerda. De qualquer forma é interessante vêr a direita com um espaço cultural de combate: para eles é algo estranho.
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