segunda-feira, 17 de março de 2008

Serviço Nacional de Saúde - I

Assumindo que se pretende atingir um certo nível de resdistribuição da riqueza numa determinada sociedade, há várias maneiras de proceder com esse fim. Uma questão que se pode colocar a esse nível é a de saber se o estado deve garantir cuidados mínimos de saúde a todos os cidadãos maiores de idade. A alternativa, assumindo o mesmo nível de redistribuição, seria dar a cada cidadão mais dinheiro, que este poderia usar com esse ou outro fim.
Qual a vantagem da primeira opção face à segunda?

A mais imediata, e creio que a mais importante, é que a redistribuição passa a acontecer em dois níveis: não só do mais rico para o mais pobre, como também do mais saudável para o mais doente.
Muitas pessoas contraem (ou nascem com) doenças cujo tratamento é extremamente caro. Em grande parte dos casos não se trata de escolhas que tenham feito: podia acontecer o mesmo a qualquer um de nós.
Mesmo numa sociedade com poucas diferenças sociais, seria importante esta solidariedade entre os mais saudáveis e os mais doentes. Se os primeiros contribuirem para o tratamento dos segundos, atenuam os males destes, e constroem uma rede de segurança na qual sabem que não serão abandonados, mesmo que alguma desgraça lhes aconteça.

Se esta forma de solidariedade é tão eficiente em termos redistributivos, será que não terá o inconveniente de encorajar comportamentos menos cautelosos, agora que as pessoas sabem que estarão protegidas?
Creio que só alguém muito ignorante a respeito da natureza humana poderia pensar que sim. Ninguém deixa de usar preservativo por fazer uma análise de risco e concluir que "o prazer que tiraria daqui não justificaria o risco de contrarir HIV e pagar os anti-retrovirais. Mas se os anti-retrovirais são gratuitos, então já vale a pena". Ninguém deixa de colocar protector solar com um raciocínio do tipo "epá, só a chatice de pôr o creme... Mas tenho de ter em conta o risco de ter cancro e pagar o tratamento, não vale a pena. Esquece! O tratamento é pago por todos, afinal sempre compensa não pôr creme".
As pessoas não pensam desta forma. O risco de pagar pelos tratamentos relativos a problemas graves de saúde parece sempre irrelevante face ao risco de os ter em primeiro lugar. Assim, nunca pesa nas decisões que são tomadas. Mesmo nos casos em que os problemas graves de saúde podem ser atribuídos a más decisões, é claro que esta solidariedade entre saudáveis e doentes não encoraja comportamentos de risco. Pelo contrário: campanhas de informação pagas no âmbito desta solidariedade podem ter um impacto significativo a diminuí-los.

Mas sendo que o estado deve garantir cuidados mínimos de saúde a todos os cidadãos, qual a melhor forma de o fazer?
Creio que um serviço nacional de saúde é a melhor opção. Mas deixo a justificação para o próximo texto.

2 comentários :

Anónimo disse...

JV, não é só a análise custo/benefício que conta, mas também a responsabilização (independentemente do equilíbrio custo/benefício se alterar ou não!) dessa pessoa na altura de colocar o creme solar ou o preservativo. Porque hão-de pagar os cuidadosos pelas parvoíces dos outros? Quanto a doenças que não dependem de escolhas, temos algum entendimento em comum.

Kurtz

João Vasco disse...

Se os cuidadosos, ao pagarem pelas parvoíces dos outros, não estiverem a encorajar comportamentos parvos, então temos um bom mecanismo redistributivo, pois os parvos estão numa situação extremamente difícil e é importante que usufruam de alguma solidariedade.
Acrescente-se que quando tu vês alguém com cancro de pele não podes concluir que esse alguém foi pouco cuidadoso - é mais provável que tenha sido pouco cuidadosos do que se não tivesse o cancro, mas não é certo. Existem muitos casos destes.