Talvez daqui a dez anos olhemos para trás com a certeza de que foi em 2016 que o consenso do pós-guerra fria acabou. De 1989 até agora, parecia inevitável que a globalização era uma força irresistível e que a UE seria alargada e aprofundada, que cada vez mais Estados seriam democracias, que os EUA eram a única «superpotência», que o preconceito contra imigrantes e minorias recuaria sempre.
E no entanto, 2016 foi o ano em que o consenso que durava há um quarto de século foi abalado. O Reino Unido - um país nada menor - votou para sair da UE (estagnada), e os EUA pelo isolacionismo; a Turquia regrediu de democracia periclitante para semi-ditadura repressiva; os EUA foram superados pela Rússia na Síria e nas suas próprias eleições; a xenofobia ou até o racismo banalizaram-se nas campanhas políticas.
2017 chegará como um ano em que talvez tenhamos que aprender novos verbos, como «desglobalizar» ou «desdemocratizar». Em que o mundo pode ficar dominado por um eixo Trump-Putin, que entalará uma Europa desorientada e em crise permanente. E em que mais Estados europeus podem eleger maiorias eurofóbicas ou apenas euro-regressivas.
Os poucos sinais de esperança vêm de periferias: o primeiro governo apoiado por toda a esquerda em Portugal (passe o luso-centrismo) e a vitória do ecologista Van der Bellen na Áustria. Uma União Europeia que ajudou a terminar com a Guerra Fria porque prometia democracia e prosperidade tem que cumprir as suas promessas. E, ao mesmo tempo, a esquerda que era anti-imperialista tem que entender que a Rússia é o novo Império. Mas desconfio que Trump lhes vai explicar.