sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A austeridade continua a falhar redondamente, até no seu objectivo principal

Fonte: Eurostat

Não é preciso ser bom observador para se notar que os resultados positivos de 3 anos de política de austeridade orçamental na Zona Euro não existem. 
Menos discutido, por envolver menos o quotidiano, tem sido o seu objectivo número um: o alegado endividamento público excessivo. "Os estados têm dívidas enormes, é necessário poupar" dirão os Camilos Lourenços deste mundo.
Os últimos números do Eurostat - estamos a falar do 2º trimestre de 2013, não dos inícios de tal política - são bem claros. A Grécia, a Irlanda, o Chipre e a Espanha são os quatros países onde a dívida pública em % do PIB mais subiu. Portugal aparece em 6º, a Itália em 8º. A Eslovénia, a candidata ao próximo resgate aparece em 5º. A Holanda, e sua política auto-infligida de austeridade, aparece em 9º.
Não há volta a dar: são exactamente aqueles que fazem um maior esforço de poupança que têm visto a sua dívida a subir mais.

5 comentários :

lance101 disse...

Miguel,

Parece-me seguro dizer a austeridade nao tem tido efeito expansionista, tal como tens escrito varias vezes ou como o Krugman escreve quase

diariamente. O que 'e para mim menos obvio e que gostaria de saber se conheces algum estudo que o confirme, e' se a austeridade tem ou nao

contribuido para a diminuicao dos racios da divida.

O racio da divida 'e igual a Divida/PIB.
- A austeridade tem levado em muitos casos a uma diminuicao do PIB e em outros casos a crescimento do PIB abaixo do potencial, logo a

austeridade tem sido ma para o divisor... mas isso por si so nao quer dizer que tenha sido ma para o racio.
- A evolucao da divida deve-se ao defice anual, que se resume 'a diferenca entre gastos do estado e receitas. Na medida em que austeridade

tem levado a corte nas despesas do estado, isso necessariamente implica uma diminuicao no defice, vs uma situacao sem esses cortes. Por outro

lado, a austeridade tambem afecta as receitas, atraves dos impostos. Aumento de impostos levara a um aumento de receitas ou a uma diminuicao,

dependendo de que lado se esteja do maximo da "Laffer Curve". Nao li ainda nenhum estudo que comprova-se que Portugal, Espanha etc estivessem

na zona da Laffer Curve em que as receitas diminuiem com o aumento das taxas (embora acredite que tal seja possivel). Por outro lado, a

reducao das despesas do estado tem um efeito contracionario, diminuindo as receitas dos impostos. Mas nao obvio, para mim, que no global se

possa dizer que a austeridade tenha dimuido as receitas do estado vs. um business as usual em que as politicas fiscais e de despesa nao se

tivessem alterado desde 2009.

Resumindo, a austeridade tem feito o divisor desse racio mais pequeno, e tem tido um efeito incerto no numerador. E portanto nao sei se pode

concluir que a austeridade tenha causado um aumento do racio de divida vs. uma situacao de continuidade das politicas pre 2009 (pre 2010?).

Ou existe algum estudo que prove que o efeito e' inequivoco?

Marco Migueis

João Vasco disse...

Marco Migueis,

Também tenho feito essa observação ao Miguel Carvalho.

Que os multiplicadores fossem muito maiores do que aquilo que os proponentes da austeridade previam, é um facto. E o corolário desse facto é que a austeridade foi um erro, um erro crasso.

Mas, sendo que os multiplicadores foram muito maiores do que se previam, não chegaram ao ponto de serem tão grandes que o endividamento de curto prazo tenha sido MAIOR por causa da austeridade.
A austeridade foi péssima, foi um erro tremendo, mas não foi TÃO MÁ ao ponto de falhar o objectivo principal (que aliás não aproveitaria a ninguém... a austeridade aproveitou ao sector financeiro internacional que pode garantir que Portugal honrasse integralmente "os seus compromissos" (para com os bancos, claro. Os compromissos com os pensionistas não foram considerados tão relevantes...)).

A ideia de que se Portugal se tivesse endividado mais, o PIB cresceria tanto que o racio dívida pib se tornaria mais baixo que o actual exigira que os multiplicadores fossem superiores a 4.
Sendo os multiplicadores mais do dobro daquilo que os arautos da austeridade defendiam que eram, não chegaram sequer perto de 4.

Mas sem dúvida que se tivesse havido juízo, e medidas de urgência para lidar com a crise (por exemplo, se o BCE emprestasse bastante mais, a um juro bastante inferior), no longo prazo Portugal estaria numa situação muito melhor que a actual: um PIB muito superior, um sistema produtivo não completamente destruído, uma geração com formação, sem toda a nossa mão de obra qualificada a emigrar, capacidade de captar investimento de base tecnológica, etc... Mesmo que a nossa dívida fosse mais alta, estaríamos em muito melhores condições de a pagar.

Miguel Carvalho disse...

Por pontos que o teu comentário tem várias coisas:

1. "O que 'e para mim menos obvio e que gostaria de saber se conheces algum estudo que o confirme, e' se a austeridade tem ou nao contribuido para a diminuicao dos racios da divida.O racio da divida 'e igual a Divida/PIB.
- A austeridade tem levado em muitos casos a uma diminuicao do PIB e em outros casos a crescimento do PIB abaixo do potencial, logo a
austeridade tem sido ma para o divisor... mas isso por si so nao quer dizer que tenha sido ma para o racio."

Não está explícito no meu texto, mas está escrito no gráfico: o que está em causa é o rácio dívida/PIB e não o valor da dívida. A minha tese é que a austeridade tem sido má para o rácio.

Obviamente que estou a falar de uma simples observação, ou se quiseres correlação, e não estabeleci um contrafactual. Não conheço nenhum estudo que o faça, mas mesmo que haja não me dará grande confiança: estamos a falar de uma situação económica tão fora do comum (soberanos dentro da mesma união monetária, enorme hiato entre pib potencial e real, juros da dívida pública altamente dependente da dívida privada para cada estado, condições estranhíssimas de crédito com juros nominais negativos até, etc.) que acho impossível definir o contrafactual.
Sim, estou a cometer um erro crasso, usar uma correlação como argumento. Mas os dados são tão claros, e mantêm-se há tantos trimestres, e não vejo explicações alternativas para essa correlação.


"- Na medida em que austeridade
tem levado a corte nas despesas do estado, isso necessariamente implica uma diminuicao no defice, vs uma situacao sem esses cortes."

Necessariamente?!! Falas do longo-prazo, presumo. No curto e médio prazo (e é disso que estamos a falar), essa relação não tem sido clara. Há vários cortes na despesa do estado, que têm tido um efeito tão recessivo, que têm levado a quebra abrupta nas receitas. Aliás, basta olhar para os números de Portugal: temos cortes na despesa que são medidos em pontos do PIB, aumento das receitas também da ordem dos pontos do PIB, que têm levado a reduções do défice na ordem das décimas do PIB! (Sim, falta o contrafactual) Se tivessem havido apenas os cortes, e nada de aumento de receita, poderíamos ter tido aumento do défice.


"Por outro lado, a austeridade tambem afecta as receitas, atraves dos impostos. Aumento de impostos levara a um aumento de receitas ou a uma diminuicao, dependendo de que lado se esteja do maximo da "Laffer Curve". Nao li ainda nenhum estudo que comprova-se que Portugal, Espanha etc estivessem
na zona da Laffer Curve em que as receitas diminuiem com o aumento das taxas (embora acredite que tal seja possivel). "

Mas a curva de Laffer é um conceito de longo-prazo, de "equilíbrio" no sentido walrasiano do termo - não faz sentido pensar nesse modo. Em situações normais estaríamos claramente do lado esquerdo da curva - mas hoje nem faz sentido falar nisso.

Miguel Carvalho disse...

João,

o gráfico acima é claro: os países da austeridade tiveram aumentos do rácio dívida/PIB acima dos 12 pontos percentuais num ano apenas!! Descontando uma guerra mundial, duvido que tenho havido uma época com um crescimento tão desmesurado do rácio.

Como disse ao Marco, sim falta um contrafactual. Mas quando olho para o gráfico e vejo todos os países da austeridade do lado esquerdo - e isto acontece há vários trimestres, e não acontecia antes de 2010 - então fico com poucas dúvidas.


Quanto ao tamanho do multiplicador, eu deixei-te um link num comentário antigo onde discutíamos isto. Infelizmente o meu feedly está meio estranho não consigo descobrir onde é que isso foi. Chegaste a ler? Se sim, podes enviar-me? Obrigado! Ab

lance101 disse...

- Acho que interessaria olhar a casos de paises que tenham decidido manter as politicas fiscais pre-crise de divida, quando tivessem racios perto dos 100% e com taxas de juros reais acima de 5%. Acho que algo desse genero poderia dar uma idea, mas ha de facto uma caracteristica sui-generis do caso Portugues, Grego, etc, actual. A desvalorizacao cambial nao pode ser usada, logo os governos tem menos ferramentas para tentar diminuir o racio de divida. Devido a essa restricao monetaria, apesar de achar que a austeridade nao esta a resultar, parece-me ser compreensivel porque quer governos de direita quer governos de centro esquerda nao decidiram ainda romper unilateralmente com este tipo de politica.

- Expliquei-me mal na frase "Na medida em que austeridade
tem levado a corte nas despesas do estado, isso necessariamente implica uma diminuicao no defice, vs uma situacao sem esses cortes." O que eu queria dizer e' que o efeito "directo" da diminuicao das despesas do estado 'e de reducao do defice, mas o efeito total da reducao das despesas do estado e' incerto, porque a reducao das despesas do estado leva 'a diminuicao da activade economica e por isso a uma diminuicao da receita (falei deste segundo componente um pouco mais 'a frente). Acredito que o efeito global ate possa ser negativo, devido ao multiplicador ser maior do que o que se pensava, mas ha estudos que verifiquem isso? Julgo que para um corte na despesa levasse a um aumento do defice, serio preciso que

Delta(despesa)*multiplicador*tx_imposto_media > Delta(despesa)

- Nao sabia que o conceito de Curva de Laffer fosse de longo prazo. De qualquer forma, o que eu tinha em mente, seria um conceito de curva de laffer dependente das condicoes actuais nos mercados de trabalho e de bens e servicos. Logo, da forma que eu tava a pensar, seria possivel que com as mesmas taxas de imposto se esteja num lado da curva de laffer ou noutro, dependendo das condicoes gerais da macroeconomia. Deprendo pelo que dizes que achas que os ultimos aumentos de impostos originaram uma diminuicao das receitas. Nao duvido que tal seja a verdade. Mas em que baseias essa opiniao?