domingo, 15 de junho de 2008

'Democracia' e construção europeia

Os argumentos da direita são um bocado repetitivos e já foram respondidod aqui, julgo eu, umas trinta ou quarenta vezes. Cada vez que se tenta discutir o liberalismo económico e os efeitos tremendos que ele está a ter na vida das pessoas, os comentadores da direita perguntam logo se eu li bem o Tucidites e se percebi todas as implicações das entrelinhas dos textos do Hayek, ou se li bem todo o tratado da UE e se percebi bem cada uma das emendas das não-sei-quantas páginas do tratado de Lisboa.

A verdade é que para não querermos participar na construção desta europa não é preciso ler o tratado, nem o Milton Friedman, nem o Hayek, nem o Tucídites. Basta olhar à nossa volta e ver a erosão do poder de compra e dos direitos das pessoas: escutas, dumping social, desemprego, desinvestimento no ensino público e na saúde pública, negociatas obscuras com as empresas e as mafias económicas, participação activa na invasão de um país soberano para lhe roubar os recursos contra a vontade popular eloquentemente expressa em TODAS as sondagens de opinião relativas à invasão do Iraque.

Não é preciso ler o tratado para saber que a Europa está nas mãos de um gang de cleptocratas perigosíssimo, que tem planos para nos espiar e controlar quem não concorda que se transforme a Europa numa Indonésia enorme.

A directiva Bolkestein, expressa nos termos em que foi primeiro proposta em 2000, é um documento repugnante cujo único intuito era baixar os salários da classe média. Os termos em que foi aprovada em 2006 (mantendo o ‘princípio do país de origem’) já demonstraram ser escandalosamete injustos na Suécia, em 2005, quando uma companhia dum dos países do Báltico (não me lembro qual) apareceu a pagar salários de fome aos seus operários e a competir desonestamente com as empresas Suecas.

A extrema direita apressou-se a apresentar o caso como um problema de liberdade de circulação das pessoas. Mas isto é um problema muito mais simples: é um problema de liberdade das empresas. E eu acho que as empresas já têm liberdade demais: bases de dados de consumidores, acesso directo aos políticos e legisladores e, aqui nos EUA, autorização para efectuar escutas, para policiar, para torturar e para espiar.

Não é preciso ser o Einstein para ver o caminho que a Europa tomou: em onze palavras, a ‘Estratégia de Lisboa’ é ‘tornar a UE a economia mais dinâmica do mundo em 2010’, ou seja, transformar a UE na China, com nuvens de poluição que não deixam ver o sol 365 dias por ano e os trabalhadores vigiados por câmeras e microfones em todo o lado. Isto não é ficção científica: está a acontecer e estes novos conglomerados, onde vivem e trabalham os funcionários das mega empresas chinesas, estão a ser cuidadosamente estudados no chamado ‘mundo livre’.

Na verdade, este princípio das plantações ou das fábricas do século XIX é bom demais para não ser considerado pelos empresários. De facto é melhor que a escravatura, porque as empresas são donas dos trabalhadores mas não têm a responsabilidade de os alimentar.

A única coisa que os empresários precisam para implementar este admirávelmundo novo é de mais liberdade ou, como eles dizem, desregulamentação e flexibilidade.

1 comentário :

Anónimo disse...

Bom, não posso deixar de comentar este post, já que também aqui me parece referir-se aos meus comentários, de forma aliás, muito agressiva, insultuosa mesmo, pois se já lhe disse que sou de esquerda, o que é que sabe o Sr para me estar sempre a responder como se eu tivesse os interesses da direita?! Ou então, realmente o Filipe Castro nem precisa de saber, porque por definição os que de si discordam são de direita. Ora, tenha paciência que o BE ainda não vai tão longe...

Sobre o substrato:

Disse-lhe que é importante conhecer os tratados para avaliar e perceber a sua importância indispensável na formação de qualquer estrutura Europeia. Sem a existência de Tratados é impossível, neste momento, fazer qualquer Europa, julgo que nem mesmo o seu projecto de Europa poderia dispensar os Tratados. A não ser que passe de facto pela invasão de parlamentos... (como já se ouviu defender)

Tem todo o direito de não querer a Europa que está a ser construída, com ou sem conhecimento de causa, mas parece-me bastante comprovável a subida da qualidade de vida para os portugueses, desde a nossa adesão até ao momento presente.

De resto, creio que está a ser alarmista no que diz respeito à criação de um Estado policial e de um sistema capitalista selvagem.
Não vou comentar as generalidades do texto, até porque as enormidades estapafúrdias que culminam com a "Estratégia de Lisboa [visa] transformar a UE na China", são como o Alberto João jardim: o melhor argumento contra si próprio, de tão ridículos.