quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Pode 90% da actividade de um serviço do Estado ser ilegal?

Sim, pode.
  • «O ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) Jorge Silva Carvalho afirmou que o segredo de Estado serve para proteger o ‘modus operandi´ das secretas, que é “90 por cento ilegal”.» (Observador)
Pode o superior dos superiores hierárquicos colaborar em ilegalidades e manter-se em funções? Sim, pode.
  • «A decisão de espiar o telemóvel [do jornalista Nuno Simas] foi tomada com o conhecimento do seu superior hierárquico Júlio Pereira – que, ainda hoje, dirige as secretas, é secretário-geral do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP) (...).» (Público)
Podem os cidadãos ficar indiferentes perante isto? Podem, mas não devem.

domingo, 15 de novembro de 2015

O «Estado Islâmico», o terrorismo e a religião

O objectivo do terrorismo é aterrorizar. Levar-nos a suspender a nossa capacidade de reacção e a nossa racionalidade. No caso da organização «Estado Islâmico» (EI), o objectivo mais imediato dos atentados de Paris poderá ser tentar a suspensão dos bombardeamentos aéreos que nos últimos meses têm feito diminuir a área que ocupa. Alguns argumentarão que o objectivo poderá ser o contrário: obter uma invasão que confirme profecias apocalípticas. Nesse caso, será difícil explicar que o EI tenha esperado por 2015 para iniciar a sua campanha terrorista na Europa.
Um efeito colateral do terrorismo é a desumanização de quem o perpetra. Os que expressam a sua condenação do EI recusando-lhe qualquer racionalidade ou até humanidade, dão largas a uma indignação justa e inteiramente compreensível, mas perdem capacidade de compreensão e portanto de resposta. «Patologizar» os terroristas chamando-lhes «loucos» ou «bestas» não nos ajuda a debater como os vamos impedir de repetir os seus atentados.

A ideologia do «Estado Islâmico» é conhecida e enunciada articuladamente pelos próprios. Querem restaurar o califado (ou afirmam mesmo já o ter feito), e portanto estabelecer um Estado baseado na interpretação mais fundamentalista do Islão. Muitos na Europa, à esquerda e à direita, resistem a aceitar que o Estado Islâmico seja aquilo que diz ser. Ao contrário do que acontecia com o IRA ou com a ETA, aos quais nunca foi negado que tinham o objectivo de unir a Irlanda ou separar Euskadi, ao «Estado Islâmico» recusam que tenha objectivos islâmicos. A razão é simples: em pleno século 21, há ainda quem não queira aceitar que da religião possa vir o mal.
E no entanto: o programa político que o «Estado Islâmico» concretizou no território que controla só difere do programa da Irmandade Muçulmana no grau de radicalismo e nos métodos. Os fundamentos são os mesmos. Aliás, não tem sido suficientemente sublinhado que a Arábia Saudita executa pessoas por dissidência religiosa e por comportamento sexual recorrendo à mesma jurisprudência que o «Estado Islâmico». Não costumam é filmar e postar no youtube. O «Estado Islâmico» não é menos islâmico do que a Arábia Saudita ou do que as monarquias do Golfo. Anda é mais mal visto.

E sendo verdade que o «Estado Islâmico» não representa todo o Islão e que mata mais muçulmanos que pessoas de outras religiões, não se ganha nada em negar a sua inspiração religiosa.

sábado, 14 de novembro de 2015

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O meu problema com quem se acha imparcial

João Miguel Tavares assina hoje um texto no Público chamado "O meu problema com a esquerda", onde condescendentemente diz que a esquerda tem problemas com os factos.
Comecei a ler com uma certa esperança: alguém tinha dado dois passos atrás para ver as coisas em perspectiva, depois voltando à sua posição e escrito sobre o que tinha visto. Teria sido um exercício interessante, fosse de esquerda ou direita.
Perdi a
esperança a meio quando ele resume o seu ponto: a esquerda tem problemas com os factos objectivos. Se ele se tivesse dado ao trabalho de pelo menos ler o que diz a malta da esquerda, veria que a esquerda diz exactamente o mesmo: a direita tem problema com os factos objectivos. E diz isso constantemente. Afinal não deu um único passo atrás.

Quantos aos "factos" em si que ele refere, aqueles com os quais a esquerda teria problemas em lidar, e incorrendo n
o erro de confundir este governo com a direita (é o que tenho mais à mão) apraz-me dizer o seguinte:
"a nossa capacidade de produzir riqueza" - este governo foi o primeiro a deixar um PIB menor do que quando entrou, e deixa ainda um investimento igual ao de décadas atrás;
"de pagar a dívida" - este governo foi o recordista em subida do peso da dívida na economia, e o recordista em falhar metas do défice (12 orçamentos numa legislatura!);
"de influenciar o rumo político em Bruxelas" - este governo foi constantemente referido por vários outros governos, como o que mais se deixava ir com a corrente;
"enfrentar a crise demográfica" - os dados de 2014 acabaram de sair, e Portugal voltou a perder população, voltou a haver dezenas de milhares a emigrarem, e o número de nascimentos está 20% abaixo do que eram quatro anos antes.


Por último, João Miguel Tavares mostra algum desconforto com a frase do Jerónimo (que ele tenta colar a António Costa),
gostava que um economista me explicasse por que é que o défice tem que ser de 3% em vez de 4%”, pessoalmente eu também gostaria que algum economista (que não eu) me explicasse isso.

Adenda: parece que Bagão Félix também não entende os tais 3%, mas felizmente foi à procura, e percebeu que foi escolhido aleatoriamente.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O IVA na electricidade

A imprensa tem dado conta do finca-pé do BE na descida do IVA da electricidade para 6%, e como isso tem impedido o acordo com o PS. Tenho uma enorme dificuldade em perceber o porquê.
Se for por questão de princípio, poderíamos decretar a morte ideológica do BE.
Se é uma questão de justiça social, vêm-me à cabeça dúzias de maneiras socialmente mais justas de baixar a carga fiscal - nem que seja porque está em causa uma descida de impostos que beneficiaria todas as classes de rendimento - ou de aumentar as despesas sociais do Estado.
Ironicamente, ao querer baixar o preço final da electricidade, e por consequência aumentar o seu consumo, o BE está a fazer um grande favor ao sector eléctrico (o tal das enormes rendas) e cometer um erro de política ambiental.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Das "tradições" da democracia portuguesa

Gosto muito desta tradição recém-inventada de indigitar o líder do partido mais votado como PM. Olhando para as decisões no passado, também se poderia inventar a tradição de indigitar quem oferece uma maioria mais estável no parlamento, mas essa tradição já não dá tanto jeito.
O que tem sido realmente tradição é um e outro serem a mesma pessoa, e essa tradição foi quebrada. Agora cabe ao PR decidir, a Constituição dá-lhe discricionariedade.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A Helena não sabe

Helena Matos, coitadinha, não sabe distinguir:
a) um espaço de debate com vários intervenientes de um espaço de opinião pessoal e sem contraditório;
b) (mais importante) um espaço na televisão por subscrição de um espaço na televisão em canal aberto (eu dir-lhe-ia para comparar as audiências, mas esses números devem ser muito complicados para a cabecinha dela).

Revista de imprensa (13/10/2015)

"PS, BE e PCP disseram, os três, durante a campanha eleitoral, que não viabilizariam um governo de Pedro Passos Coelho. Partindo do princípio que não preciso de recordar as posições de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, deixo apenas a de António Costa, a 18 de setembro, em plena campanha eleitoral: “A última coisa que fazia sentido é o voto no PS, que é um voto de pessoas que querem mudar de política, servisse depois para manter esta política. É evidente que não viabilizaremos, nem há acordo possível entre o PS e a coligação de direita.” Esta declaração mereceu rios de tinta e horas de comentários, tendo sido até utilizada para justificar a perda de votos do PS. Foi bem audível e não podia ter sido mais claro. Ou seja, quem votou no PS, no PCP ou no BE, que correspondem a mais de metade dos eleitores e a mais de 120 deputados, sabia que o voto nestes partidos tornaria inviável um governo de Passos Coelho. É por isso legítimo assumir que a maioria dos eleitores votou para garantir que Passos Coelho não governava." (Daniel Oliveira)