sábado, 17 de julho de 2021

Esquerda e responsabilidade orçamental

A Iniciativa Liberal é um partido de direita cujas propostas orçamentais se pautam pela irresponsabilidade orçamental. A Iniciativa Liberal quer diminuir as taxas de IRS, IRC e uma série de outros impostos, reduzindo por essa via a receita fiscal, sem que proponham uma redução equiparável da despesa pública. Sim, existem as promessas vagas de combate ao desperdício e ineficiência, mas no que diz respeito às grandes rubricas, as propostas da IL vão no sentido de aumentar a despesa pública, prometendo um sistema de seguros privados mais custoso ou um cheque-ensino que sairia mais caro. 

Esta novidade é bem-vinda porque pode ajudar a destruir um conceito que tanto gente à esquerda como à direita já tinha interiorizado em Portugal: que a responsabilidade orçamental está associada à direita, ou que a irresponsabilidade orçamental é uma característica da esquerda. De facto, todos os partidos que têm defendido a necessidade de contas públicas equilibradas (PSD, CDS, PS) são partidos com um programa económico de direita (PSD, CDS) ou de centro-direita (PS). Se a isto somarmos o facto de muitas pessoas atribuírem a crise de 2011 ao suposto "despesismo" do PS e ao facto deste partido ter defendido uma consolidação orçamental mais suave que o PSD, está formada a "tempestade perfeita" para criar esta percepção errônea: quanto mais à esquerda, mais orçamentalmente irresponsável. 

Esta percepção errada não resiste ao alargamento de perspectivas: nos EUA, pelo menos nas últimas 4 décadas, têm sido os governos mais à direita aqueles que mais têm aumentado o défice, e os governos mais à esquerda aqueles que mais o têm combatido. E no panorama europeu verificamos que os estados sociais mais sólidos e robustos foram construídos pelos governos que têm mantido contas públicas mais sólidas. 

No entanto, o que há de mais curioso nesta noção de que a esquerda seria "orçamentalmente responsável", é pensar nas consequências de um saldo orçamental negativo "crónico" com as consequências de um saldo orçamental positivo "crónico". Em tese, faria sentido a direita ser orçamentalmente irresponsável e a esquerda ser orçamentalmente responsável, pelo menos se assumirmos que os gastos públicos servem principalmente para financiar o estado social.  

No seu livro "O Capital no Século XXI", ao procurar explicar o aumento galopante das desigualdades, Picketty considera que uma parte importante da equação diz respeito à evolução do património público: desde os anos 70 que vemos o capital público a diminuir em proporção do rendimento da economia e ainda mais enquanto proporção do capital total:


 
Para a direita, esta evolução é sem dúvida positiva, pois significa que uma maior proporção dos activos e meios de produção está nas mãos de actores privados que os gerem, alegadamente, de forma mais eficiente. 
A esquerda, pelo contrário, não pode separar esta evolução do aumento das desigualdades e estagnação dos salários reais que lhe está associada, e não costuma fazê-lo. É comum ver esta evolução como um retrocesso ao panorama social e político anterior às grandes guerras, marcado pela instabilidade e pelas profundas desigualdades que lhe deram origem.

Mas esta evolução é, no que concerne ao património público, uma consequência directa de saldos orçamentais negativos crónicos. Esta "trajectória económica de direita" é consequência de escolhas políticas que são vistas como sendo de esquerda por uma enorme proporção do público e dos actores políticos. Se o saldo orçamental das contas públicas for positivo, o património público aumenta. Se o saldo orçamental das contas públicas for negativo, o património público diminui. 
Assim sendo, faz todo o sentido que a Iniciativa Liberal faça propostas orçamentalmente irresponsáveis. Se o estado gastar mais dinheiro do que aquilo que recebe, terá de privatizar as empresas públicas que ainda restam para pagar as contas, ou então de agravar o seu grau de endividamento, o que significa que no longo prazo o estado passará a cobrar impostos aos trabalhadores em geral para pagar os juros aos credores. 
O que parece mais bizarro é que o BE, o PCP e o PEV também o façam. 

Claro que esta exposição simplifica um pouco o panorama. Nem a IL nem o BE, PCP e PEV alegam que querem aumentar o grau de endividamento do estado. Aliás, o BE, PCP e PEV até se bateram pela reestruturação da dívida pública na sequência da crise de 2011, precisamente como uma forma de diminuir este endividamento excessivo. 
Existem, no entanto, duas questões diferentes a considerar. Uma é a necessidade de políticas contra-cíclicas. Com poucas excepções, todos reconhecerão a importância de políticas contra-cíclicas, deficitárias quando a economia está em baixo, e vice-versa. Faz sentido que a esquerda seja ainda mais favorável do que a direita a uma intervenção "estabilizadora" neste sentido, na medida em que não só a mesma corresponde a uma intervenção pública no contexto de uma economia de mercado, como tipicamente terá um impacto redistributivo. Assim sendo, defender um défice pontual no contexto de uma crise como a de 2011 pode ser correctamente visto como uma posição de esquerda. Não é isso que está em questão neste texto: falamos daquilo que seria o défice "médio", num ano não especialmente bom, nem especialmente mau. 
Já tenho visto alguns líderes políticos de esquerda a defender um conjunto de políticas que resultaria num défice crónico dando a entender que se trataria de uma política contra-cíclica, destinada a estimular uma economia que tem crescido pouco ao longo das últimas duas décadas. Note-se que isto não é uma política contra-cíclica: uma política contra-cíclica defende saldos menores quando o crescimento está abaixo da média, não quando está abaixo dos nossos desejos. 

A segunda questão a considerar são as justificações dadas pela IL ou BE, PCP e PEV para alegar que as políticas que propõem não iriam aumentar significativamente a dívida pública. A IL entra no "Reagonomics" puro e duro: como baixam o IRS, as pessoas trabalham mais, a receita aumenta. Esta fantasia já foi testada várias vezes, falha sempre, resulta em défices avassaladores, e os líderes da IL sabem perfeitamente disso. Noutras circunstâncias não explicaria por má fé aquilo que poderia explicar por preconceito ideológico, mas Portugal já leva uns bons anos a mudar estas taxas para cima e para baixo e existem poucas dúvidas que uma forte redução das taxas de IRS iria reduzir a receita no actual contexto. Não existe sequer debate entre quem conhece os números a não ser quanto à dimensão da redução.  Dito isto, esta posição demagógica pode ser considerada menos irresponsável por quem partilhar o mesmo conjunto de valores e princípios, na medida em que tal erro apenas resultaria numa diminuição do património público, algo que dificilmente os apoiantes da IL considerarão trágico. 

Já as justificações do BE, PCP ou PEV para defender políticas que resultariam em défices crónicos são menos simples. Por vezes evitam a questão afirmando que as consequências futuras e perversas daquilo que defendem como justo (aumentar as prestações sociais, o investimento público e o financiamento dos serviços públicos sem aumentar a tributação) se devem às contradições e insustentabilidade do sistema capitalista em si. A ser levada a sério, esta justificação faria com que os eleitores que se sentem seduzidos pelo programa moderado e social-democrata destes partidos devam evitar votar neles: afinal de contas as suas propostas teriam, assumidamente, más consequências a menos que o capitalismo venha a ser abolido num futuro próximo. 

Outras vezes, no entanto, o argumento é mais complexo. Por vezes aquilo que se defende é que os défices só têm estas consequências perversas devido à falta de independência monetária do país. Que se o estado controlasse a política monetária (por exemplo, estando fora do euro), poderia endividar-se sem que isso trouxesse consequências perversas. Controlando a moeda, poderia manter juros baixos e qualquer nível de endividamento seria sustentável. 

Mas será que seria assim? O exemplo do Japão e dos EUA é frequentemente apontado, mas em ambos os casos verificou-se esta mesma redução do património público em consequência dos défices crónicos. Algo que conduz a um aumento das desigualdades e tem um impacto negativo no que concerne à distribuição da riqueza, com parte da receita fiscal do estado a servir como uma "renda" dos cidadãos com maior património. 
Se o estado pudesse controlar o banco central, poderia tentar usar a inflação para reduzir os juros reais que tem de pagar, mas essa é uma opção que apenas resulta temporariamente e não resolve o problema de fundo: os juros reais ficarão maiores do que inicialmente a médio prazo, assumindo que a autoridade monetária vai sempre evitar um fenómeno de hiper-inflação. Isto nem sequer é abstracto: Portugal teve autoridade monetária durante vários séculos, e os défices crónicos sempre deram origem a uma diminuição do património público. Não existe nenhum país que seja excepção a esta regra. 

Por estas razões, fica difícil de explicar porque é que em Portugal os partidos de esquerda assumem posições que por um lado contribuem para agravar as desigualdades e transferir riqueza de quem não tem património para quem tem, e por outro lado contribuem para que estes partidos sejam vistos como irresponsáveis e irrealistas pela população menos politizada. 

12 comentários :

Jaime Santos disse...

Já tinha tido oportunidade de comentar este ponto num post anterior, mas o comentário não foi publicado, imagino que por lapso, dado que o que eu disse me parece respeitador das vossas balizas no que diz respeito ao conteúdo dos comentários.

Estou completamente de acordo com o que diz sobre a política keynesiana de défices crónicos da Direita Americana, obtidos quer pela baixa da receita (diminuição de impostos) quer pelo aumento da despesa (keynesianismo militar puro e duro, enquanto se combatem as supostas welfare queens, esse dog whistling racista vem aliás do tempo de Reagan). Esta estratégia é conhecida por 'starve the beast' levando, como bem aponta, à redução do património público.

Aliás, os Republicanos e os seus amigos nos media parece que só se preocupam com o aumento da dívida pública quando os Democratas estão no poder.

De onde eu ter referido que o keynesianismo não é necessariamente um posição de Esquerda. Keynes era um liberal e se eu bem entendo o seu biógrafo, Lord Skidelsky, ele provavelmente ter-se-ia oposto ao crescimento do Estado Social no Pós-Guerra.

A sua política contra cíclica destinava-se sobretudo a combater o desemprego. Confesso que não percebo bem se Keynes simplesmente considerava que o défice deveria estar equilibrado durante o ciclo económico, se era mesmo a favor de um défice médio crónico.

Seja como for, a posição da Esquerda entre nós, mau grado uns comentários sobre o défice como variável puramente endógena (se o é, é endogenamente crónico :), porque muito raramente tivemos superavits, em democracia foi só em 2019) acaba por subscrever a posição que eu chamo da Rainha Vermelha, é preciso correr muito (crescer) para ficar no mesmo lugar (com o mesmo ratio dívida/PIB), o que é ambientalmente insustentável a prazo.

Como referi, há quem diga que o crescimento económico desacoplou do gasto energético mas isso não leva em conta, creio, o outsourcing da produção para o Extremo-Oriente que ocorreu devido à globalização.

Mais, qualquer crise leva imediatamente a um aumento dos juros porque a dívida absoluta elevada é posta a nu quando a maré baixa :).

Por último, a Esquerda argumenta que numa Economia onde não existe um défice ou um superavit da balança comercial, o défice das contas públicas representa acumulação de capital pelos privados e vê isso como uma coisa boa!!!

Em primeiro lugar, nada diz que não possamos ter um superavit comercial, é assim que a Alemanha mantém elevados níveis de vida e de proteção social e obtém superavits públicos (e a quem vier dizer que se todos fizerem assim, então vamos ter que exportar para Marte, eu responderei como os alemães, com o mal dos outros podemos nós bem).

Em segundo lugar, se isso não acontecer o resultado a prazo é mesmo uma alienação do património público em situações de crise como bem nota, com a Direita a usar a desculpa do empobrecimento forçado para privatizar a REN, a ANA e os CTT...

João Vasco disse...

"Já tinha tido oportunidade de comentar este ponto num post anterior, mas o comentário não foi publicado, imagino que por lapso, dado que o que eu disse me parece respeitador das vossas balizas no que diz respeito ao conteúdo dos comentários."

Jaime, eu não apaguei ou impedi a publicação de nenhum comentário. Não sei o que se passou, mas duvido mesmo que tenha tido a ver com a moderação.


"A sua política contra cíclica destinava-se sobretudo a combater o desemprego. Confesso que não percebo bem se Keynes simplesmente considerava que o défice deveria estar equilibrado durante o ciclo económico, se era mesmo a favor de um défice médio crónico."

Não li nada de Keynes que sugerisse que ele fosse a favor de um défice médio crónico.
Digo isto, é possível alegar que ele SERIA a favor de um défice médio crónico no actual contexto.
A razão para esta especulação é a seguinte: Keynes seria a favor de défices quando os problemas económicos estão do lado da procura e vice-versa quando estão do lado da oferta.
Muitos Keynesianos assumem que no longo-prazo a procura e oferta coincidem, mas que no curto-prazo pode haver desvios tanto num sentido como noutro.
Mas recentemente surgiu uma ideia económica chamada "estagnação secular" que defende que devido à redução demográfica e aumento das desigualdades, as economias desenvolvidas vivem uma falta de procura crónica.
Então, face a este contexto, surge o argumento de que Keynes seria a favor de défices crónicos.
Eu acho muito razoável acreditar que existe a tal falta de procura crónica, mas o aumento das desigualdades é um factor importante e os défices crónicos as acentuam, então são uma péssima resposta a esse problema no médio/longo prazo.

«Como referi, há quem diga que o crescimento económico desacoplou do gasto energético mas isso não leva em conta, creio, o outsourcing da produção para o Extremo-Oriente que ocorreu devido à globalização.»

De acordo.


«Por último, a Esquerda argumenta que numa Economia onde não existe um défice ou um superavit da balança comercial, o défice das contas públicas representa acumulação de capital pelos privados e vê isso como uma coisa boa!!!»

Pois! Esse é o ponto principal deste meu texto.

«(e a quem vier dizer que se todos fizerem assim, então vamos ter que exportar para Marte, eu responderei como os alemães, com o mal dos outros podemos nós bem).»
Discordo dessa resposta.
Mas essa também me parece uma não-questão, visto que o problema que descrevo teria lugar mesmo numa economia fechada. Eu não proponho um excedente comercial como forma de resolver os problemas causados pelo facto do estado cobrar mais do que "devolve". Se está com património a menos, é mesmo suposto.

"Em segundo lugar, se isso não acontecer o resultado a prazo é mesmo uma alienação do património público em situações de crise como bem nota, com a Direita a usar a desculpa do empobrecimento forçado para privatizar a REN, a ANA e os CTT..."
Pois!!



Jaime Santos disse...

Talvez tenha havido um problema com o envio do comentário. A mensagem que recebi foi que ele aguardava moderação. Mas não se preocupe, isso acontece.

Evidentemente, penso que no médio prazo seria desejável que os Países mantivessem as contas e a balança comercial equilibradas, num cenário de crescimento reduzido ou mesmo crescimento zero.

Isso obrigaria a atacar a sério a questão das desigualdades e da redistribuição, em vez de continuarmos à espera que o crescimento elevado levante a posição de todos. Talvez obrigue mesmo a tornar mais abrangente coisas como o RMG (não sou a favor de um RUG, porque obrigaria à redução de despesas sociais).

Mas o que quero dizer é que uma maneira de reduzirmos a dívida em termos absolutos e relativos no curto prazo é desenvolver uma economia exportadora competitiva. O próprio mercado interno beneficiará de uma indústria moderna e o menos poluente possível.

Mas isso não se faz com investimentos públicos brutais à Barroso ou à Sócrates (investimentos que acabaram por não se fazer, note-se) e sim com uma judiciosa gestão de recursos (veja-se o aproveitamento de carruagens antigas pela CP, e que é uma excelente ideia).

Mesmo o investimento em Ciência e Tecnologia deve ser ponderado, porque, como disse uma vez o Ricardo Paes Mamede, ele representa um custo de oportunidade noutros setores (contra mim falo, porque sou Físico).

E depois sou um cético relativamente às posições progressistas da Direita e da Esquerda. Se tudo está cada vez pior, a solução não será seguramente fazer o que temos feito até agora, ou seja trabalhar mais. A solução, como defendia o genro do Marx, é reclamarmos o nosso 'Direito à Preguiça' (Keynes defendia mais ou menos o mesmo).

Agora, se todos quisermos viajar de avião em férias várias vezes ao ano, dispor do último modelo do smart-phone, plasma e portátil, então a única solução é continuarmos a crescer exponencialmente para fora do planeta como sugere o Bezos (o tal que agora que foi ao Espaço, deveria ter ficado por lá).

O que eu duvido é que a Física deste Universo esteja pelos ajustes (a massa dos foguetões aumenta exponencialmente com a carga que queremos colocar em órbita)...

Na verdade, as viagens dos bilionários fizeram-me lembrar outra coisa, bem antiga e engraçada:

https://www.youtube.com/watch?v=EmI77ZBeJrQ

João Vasco disse...

Em relação ao "trabalhar mais":

Concordo que a esquerda deveria bater-se pela redução do tempo de trabalho.
Os sindicatos tiveram um papel fundamental durante a revolução industrial: o aumento da produtividade em vez de aumentar a qualidade de vida estava a gerar fome e escassez (a altura média da população estava a diminuir devido à subnutrição), mas os sindicatos bateram-se por horários menores, e com o passar do tempo isso resultou em salários maiores.

Infelizmente hoje isso não pode funcionar da mesma forma. Só uma parte do trabalho na economia moderna pode estar efectivamente sujeito a horários cujo cumprimento se possa controlar. Uma parte substancial das profissões funciona "por objectivos" e é impossível controlar se os trabalhadores passam 40h por semana a tentar alcançá-los ou 60h por semana. O trabalho científico é um perfeito exemplo: as Universidades vão contratar quem escreve mais e melhores artigos, mas não sabem quanto tempo os investigadores dedicam por semana a trabalhar neles. Não podemos reduzir a oferta de trabalho da mesma forma que o reduzíamos no século XIX.
Note-se que sou completamente a favor da redução dos horários de trabalho: apesar de tudo ainda existem profissões para as quais isso é relevante, e outras para as quais poderia hipoteticamente ser se conseguirmos atacar a precariedade. Mas vai sempre sobrar uma fatia crescente da economia, para a qual os horários significam muito pouco.
A "lógica" do RBI, no meu entender, seria enquanto forma de reduzir a oferta de mão-de-obra por via do chamado "income effect". Mas sinceramente, com as tentativas sucessivas de aumentar a idade da reforma, a minha motivação para implementar um RBI esmorece um pouco: parece-me mais prioritário combater essas tentativas.

De resto, sendo importante que a balança comercial não seja desequilibrada, temos de reconhecer que uma diminuição da oferta de mão-de-obra não vai ajudar a exportar mais. Temos de apostar num aumento da eficiência, mas não podemos esperar milagres.


Em relação às questões ambientais, vejo um certo paralelo em relação à forma como se lida com a divida pública: em ambos os casos existe no debate político uma certa "miopia", uma falta de vontade de levar a sério as consequências de médio e longo prazo das nossas acções presentes que me parece muito irresponsável.


Quanto a investimentos públicos brutais, ou outras políticas para aumentar a procura agregada, se forem a encorajar a reconversão energética - ou seja, com o propósito de diminuir o impacto ambiental e por essa via evitar custos tais que o investimento seja rentável - então parece-me juntar o útil ao agradável.
Mas não podemos mesmo perder de vista os impactos ambientais da actividade económica.


Jaime Santos disse...

Correção: A massa aumenta exponencialmente com a velocidade final do veículo, v=v_e ln(M_0/M), em que v_e é a velocidade de ejeção dos gases, M a massa final e M_0 a inicial, um foguetão precisa de alijar cerca de 2,7 vezes (no vácuo e longe de outros corpos) para ultrapassar a velocidade de ejeção dos seus próprios gases... Por isso é que se usam foguetes por andares...

Jaime Santos disse...

Parece-me que o problema do trabalho excessivo se coloca sobretudo na chamada economia do biscate, ou seja no caso de trabalhos precários.

Também no Passado os quadros trabalhavam muito mais do que as 40h semanais. Não podemos impedir quem quer trabalhar mais a fazê-lo, muito embora os meus colegas na Dinamarca, quando lá estive, trabalhassem provavelmente menos do que eu (e eram igualmente produtivos, ou mesmo mais)...

Claro, com a precarização de muitos trabalhos que antes eram executados por quadros médios, também estes estão sujeitos aos mesmos problemas.

Mas acho que existe uma falácia nessa questão do trabalho por objetivos. Mais não quer dizer necessariamente melhor. Uma forma de desobrigar os académicos de produzir tanto é alterar as formas de financiamento da investigação. Os mecanismos atuais têm provavelmente um viés ideológico e o resultado final não parece ser grande coisa:

https://sciencenordic.com/a/1458549

Jaime Santos disse...

E já agora: https://www.theguardian.com/environment/2021/jul/25/gaya-herrington-mit-study-the-limits-to-growth

Há um link para o artigo de Gaya Herrington: https://advisory.kpmg.us/articles/2021/limits-to-growth.html

Não há espaço para o crescimento. Ou há crescimento zero, ou decrescimento e colapso...

João Vasco disse...

Isto foge um pouco ao assunto do post, mas eu concordo com a ideia que é um erro sacrificar a sustentabilidade em nome do crescimento de curto prazo, sendo que quando em conflito a sustentabilidade deve prevalecer. Isto tem como corolário que mesmo que as medidas necessárias para tornar a actividade económica sustentável causem um crescimento negativo, elas são bem-vindas.

Mas, enquanto objectivo de políticas públicas, se colocarmos a sustentabilidade em primeiro lugar e a qualidade de vida em segundo, vamos concluir que o que nos interessa é diminuir o impacto ambiental e se uma medida em concreto reduzir o impacto ambiental e aumentar o PIB, tanto melhor. Um exemplo de uma medida deste tipo é qualquer medida que aumente a eficiência energética: se produzirmos o mesmo consumindo menos combustíveis importados, o PIB aumenta, mas o impacto ambiental diminui. Isto não significa que as variáveis estejam desacopladas: com o actual enquadramento legal e político, em geral não estão. Mas quanto mais priorizarmos o impacto ambiental e adaptarmos o enquadramento legal e político a essa prioridade (por exemplo, utilizando ferramentas fiscais para penalizar muito mais todos os impactos ambientais) o grau de acoplamento "médio" pode alterar-se. Quanto mais as políticas públicas desfavorecerem os investimentos com impactos ambientais perversos e vice-versa, mais o ganho passará a estar em reduzir os impactos ambientais.

Jaime Santos disse...

Penso que não foge inteiramente ao tema do post. A sustentabilidade financeira de um País deveria incorporar uma medida de sustentabilidade ambiental. Se sacrificarmos recursos vitais para obter crescimento de curto prazo, teremos que gastar mais no futuro para pagar a dívida ambiental, seja na forma de recursos inexistentes (para posterior crescimento), seja na forma de perda de qualidade de vida das populações, seja em investimentos para despoluir o ambiente.

De igual modo, a sustentabilidade financeira desobriga a um crescimento permanente para pagar os juros da dívida.

Creio que há até autores, Robert Ayres, por exemplo, que tentaram formalizar a Economia como um processo de conversão em analogia com uma máquina termodinâmica, mas confesso que nunca estudei o que defendem...

De qualquer modo, o problema será convencer as populações a adoptar um modo de vida mais regrado. A generalidade das pessoas acredita que os filhos irão viver pior do que elas, mas considera que os sacrifícios a fazer para evitar ou mitigar isso devem ser feitos por outros. Daí também o avanço dos populismos.

Como alguém disse, o mundo é finito e o desejo infinito...

João Vasco disse...

«Penso que não foge inteiramente ao tema do post. A sustentabilidade financeira de um País deveria incorporar uma medida de sustentabilidade ambiental. Se sacrificarmos recursos vitais para obter crescimento de curto prazo, teremos que gastar mais no futuro para pagar a dívida ambiental, seja na forma de recursos inexistentes (para posterior crescimento), seja na forma de perda de qualidade de vida das populações, seja em investimentos para despoluir o ambiente.»

De acordo.


«De igual modo, a sustentabilidade financeira desobriga a um crescimento permanente para pagar os juros da dívida.»

De acordo.

«A generalidade das pessoas acredita que os filhos irão viver pior do que elas, mas considera que os sacrifícios a fazer para evitar ou mitigar isso devem ser feitos por outros.»

Infelizmente.

Jaime Santos disse...

Para terminar esta discussão, fui verificar e o Papa desta disciplina da eco-economia era o Economista Romeno-Americano Nicholas Georgescu-Roentgen...

Enquanto Físico, não me parece que o problema seja a exaustão de recursos materiais per si, o problema é a exaustão da biosfera (poluição excessiva e uso excessivo de recursos como floresta, recursos piscícolas, etc), como parece mostrar o estudo de Herrington.

Podemos substituir (embora isso não vá acontecer suficientemente cedo) a produção de energia a partir de combustíveis fósseis por renováveis (é difícil, dada a baixa densidade energética, mas não parece ser impossível), já o rewilding de vastas áreas para captura de carbono ou a recuperação de stocks marítimos e a despoluição do oceano parecem muito mais difíceis.

Se bem que com energia suficiente, é provavelmente possível fazer tudo e mais alguma coisa :) ...

Jaime Santos disse...

Correção: Nicholas Georgescu-Roegen