sexta-feira, 19 de março de 2010

Recordações de Long Island

Num comentário ao texto do Ricardo Alves, inquiri-o se teria cabimento supor-se que algum condutor poderia alguma vez seguir de Alcântara a Benfica sem notar que a polícia o estava a mandar parar. Lembrei-me de uma história que era muito contada na universidade onde estudei, em Long Island, no estado de Nova Iorque, e concluí que essa possibilidade, embora muito remota, até pode ter algum cabimento.
A história resume-se da seguinte forma: um aluno tinha defendido a sua tese nesse dia, e decidiu ir a Nova Iorque com os amigos celebrar. O grupo foi de carro (uns 80 km), com o novo graduado ao volante. Saíram da universidade e não pararam num sinal de stop. A polícia viu e mandou-os parar. Só que o estudante não viu o carro da polícia (deveria ir a conversar com os amigos) e seguiu. Seguiu dentro da universidade, seguiu na estrada de acesso à autoestrada, seguiu na autoestrada. Sempre com um carro da polícia atrás, a mandá-lo parar. Tanto seguiu, tanto seguiu, até um certo ponto, em que tinha a autoestrada cortada com carros–patrulha à espera do carro fugitivo.
O que há a aprender deste episódio? Que fique bem claro: não defendo os modos de atuar da polícia americana, nem pretendo que ela seja exemplo para a portuguesa. Mas há sobretudo que comparar. Onde é que a polícia portuguesa alguma vez tinha meios para cortar uma autoestrada para intercetar um fugitivo? As notícias ontem falavam numa perseguição na Austrália que envolveu cem policiais. Não morreu ninguém nem consta que tenha havido tiros. Seria possível em Portugal mobilizar cem policiais para uma perseguição?
Desde essa altura que tenho a ideia que a polícia portuguesa tem muito poucos recursos, muito má preparação, e faz o que pode com eles. É uma profissão mal paga e muito pouco dignificada. Os polícias, que não podem ser sindicalizados, têm de andar sempre impecavelmente apresentados, e no entanto são eles que têm que comprar e tratar as suas fardas. Têm acesso a armas, mas têm de justificar toda e cada bala que disparam (e ainda bem!). Arriscam a sua vida. São sempre identificados. Quando erram, são responsabilizados. Têm muitas vezes opiniões xenófobas, que transparecem de certas declarações que eles não devem nem têm de proferir, mas não têm grande formação (nem sequer para o seu próprio ofício).
Situações como a que ocorreu esta semana são lamentáveis e não podem ficar sem resposta; devem ser apuradas responsabilidades e punir quem tiver de ser punido. O ministro da Administração Interna deveria exigir um inquérito. Agora, antes de desatarmos a tratar o corpo da polícia como um bando de criminosos (que eles não são), deveríamos refletir sobre o que lhes podemos exigir com os recursos, os meios e a preparação que eles têm ao seu dispor.
O resto da história do estudante, não sendo muito feliz, também não chega a ser trágica: o estudante ficou um ou vários dias na prisão, não sei precisar (sei que era europeu, e graças a esta história perdeu o avião de regresso ao seu país…). Por originalmente não ter parado num stop. Podemos achar exagerado, mas pelo menos cumprem-se as leis, que são iguais para todos. Mas o que eu quero frisar é que o estudante fugitivo foi apanhado e não morreu. Nem levou nenhum tiro.

5 comentários :

Filipe Castro disse...

Concordo plenamente. Devia haver mais policias, melhor treinados e mais bem pagos.

Ricardo Alves disse...

É verdade, Filipe. A polícia pode mobilizar mais meios para uma perseguição. O que é sempre preferível a disparar.

Nota: os polícias já se podem sindicalizar.

carla disse...

Mas a que policia é que vocês se referem?

Não existe uma policia, mas sim várias. E com distintos graus de preparação.

Anónimo disse...

Policia?? Onde?? Não conheço nenhum!

Foram substituidos pelos profissionais das multas, que angariam receita para pagar os novos falcons adquiridos pelo regime bolchevique que governa Portugal

Anónimo disse...

Considero esta comparação muito adequada.

Mas repare o Filipe que nem precisamos de recorrer à América. Cá em Portugal também se fazem perseguições policiais como deve ser. Repare naqueles dois etarras que há uns dias foram perseguidos pelas estradas de Trás-os-Montes desde a fronteira onde tinham entrado no país (Picote ou Bemposta, já não me recordo) até Alfândega da Fé ou Torre de Moncorvo. Foram cerca de 50 km de perseguição policial, terminando com a captura dos perseguidos, os quais ainda por cima eram (presumivelmente) profissionais do crime. Ou seja, a polícia portuguesa também sabe fazer perseguições automóveis sem recorrer a tiros.

Gostei especialmente dos dois últimos períodos do post.

Luís Lavoura