domingo, 15 de junho de 2008

Democracia e 'construção europeia'

Tem sido grotesco ler nos jornais acerca dos golpes de rins dos políticos que continuam a promover o que eles chamam o 'fortalecimento' da Europa contra a vontade popular. Brown continua a resistir à pressão para promover um referendo, Sarkozy e Barroso falaram imediatamente em continuar com o processo (a vontade popular não conta).

O maior problema do neo-liberalismo económico é que tem de ser imposto à maioria que, como é normal e lógico, prefere regimes mais justos e com uma distribuição da riqueza mais equitativa.

Os políticos que sonham com uma Europa desregulamentada sabem isto muito bem e têm feito os possíveis para evitar o envolvimento dos cidadãos.

A Europa não se discute e os tratados - o de Lisboa incluído - são-nos vendidos com generalidades e promessas de "maior democracia", "maior participação dos cidadãos", uma "participação mais intensa dos parlamentos nacionais", nada de concreto.

E depois vamos lendo sobre a directiva Bolkestein, sobre a inclusão da "religião" como um dos pilares culturais da europa (numa altura em que ninguém vai à missa, não há padres nem freiras, os seminários estão vazios e a maioria das pessoas de bem não quer embarcar nas cruzadas dos evangélicos e do vaticano), ou sobre a semana das 65 horas.

Mas o mais chocante é que os políticos se referem à Europa deles, a das desigualdades e das injustiças, como "a Europa".

Como se uma Europa neo-liberal fosse a única Europa possível. A outra, a Europa democrática e social do pós-guerra, a que nós todos queremos, não está sequer na mesa das negociações.

Quem não é neo-con é nacionalista e é contra "a Europa".

Espero que Brian Cowen tenha a decência e a coragem necessárias para se defender dos ataques brutais e viciosos que a linha dura (Brown, Sarkozy, Merkel, Barroso) lhe está a preparar.

E espero que os cidadãos se comecem a apercer do que se está a passar, há 20 anos: uma concentração da riqueza à qual nenhuma forma de democracia pode sobreviver e uma passagem dos centros de decisão dos parlamentos e governos eleitos para os administradores das empresas e os clãs de multimilionários cleptocratas.

1 comentário :

Anónimo disse...

os meus comentários (inevitáveis):

1. Um parlamento representativo e democraticamente eleito é expressão da vontade popular e representa o conjunto dos cidadãos.
(Conheço vários defensores da criminalização do aborto, populistas, e esses sim ultraconservadores e capitalistas, que defendem os referendos com os mesmos argumentos, que no seu caso são sinceros, mas na minha opinião são também ingénuos, porque eles sabem que em referendo as decisões são mais manipuláveis, enquanto que o que o Filipe Castro defende seria verdade numa pólis grega, ou num grupo muito conhecedor das matérias em causa. Como é lógico, muitas pessoas votam contra, nos referendos, porque simplesmente não sabem das matérias. Pois, não é espectável que, por exemplo, as pessoas se informem sobre Direito Constitucional, engenharia civil ou finanças, para capazmente votar sobre essas matérias).

2. Sobre estas afirmações - "Mas o mais chocante é que os políticos se referem à Europa deles, a das desigualdades e das injustiças, como "a Europa"."
"Quem não é neo-con é nacionalista e é contra "a Europa"." - tenho a dizer que, interpretando estas frases como alusões a anteriores conversas na janela de comentários:
2.1 O europeísmo e o internacionalismo são princípios gerais em defesa de estruturas humanas mais alargadas que as nações, dentro desta definição há muitas formas particulares.
2.2 Antes de mais o óbvio: não sou neo-con, nem considero que a única Europa possível seja a minha, caso em que não necessitaria de defendê-la, e muito menos é a europa das desigualdades e das injustiças.
Lamento ter que escrever agressivamente, mas tudo isto são afirmações sentimentalistas e sem conteúdo.

3. Desafio-o a explicar isto, que de outro modo é produto de ignorância - "A Europa não se discute e os tratados - o de Lisboa incluído - são-nos vendidos com generalidades e promessas de "maior democracia", "maior participação dos cidadãos", uma "participação mais intensa dos parlamentos nacionais", nada de concreto." - Aconselho-o a ler os tratados, e a estudar alguma coisa de Direito da União Europeia, porque sem esses tratados qualquer Europa é inviável, seja ultra-capitalista, seja comunista, seja de esquerda democrática ou de direita refreada e pouco audaciosa...
Por outro lado, se está apenas a queixar-se da forma como os tratados são apresentados publicamente, posso perguntar como acha correcto apresentar os tratados.


Outras opiniões:

É curioso que a Comissão Europeia tem alguns aspectos similares aos da Convenção da Revolução Francesa. Penso sobre isso que seria desejável criar um Governo que respondesse mais perante o parlamento e que dependesse das maiorias parlamentares. E uma figura similar ao Presidente da República como no nosso sistema, que penso ser dos mais equilibrados. Juntamente com forças armadas europeias. Na minha opinião seria conveniente aumentar a centralização (possivelmente deslocalizada) do poder na Europa, e a par disso, aumentar a autonomia local e regional. Isso permite por um lado criar regras gerais para toda a UE, e por outro, soluções particulares subordinadas às anteriores, para lidar com as particularidades dos distritos e regiões. Defendo isso, mais até que uma Europa federal, que não gostaria que fosse próxima da solução americana que me parece muitíssimo desequilibrada e promíscua. Dirão os radicais inefáveis do costume, que estas são soluções que favorecem o grande capital e os efeitos negativos da globalização económica. Porém, a verdade é que uma UE mais forte ganha poder de controlo e intervenção sobre o poder económico, desde logo porque a UE já é a maior economia do mundo.

Sinceramente eu sempre tive simpatia pelo BE, até porque o meu pai foi membro do PSR, mas tem-se aproximado dos movimentos populistas e sentimentalistas internacionais, o que mais que descredibilizar o BE, destrói os resquícios de ideologia coerente que ainda tinham.