Este excelente texto sobre o TTIP (ou ATP, como lhe chamam) é um óptimo ponto de partida para compreender a ameaça que representa.
Não posso deixar de fazer alguns destaques:
«As normas de qualidade na alimentação são também alvo das negociações. A indústria americana da carne quer que seja suprimida a regra europeia que proíbe os frangos desinfectados com cloro. Na vanguarda deste combate está o grupo Yum!, proprietário da cadeia de restauração rápida Kentucky Fried Chicken (KFC), que pode contar com a força de ataque das organizações patronais. «A União só autoriza o uso de água e de vapor sobre as carcaças», protesta a Associação Norte-Americana da Carne, enquanto um outro grupo de pressão, o Instituto Americano da Carne, lamenta a «rejeição injustificada [por Bruxelas] das carnes com aditivos beta-agonistas, como o cloridrato de ractopamina».
A ractopamina é um medicamento utilizado para aumentar o teor em carne magra dos porcos e dos bovinos. Devido aos riscos que coloca à saúde dos animais e dos consumidores, ela foi banida em cento e sessenta países, entre os quais os Estados-membros da União, a Rússia e a China. Para o fileira porcina americana, este medida de protecção constitui uma distorção da concorrência livre a que o APT deve pôr fim com carácter de urgência.»
«Processo por aumento do salário mínimo
Como é evidente, os advogados que compõem estes tribunais não têm de prestar contas a qualquer eleitorado. Invertendo alegremente os papéis, tanto podem servir de juízes como defender a causa dos seus poderosos clientes [5]. Os juristas do investimento internacional constituem um mundo muito pequeno: são apenas quinze os que têm partilhado 55% dos casos tratados até hoje. As suas decisões, obviamente, são inapeláveis.
[... ]
Alguns investidores têm uma concepção muito extensiva dos seus direitos inalienáveis. Recentemente, foi possível ver empresas europeias intentarem acções judiciais contra o aumento do salário mínimo no Egipto ou contra a limitação das emissões tóxicas no Peru, servindo o ALENA, neste último caso, para proteger o direito a poluir do grupo americano Renco [6]. Outro exemplo é o do gigante do tabaco Philip Morris que, incomodado pela legislação anti-tabaco do Uruguai e da Austrália, intimou estes dois países a comparecer num tribunal especial. O grupo farmacêutico americano Eli Lilly quer que lhe seja feita justiça contra o Canadá, culpado de ter estabelecido um sistema de patentes que torna certos medicamentos mais acessíveis. O fornecedor de electricidade sueco Vattenfall reclama vários milhares de milhões de euros à Alemanha pela sua «reconversão energética», que enquadra mais severamente as centrais a carvão e promete uma saída do nuclear.
Não há limite para as penalidades que um tribunal pode infligir a um Estado em benefício de uma multinacional. Há um ano, o Equador foi condenado a pagar o montante recorde de 2 mil milhões de euros a uma companhia petrolífera [7]. Mesmo quando os governos ganham os processos, têm de pagar custas judiciais e comissões diversas que atingem, em média, 8 milhões de dólares por processo, dinheiro que é esbanjados em prejuízo dos cidadãos. Por causa disto, muitas vezes os poderes públicos preferem negociar com o queixoso a ter de defender a sua causa no tribunal. Assim, o Estado canadiano evitou uma convocação para a barra dos tribunais revogando à pressa a proibição de um aditivo tóxico utilizado pela indústria petrolífera.»
Não posso deixar de fazer alguns destaques:
«As normas de qualidade na alimentação são também alvo das negociações. A indústria americana da carne quer que seja suprimida a regra europeia que proíbe os frangos desinfectados com cloro. Na vanguarda deste combate está o grupo Yum!, proprietário da cadeia de restauração rápida Kentucky Fried Chicken (KFC), que pode contar com a força de ataque das organizações patronais. «A União só autoriza o uso de água e de vapor sobre as carcaças», protesta a Associação Norte-Americana da Carne, enquanto um outro grupo de pressão, o Instituto Americano da Carne, lamenta a «rejeição injustificada [por Bruxelas] das carnes com aditivos beta-agonistas, como o cloridrato de ractopamina».
A ractopamina é um medicamento utilizado para aumentar o teor em carne magra dos porcos e dos bovinos. Devido aos riscos que coloca à saúde dos animais e dos consumidores, ela foi banida em cento e sessenta países, entre os quais os Estados-membros da União, a Rússia e a China. Para o fileira porcina americana, este medida de protecção constitui uma distorção da concorrência livre a que o APT deve pôr fim com carácter de urgência.»
«Processo por aumento do salário mínimo
Como é evidente, os advogados que compõem estes tribunais não têm de prestar contas a qualquer eleitorado. Invertendo alegremente os papéis, tanto podem servir de juízes como defender a causa dos seus poderosos clientes [5]. Os juristas do investimento internacional constituem um mundo muito pequeno: são apenas quinze os que têm partilhado 55% dos casos tratados até hoje. As suas decisões, obviamente, são inapeláveis.
[... ]
Alguns investidores têm uma concepção muito extensiva dos seus direitos inalienáveis. Recentemente, foi possível ver empresas europeias intentarem acções judiciais contra o aumento do salário mínimo no Egipto ou contra a limitação das emissões tóxicas no Peru, servindo o ALENA, neste último caso, para proteger o direito a poluir do grupo americano Renco [6]. Outro exemplo é o do gigante do tabaco Philip Morris que, incomodado pela legislação anti-tabaco do Uruguai e da Austrália, intimou estes dois países a comparecer num tribunal especial. O grupo farmacêutico americano Eli Lilly quer que lhe seja feita justiça contra o Canadá, culpado de ter estabelecido um sistema de patentes que torna certos medicamentos mais acessíveis. O fornecedor de electricidade sueco Vattenfall reclama vários milhares de milhões de euros à Alemanha pela sua «reconversão energética», que enquadra mais severamente as centrais a carvão e promete uma saída do nuclear.
Não há limite para as penalidades que um tribunal pode infligir a um Estado em benefício de uma multinacional. Há um ano, o Equador foi condenado a pagar o montante recorde de 2 mil milhões de euros a uma companhia petrolífera [7]. Mesmo quando os governos ganham os processos, têm de pagar custas judiciais e comissões diversas que atingem, em média, 8 milhões de dólares por processo, dinheiro que é esbanjados em prejuízo dos cidadãos. Por causa disto, muitas vezes os poderes públicos preferem negociar com o queixoso a ter de defender a sua causa no tribunal. Assim, o Estado canadiano evitou uma convocação para a barra dos tribunais revogando à pressa a proibição de um aditivo tóxico utilizado pela indústria petrolífera.»
4 comentários :
É evidente que o comércio "livre" necessita, na prática, de normas comuns às quais os produtos devem obedecer. Isso tanto é verdade quer o comércio livre seja à escala de um país, de um continente, ou de todo o mundo.
E é claro que, na prática, é difícil chegar a consenso sobre essas normas comuns, na medida em que diferentes povos e culturas têm diferentes (in)sensibilidades a diversas coisas.
Isto é sempre assim. Este post nada traz de novo. É evidente e expetável que americanos e europeus têm diferentes opiniões sobre aquilo que deve ou não deve ser permissível haver na comida.
« Este post nada traz de novo.»
Se para si não traz nada de novo, óptimo.
Para a esmagadora maioria dos leitores creio que trará. Muitos não estão conscientes dos elevadíssimos riscos que este tratado traz à nossa capacidade de determinar as nossas leis e regulamentos, a nossa tributação, legislação laboral, protecção da saúde e meio ambiente.
os elevadíssimos riscos que este tratado traz à nossa capacidade de determinar as nossas leis e regulamentos
Naturalmente que traz. Todos os acordos de liberalização comercial são assim: os Estados acordam ter regulamentações comuns, e portanto abdicam de ter cada qual a sua regulamentação específica, ditada pelo seu próprio povo. Portanto, a democracia fica diminuída.
Mas isto já é assim dentro da própria União Europeia. Dentro dela, Portugal é forçado a ter as mesmas regulamentações sobre os produtos que os outros países da União. Por exemplo, o bacalhau salgado, que é um produto que os portugueses gostam de forma específica, tem que ser salgado de acordo com uma legislação comum.
No limite, deveríamos renunciar a todo o comércio livre para termos regulamentações só nossas sobre todos os produtos.
Na União Europeia, nós temos uma palavra a dizer sobre essas regulamentações comuns. Na verdade, os problemas que a UE tem tido são de Democracia a menos, ou seja: uma discrepância entre o espaço económico e o espaço político, que tem levado a alguns desequilíbrios graves. No entanto, o potencial para suprir esse problema de democracia a menos está lá, nas instituições europeias já criadas - é uma questão de trabalhar nesse sentido, exigindo "mais democracia" às instituições europeias (por exemplo, que as reuniões do Conselho deixem de ser à porta fechada, ou que o líder da Comissão seja um deputado do PE como aconteceu agora, etc...).
Mas se a UE tem tido democracia a menos, o TTIP está noutro campeonato: não se limita a não ter qualquer instituição pretensamente democrática, como começa logo a desrespeitar os valores democráticos na forma como tem sido negociado. As informações que temos sobre as negociações devem-se a fugas de informação, porque o objectivo tem sido manter os cidadãos no escuro ao máximo, para apresentar o que tiver sido negociado como um facto consumado, e evitar uma discussão pública ampla sobre os méritos e perigos do tratado. Veja-se nas últimas eleições europeias o como esta importantíssima questão esteve praticamente ausente.
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