terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Rumo ao Estado policial?

Escutar as conversas telefónicas de quem não cometeu crime algum é violar a privacidade alheia. É uma prática própria de Estados totalitários e de mentes doentes, perversas e mesquinhas. Infelizmente, alegando o perigo vago de atentados terrroristas, vai-se generalizando em Portugal a defesa da legalização das escutas efectuadas pelos serviços de informações (SIS e SIRP). Alberto Costa é quem mais se tem destacado na presente campanha pela redução da esfera de privacidade dos cidadãos, ao ponto de defender a revisão da Constituição da República.
Estas medidas começam sempre numa atmosfera de esplêndido consenso. Actualmente, o pretexto é o terrorismo islamista. Mas, não nos enganemos: se cair a protecção constitucional ao direito dos cidadãos a não terem as suas conversas escutadas, não serão apenas os dois membros da Al-Qaeda que se cruzam em Portugal a serem escutados. Logo a seguir serão os da ETA, depois os dirigentes sindicais ou associativos e, no limite, os líderes da oposição ou qualquer desgraçado que se atravesse no caminho de um agente do SIS.
«Artigo 34.º (Inviolabilidade do domicílio e da correspondência)
1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.
(...)
4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.»
A História mostra que quando o Estado invade a esfera privada dos cidadãos, é necessário retirá-lo de lá pela força. Portanto, é melhor deixarem o artigo 34º como está.

8 comentários :

no name disse...

como já te disse anteriormente, concordo com o que dizes, mas também não posso deixar de dar razão ao ministro em causa e à maria josé morgado, quando dizem que é necessário prevenir o terrorismo e outras formas de crime cujo principal meio de investigação e combate passa pelas escutas. assim, volto a dizer que tão importante como as críticas que apontas é perceber o que está em jogo do ponto de vista de risco para a segurança e de combate ao crime.

ou seja, se de facto apenas consegues combater de forma eficaz (e isto decerto está estudado) o terrorismo e certas formas de crime com recurso às escutas, e se no combate ao terrorismo essas escutas só funcionam de forma eficaz quando coordenadas pelos serviços de segurança, então não podemos fazer como a avestruz e ignorar o problema --- neste caso devemos pensar de que forma se deve implementar a lei (por forma a ser adequadamente fiscalizada e serem impedidos todos e quaisquer abusos --- algo em voga no ano que passou, graças ao filme "a vida dos outros"), em vez de nem sequer querer falar no assunto.

por outro lado, se existem alternativas no combate ao terrorismo que não passam pelas escutas via serviços de segurança, e que são pelo menos igualmente eficazes, então parece-me também muito importante avançar com propostas relativas a essas alternativas, em adenda às críticas que fazes...

Anónimo disse...

Ricardo s. carvalho: todo, mas todo o seu comentário é um erro lamentável.

Em primeiro lugar "terroristas à sério" não vão fazer conversas telefónicas secretas sabendo de antemão que estão a ser escutados.

A não ser que queiram "encharcar" de contra informação um qualquer serviço secreto ou de segurança com informações falsas.

Quanto ao resto da conversa acerca de implementações da lei e restante formalismo acrescentado, não passa disso mesmo: formalismo.

É de uma ingenuidade atroz.
A realidade dos factos é que as coisas irão andar em roda livre, já para não falar nos tremendos custos que isto custará, para manter serviços de escutas e pessoas para analisar serviços de escutas.

Somos ricos para ter escutas e pobres para termos reduções de investimento público noutras áreas?

Além disso o raciocínio é completamente enviesado.
Portanto te que se ser a favor das escutas, caso não se seja, tem que se oferecer alternativas?

Porquê?

é proibido ser-se simplesmente contra algo?

Além disso a alternativa já existe: a não existência de escutas.

Só feitas a quem é efectivamente suspeito de actos de terrorismo ou há razões fortes para isso.

Ou 10 milhões de portugueses são todos suspeitos de terrorismo?

quer dizer, se colocarmos as questões sobre outro ponto e vista,percebe-se a conversa.
Quem for contra o governo, não importa se é democrata ou totalitário , monárquico ou republicano pelo simples facto de ser contra as políticas do governo poderá vir a ser classificado de "terrorista".

Afinal de contas, está contra a política do governo, logo, do ponto de vista do governo quem está conta ele, só pode ser terrorista e mal intencionado.

Num governo que acha que tudo oq ue está afazer é bem feito , a lógica de raciocionio é esta.

E quer-se dar poder a um governo que quer fazer escutas a toda a gente?

Então, só para dar um exemplo paralelo embora lateral ao assunto, então o Sr Chavez não deve ser criticado de forma alguma.

Esse até faz eleições que perde e aceita os resultados.

Além disso , na parte económica estrita de empresas como é que é?

Exemplo: Escuta-se alguém de uma empresa supostamente por causa de terrorismo, por exemplo, uma empresa que exporta para o Irão.

No decorrer das escutas , ouvem-se conversas confidenciais de negócios. Que farão ganhar a essa empresa dinheiro.

De repente os pormenores desse negócio são conhecidos e toram-se públicos impedindo a empresa de ganhar dinheiro ou afectando a sua competitividade?

Nessa altura como é que é?

Alguém é responsável por escutas que chegam a público e que, de origem nem sequer teriam justificação para terem sido feitas?

Mas a que propósito é que se vai conceder a um regime e a um governo especialmente ESTE GOVERNO tal poder ?

no name disse...

dissidente, ler o que foi escrito e ter presente a realidade actual pode ajudar a não dar tantos tiros ao lado...

em portugal a polícia judiciária faz escutas todos os dias. assim sendo, não me parece que o que esteja em questão seja o binómio escuta/não escuta, mas antes se estas também podem ser feitas pelo SIS ou não e em que condições. e essa questão remete precisamente para o que se quer implementar ou não! daí que o classifica de "formalismo" ser precisamente o cerne da questão...

também, achar que "terroristas à séria" não comunicam é uma parvoíce. naturalmente que essas formas de comunicação serão diversificadas e disfarçadas, mas naturalmente existem e podem ser analisadas (muitas vezes até através de processamento informático, sem qualquer intervenção humana, e com custos de investimento relativamente controlados).

quanto a ser-se contra qualquer coisa "só porque sim", eu chamo a isso de clubismo ou de fundamentalismo. noutras palavras, é a total ausência de argumentos. se é contra um procedimento que pode evitar certo tipo de crimes, é bom que o saiba justificar e sugerir alternativas para combater esses problemas. dizer "sou contra porque sim, e não tenho qualquer ideia de como resolver o problema" já nem é uma parvoíce, é uma birra infantil...

quanto às suas teorias de conspiração, limito-me a dizer---como já disse em cima---que é precisamente a discussão da implementação que deve ser conhecida e discutida antes de poder formar uma opinião final. são precisamente os "formalismos" que critica que devem ser estudados com rigor por forma a prevenir as suas conspirações posteriores...

e quanto aos seus problemas com o chávez ou com o governo actual, não me parecem ir na linha do que se discutia (suspiro).

Anónimo disse...

Ricardo s. Carvalho:

que as polícias fazem escutas todos os dias já se sabe.

O problema é que não se sabe se a escutas são ajustadas ao problema que se investiga ou se são exageradas em função do problema que se investiga.

Tudo aponta para que sejam exageradas em relação ao que se investiga, o que por outro lado leva a que se pense que a Policia não investiga o que devia; antes investiga pelo lado mais fácil que é o de fazer escutas.

Queremos policias que façam investigação à sério e séria ou queremos policia que monta aparelhos electrónicos para fazer escutas?

É que para montar aparelhos electrónicos para fazer escutas não precisamos de polícia.

Basta regulamentar detectives privados e fazer um chorrilho de leis e já está.
O que leva a outra questão: afinal a polícia serve para quê?

Para ser policia ou para ser outra coisa?

Quanto à minha questão do formalismo, a realidade dos factos é que essa informação retirada das escutas é incontrolada.

Fica guardada ou é posteriormente destruída?
Quem é que a vê?
Fica guardada para servir de ameaça passado largo tempo ou não?
Serve de cadastro ou não?


Quanto ao contra argumento dos terroristas com todo o respeito mas isso é uma treta.
Isso é a técnica que foi utilizada pelos norte americanos para poupar custos e que após o 11/9 foi; começou a ser alterada; precisamente no sentido de passarem a existir mais agentes no terreno, porque a parte electrónica já não chegava. Como se provou que não chegou.


Quanto à questão de ser contra e achar-se que isso é uma birra,ou ser-se obrigado a apresentar alternativas lamento muito mas isso é um pequeno germe totalitário baseado no facto de supostamente ter que se apresentar sempre alternativas para tudo e nada.

A alternativa é não fazer nada, e não fazer nada é, por vezes, uma alternativa.

Isto contrariamente ao que parece não é um jogo de soma nula, em que a vitória de um é a derrota de outro.

E acreditar que o problema do terrorismo será resolvido com escutas telefónicas é da mais completa ingenuidade.

Depois de, por hipótese, as escutas telefónicas ou outras falharem na luta contra o terrorismo, faz-se o quê para retirar o poder que antes se deu a certas pessoas - o poder de fazerem escutas indiscriminadamente?

As pessoas que tem esse poder aceitam de livre vontade abdicar dele?

Isso é o mesmo que dizer que existem ditadores que saem livremente do poder.
Algum saiu sem ser deposto até hoje?

E quanto a ideia baseada na conspiração desculpa lá, mas em todos, mas absolutamente todos o sítios e artigos que li falam da questão da inteligência económica e da necessidade de proteger a informação sensível de uma empresa das suas concorrentes nacionais ou internacionais.

Portanto não são "teorias da conspiração" mas factos.
Empresas de topo recorrem a especialistas nessa área, e protegem informação e gastam muito dinheiro com isso.

Aqui vai ser como?

Chavez: foi dado a titulo de exemplo.Nada mais.

Do governo actual não gosto.
Nunca gostei de governos musculados da pseudo esquerda.Da pseudo esquerda ou da direita, note-se.

É que eu ainda me lembro muito bem dos Governos Cavaco e não noto nenhuma diferença entre os G. Cavaco e este em termos de intimidação sobre os cidadãos.

E se for a comparar, se calhar descubro que este é pior do que foram 10 anos daquela treta.

E este só tem 2 anos de duração.

Com os péssimos resultados que se vêem.

Mais ainda: não perdoo que as pessoas que andam agora a querer fazer leis restritivas de direitos, liberdades e garantias andassem há 15 anos atrás armados em palhaços da "esquerda lantejoula pop star 25 de Abril" a inspirar cortes de estradas na zona de Torres Vedras e outros sítios e a darem entrevistas inflamadas a dizer que o 25 de Abril estava em perigo.

Agora que chegaram ao poder já não está em perigo?
Porquê?
Porque são estes senhores que lá estão?

Lamento, não passo cheques em branco.

no name disse...

com tantos pontos a analisar, afinal acaba por se preocupar em dar atenção aos "formalismos" que criticava... os seus problemas políticos pessoais à parte, parece-me óbvio que:

o crime, em geral, deve ser combatido, e para o fazer existem duas formas principais: investigação criminal após a ocorrência do mesmo; ou prevenção. se bem que a segunda opção é sempre preferível, nem sempre é possível, a não ser em crimes que necessitem de organização complexa (sendo o terrorismo, nalguns casos, um desses crimes). mais ainda, quanto maior o grau de violência do crime, maior a necessidade de apostar na prevenção. parece que nisto todos concordamos.

coloca-se então a questão: como se faz a prevenção? no caso de crimes que envolvem organização complexa, a prevenção faz-se, em parte, ao patrulhar os diversos meios de comunicação (electrónicos, telefónicos, sinais de fumo, o que quiser) --- aliás da mesma forma que o crime económico se pode combater mais fácilmente com um levantamento geral do sigilo bancário, ou o excesso de velocidade nas estradas se pode combater mais fácilmente fazendo uso de radares ocultos. e este "patrulhamento da informação" pode ser feito apenas por via informática, sem necessidade de intervenção humana em grande parte das situações. este ponto também me parece óbvio para todos.

posto isto, coloca-se a questão pertinente: qual a relevância do patrulhamento da informação e dos meios de comunicação, nas suas formas diversas, no combate ao terrorismo e ao crime complexo? se a resposta é "muito relevante", então é um problema que tem necessáriamente que se colocar sobre a mesa (sem fazer birras e sem brincar às avestruzes). portanto, aqui chegamos.

daqui se pode discutir se esse patrulhamento deve ser feito pela polícia, pelos serviços de segurança, em que moldes, etc. este era o ponto do meu comentário inicial. pode chamar de "formalismo" ou de um "erro", mas parece-me muito maior o seu erro ao não perceber que este é o cerne da questão. ainda para mais quando todas as objecções que levanta são precisamente deste aspecto: como se pode, ou não, implementar este combate necessário. tudo o resto do seu comentário anda à volta de birras e problemas políticos que me parecem irrelevantes para responder às questões colocadas...

Ricardo Alves disse...

Ricardo,
a Judiciária faz escutas no contexto de processos criminais. O que os SIS/SIRP/etc fazem é escutar pessoas que não cometeram crime algum, e que eles escutam porque acham que são terroristas/oposicionistas/más pessoas, etc.

O ponto mais importante deste post é a questão de que a Constituição da República é uma barreira contra os abusos do Estado sobre os cidadãos. O Alberto Costa quer derrubar essa barreira. E é ingénuo pensar que os únicos a serem escutados depois de essa barreira cair serão os mauzões da Al-Qaeda. Suprimido o artigo 34, ou desfigurado nas garantias que representa, deixaremos de ter protecção...

no name disse...

ricardo, como comecei logo por dizer, eu percebo o que queres dizer. o meu ponto não é esse. o que estou a dizer é que há um problema, e que compreendo o ponto de vista ministerial para o tentar resolver, e compreendo a tua oposição a essa solução. mas isso não invalida que o problema se mantenha. e por isso há que discutir as suas possíveis soluções, eventualmente apresentando alternativas (forma de implementação da lei; uso exclusivo de programas de AI; etc). agora dizer que o problema fica sem solução é desculpa de mau pagador.

acho importante que esta questão seja discutida de forma aberta, e que sejam apresentadas soluções para os problemas.

João Vasco disse...

ricardo s carvalho:


Vejamos o que diz o departamento de estado dos EUA: http://www.johnstonsarchive.net/terrorism/intlterror.html

Entre 1968 e 2000, os três anos com mais ocorrências de incidentes terroristas foram 1987 (665 ocorrências), 1985 (635) e 1986 (612). A partir de 1986, os números foram decrescendo de forma quase contínua até se atingir o valor mínimo de 296 ocorrências em 1996. A partir daí, verificou-se nova subida gradual e, em 2000, ocorreram 426 incidentes.

Depois, foi o 11 de Setembro.

Nesse ano só se verificaram 355 incidentes terroristas, 205 ocorrências em 2002 e 208 em 2003.

Depois foi a invasão do Iraque. 651 ocorrências nesse ano. O segundo pior ano desde 1968.

Em 2005 11111 ocorrências. São 5 1s, mesmo.


O terrorismo é um problema em territórios invadidos ilegitimamente. Aí o máximo que podemos fazer é dar um cartão vermelho a quem quiser participar nestas aventuras.


O terrorismo não tem estado a aumentar no ocidente. Em Portugal, o terrorismo não é um problema sério, e muito menos um que justifique tamanha invasão da privacidade, tamanho abuso de poder. O SIS não pode ter acesso incontrolado às escutas, muito menos so tão risível pretexto.

Mesmo sem nenhuma "solução" não tenho dúvidas: prefiro que "gravíssimo" problema no terrorismo em portugal se mantenha, do que dar ao SIS essa possibilidade. Se existirem soluções alternativas, tanto melhor. Mas note-se bem: sou contra mesmo que não existam.

"Quem sacrifica a liberdade em prol da segurança, não merece nenhuma e acaba por perder ambas". Soa bem, não soa?