segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Revista de blogues (3/12/2012)

  • «Acusar todos os políticos de desonestos é hábito dos políticos que não ocupam cargos e dos demagogos que, fingindo não ser políticos, pretendem ser considerados honestos
    Os ataques moralistas ao carácter dos políticos, indiferentes a opções que, por vezes, os críticos não têm preparação para analisar, não passam de demagogia, que afasta os mais capazes e lança o labéu sobre os mais honestos e dedicados servidores públicos. 
    A ética republicana obriga-nos a distinguir o comportamento crapuloso dos que levaram à falência o BPN dos que tomaram opções, eventualmente erradas, de boa fé, e que cabe aos eleitores julgar em atos eleitorais. 
    Dizer que Passos Coelho é corrupto é uma calúnia de quem, sem provas, pretende ser visto, por contraste, como honesto. Acusá-lo de extremista, reacionário e incompetente é um juízo de valor abundantemente comprovado. Avaliá-lo como um homem perigoso, cuja permanência no Governo pode tornar irreversível a nossa queda no abismo, é, mais do que um direito, um dever cívico com o qual devemos ser consequentes. 
    Em princípio, um governo deveria cumprir uma legislatura e, só aí, submeter-se de novo ao veredicto do eleitorado mas, quando as medidas tomadas contrariam as promessas e as decisões afetam gravemente a vida dos portugueses, devem as manifestações públicas e todas as formas legais de luta mostrar aos governantes a porta de saída. Pode ser pior, para o nosso futuro, a manutenção deste Governo do que a sua substituição. 
    É nestas alturas, perante a gravidade e irreversibilidade democrática de decisões lesivas que se sente a necessidade de um presidente da República. Bem o precisávamos.» (Carlos Esperança)

14 comentários :

João Vasco disse...

«Dizer que Passos Coelho é corrupto é uma calúnia de quem, sem provas, pretende ser visto, por contraste, como honesto.»

Discordo desta afirmação.
Há amplas evidências da corrupção do Governo a que Passos Coelho preside (os episódios da venda da EDP e do BPN, por exemplo), e da sua pessoalmente (quer de forma passiva face a todas as manobras de Relvas que se tornaram públicas, quer de forma activa no escândalo denunciado por Helena Roseta - que não o comprometia necessariamente nas declarações dela, mas as investigações jornalísticas posteriores alteraram essa situação).

Claro que o critério político para chamar a alguém de corrupto enquanto razão para não merecer o voto (ou exigir a demissão) é diferente do critério jurídico. Enquanto Berlusconi manipulava a lei para se safar à conta das prescrições, continuava inocente aos olhos da justiça, mas não deixava de ser razoável reconhecer as evidências de um comportamento profundamente corrupto. E mesmo antes de Isaltino Morais, Fátima Felgueiras e esses serem julgados, já uma noção de pudor e decência recomendava que não se votasse nesses indivíduos.
O crivo criminal tem de ser mais apertado que o do debate público, pois enquanto as decisões políticas são sempre incertas e baseadas nas hipóteses mais prováveis, não se coloca ninguém atrás das grades a não ser que a evidência, mais do que persuasiva, seja esmagadora.

Discordo profundamente que esta distinção não seja feita.

Ricardo Alves disse...

JV,
a questão é que a palavra «corrupção» tem um significado jurídico. Muita gente usa esse termo com um significado moral. Um exemplo é o caso da Tecnoforma: ali não há nenhuma ilegalidade. Há «só» um grupo de amigos da Jota que um belo dia se voltaram a cruzar estando uns nas autarquias, outros nas empresas e outros no governo. Foi «apenas» uma «feliz coincidência». Não há ilegalidade. E enquanto as pessoas continuarem a falar do que é pouco ético como se fosse ilegal, estão a contribuir para uma atmosfera em que parece que «são todos iguais», e que é «tudo igual».

Quanto às «manobras» do Relvas, responsabilizam o próprio. Quanto muito, podes criticar o PPC por não o ter demitido, mas não consegues provar que foi o PPC quem deu ordem para intimidar uma jornalista, por exemplo (e duvido que tenha sido ele, honestamente).

João Vasco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Vasco disse...

Ricardo,

«a questão é que a palavra «corrupção» tem um significado jurídico»

Eu respondo-te que a grande questão é que o significado da palavra "corrupção" não se esgota no seu significado jurídico. E nota que isto não é uma invenção minha: é das primeiras que aprendi ao ler sobre o assunto, por parte de quem o investiga cientificamente.

Um acto corrupto pode ser perfeitamente legal, a própria lei pode propiciar mais ou menos corrupção «legal».

A corrupção é uma apropriação indevida, não necessariamente ilegal: ou o abuso dos poderes que um cargo confere para dele subtrair vantagens indevidas, ou a procura de que a outra parte cometa tal abuso para dele receber vantagem.

Ricardo Alves disse...

Se é legal, faz-se o quê? Condena-se eticamente? Protesta-se?

João Vasco disse...

Condena-se eticamente, condena-se politicamente (daí eu achar razoável chamar "corrupto" a um político se existirem boas razões para isso), e faz-se pressão para mudar a lei, para que o comportamento corrupto se torne ilegal.

Anónimo disse...

Mas cuidado ao usar a palavra corrupto. Sai caro.

Ricardo Alves disse...

Exacto. Não se vulgarize o que é realmente corrupção.

Ricardo Alves disse...

João Vasco,
por exemplo: um ministro da Educação quando sai não pode ir gerir uma escola privada? E se for pública já pode? E se veio da universidade pode voltar para lá? E os secretários de Estado? E os assessores?

João Vasco disse...

Ricardo,

Tinha escrito:

«A corrupção é uma apropriação indevida, não necessariamente ilegal: ou o abuso dos poderes que um cargo confere para dele subtrair vantagens indevidas, ou a procura de que a outra parte cometa tal abuso para dele receber vantagem.»

Se nos exemplos que dás existir uma apropriação indevida, sim, é corrupção. Se não, não.

O mero acto de sair e ir gerir uma escola privada não parece por si consistir apropriação indevida. Mas se antes de sair defendeu políticas que favoreceram essa escola em particular, sem as quais dificilmente essa oferta lhe seria feita, então claramente existiu aí corrupção.


Imagina um presidente de uma entidade reguladora que é tímido a regular uma determinada empresa prevaricadora, e depois sai do seu cargo e é princepescamente pago por essa mesma empresa. Será isso ilegal? Pode ser, se a Lei estiver bem feita (e depois haverá sempre o problema adicional de o provar), mas quer seja quer não seja ilegal, é sempre um comportamento corrupto.

O comportamento corrupto pode ter uma dimensão jurídica, mas, mais ainda para altos responsáveis, tem certamente uma dimensão política.

Ricardo Alves disse...

O problema é que nas questões concretas nada é assim tão «claro». Não consegues ilegalizar todos os comportamentos eticamente reprováveis. E nem sequer será desejável.

João Vasco disse...

Esse não era o problema em causa.
um comportamento pode ser corrupto sem que seja ilegal, e portanto há situações e que se justifica chamar corrupto a um político, mesmo que nenhum tribunal o tenha julgado como tal.
não creio, por exemplo, que me deva abster de chamar corrupto a Relvas, ou ao Governo a que pertence. Há evidências suficientes.

Ricardo Alves disse...

Estás a banalizar o sentido do termo corrupção. Primeiro, alargas do que é ilegal ao legal. Depois, passas a culpar por associação (o governo todo por causa do Relvas).

João Vasco disse...

Isso é falso.

Primeiro erras quando dizes que alargo o que é ilegal ao legal, pois isso assume que a corrupção é necessariamente e não é.
Ora essa não é uma invenção minha. Não inventei esta ideia. Li-a mais recentemente num livro do Luís de Sousa, presidente da TIAC, e um académico que estuda precisamente esse assunto, e o livro começa logo por esclarecer o equívoco que fazes - corrupção não é necessariamente ilegal. Antes disso, tinha visto esse esclarecimento feito em outros livros sobre corrupção, um dos quais escrito pela Maria José Morgado.
E vendo bem, é a coisa mais lógica do mundo: de outra forma, poderias acabar com a corrupção legalizando todas as práticas que se possam considerar corruptas. Sem ilegalidade, não haveria corrupção: problema resolvido. Ora isto é um disparate: para combater a corrupção muitas vezes é importante fazer o contrário.


Depois, só tendo lido com muito pouca atenção o que escrevi acima é que podes dizer que chamo corrupto a todo o Governo por causa do Relvas - ele é apenas o caso mais óbvio. Eu chamo corrupto ao Governo por causa da privatização da EDP, feita como foi, por causa da privatização do BPN, feita como foi, e por aí fora. Tenho textos que publiquei neste blogue a dar uma lista infindável de razões para chamar "corrupto" a este governo ( http://esquerda-republicana.blogspot.pt/2012/07/compilacao-do-despesismo-e-corrupcao-9.html ) e infelizmente tenho tido pouco tempo para a actualizar essa lista, senão já lá estariam uns tantos mais episódios.

Quanto a Pedro Passos Coelho em concreto, é mais comum da minha parte atribuir-lhe outras "qualidades", mas creio que o que se passou com a Tecnoforma mostra com relativa clareza que Pedro Passos Coelho em particular teve um comportamento corrupto. Se o comportamento foi ilegal ou não é relevante para muitas coisas, mas não para aferir se deve ser considerado corrupto ou não - quando muito seria o contrário.