quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Salário Minimo II - Mão de obra em concorrência

Num mercado livre, com inúmeras empresas vendedoras e inúmeros compradores de um determinado bem, sem quaisquer barreiras à entrada nesse mercado, deveremos esperar que o lucro económico dessas empresas vá tendendo para zero, por acção da concorrência.
Isto sucede-se porque cada empresa não tem um papel significativo na fixação do preço do produto, que acaba por ser o preço de equilíbrio do mercado em questão. Mas se as empresas que vendem esse produto estão a fazer lucros económicos elevados, haverá um forte incentivo para entrar no negócio da venda deste produto. Ao entrarem mais agentes nesse negócio, a oferta do produto aumenta, o preço de mercado diminui, e com este os lucros das empresas vendedoras. A entrada de agentes no negócio deverá cessar quando os lucros forem tão reduzidos que já não constituem incentivo suficiente para a entrada neste mercado.

Esta abstracção raramente se aplica aos vários produtos transaccionados num mercado de dimensões médias, visto que no que respeita a grande parte deles existe um número reduzido de empresas que fornecem tal produto, situação em que estas têm um poder de mercado elevado e fortes possibilidades de fixar o preço do produto que vendem. Também muitas vezes existem barreiras importantes à entrada no mercado: uma patente, um maior domínio de uma determinada tecnologia, uma carteira de contactos muito completa, um investimento muito avultado, etc...

Mas no que respeita à mão de obra menos qualificada, podemos estar em condições mais próximas da aplicação deste modelo. Se uma percentagem significativa da população não tiver qualificações significativas, estaremos numa situação em que a concorrência para vender as horas de trabalho será feroz. Assim sendo, cada trabalhador pode ser considerado como sendo uma empresa que tem despezas e fornece um determinado produto - a hora de trabalho - que então venderá. E o mesmo formalismo usado anteriormente pode descrever o desfecho desta situação: o custo da hora de trabalho tenderá cada vez mais para ser o suficiente para garantir a subsitência do trabalhor, mas não mais que isso.

Assim, numa sociedade com elevada percentagem de mão de obra menos qualificada, e sem qualquer regulamentação no mercado da mão de obra, deveríamos esperar ver todos estes trabalhadores a trabalharem quase o máximo de horas que conseguissem, para auferir rendimentos pouco superiores aos necessários para a sua subsitência. Não é uma situação de escravatura, pois a estes é dada sempre a opção de morrer à fome, caso não queiram vender a hora de trabalho ao preço de mercado.
Mas as semelhanças são aterradoras...

Isto sucedeu-se, na prática, em várias circustâncias, mas é fácil atribuir sempre as dificuldades que esta situação acarrecta à escassez presente na sociedade em questão. Afinal, se grande parte da mão de obra é pouco qualificada, o que é que nos garante que o valor que acrescentam não seja realmente tão reduzido que apenas permita pagar pouco mais que a subsistência do trabalhador? Face a isto devo remeter para o raciocínio acima exposto: mesmo que grande parte das horas de trabalho transaccionadas correspondam a um valor acrescentado muito elevado, a elevada concorrência entre os vários trabalhadores vai sempre levar a que estas sejam transaccionadas ao valor mínimo necessário para garantir a subsistência destes.

Que soluções existem para lidar com esta situação?
Há fundamentalmente três.

15 comentários :

JoaoMiranda disse...

«« Mas se as empresas que vendem esse produto estão a fazer lucros económicos elevados, haverá um forte incentivo para entrar no negócio da venda deste produto.

Só há incentivo para entrar nos mercados onde a taxa de lucro é superior à média do mercado.

«« Ao entrarem mais agentes nesse negócio, a oferta do produto aumenta, o preço de mercado diminui, e com este os lucros das empresas vendedoras. A entrada de agentes no negócio deverá cessar quando os lucros forem tão reduzidos que já não constituem incentivo suficiente para a entrada neste mercado.»»

A entrada cessa quando o lucro tender para o valor médio da economia e não quando tender para zero.

O lucro zero implicaria uma inversão das preferências intertemporais dos agentes. Implicaria que as pessoas estão interessadas em poupar mesmo quando o consumo esperado no futuro é igual ao consumo esperado no presente. Como as pessoas só investem se o consumo esperado no futuro for superior ao consumo presente, o lucro tem que ser sempre positivo. Se for nulo, as pessoas preferem consumir, o que cria uma escassez de capital e um aumento do lucro para um nível próximo da taxa de preferência intertemporal.

JoaoMiranda disse...

««Assim, numa sociedade com elevada percentagem de mão de obra menos qualificada, e sem qualquer regulamentação no mercado da mão de obra, deveríamos esperar ver todos estes trabalhadores a trabalharem quase o máximo de horas que conseguissem, para auferir rendimentos pouco superiores aos necessários para a sua subsitência.»»

Isso só acontece se:

1. O capital se mantiver constante;

2. Todos os ganhos de acumulação de capital forem comidos pelo crescimento populacional.

Nas economias modernas os salários sobem porque a oferta de capital aumenta. Se a oferta de capital aumenta, o trabalho torna-se escasso e os preços sobem.

João Vasco disse...

«Só há incentivo para entrar nos mercados onde a taxa de lucro é superior à média do mercado.»

Ou seja, quando o lucro contabilístico é tal que o lucro económico se torna superior a zero, tal como escrevi no texto.

«A entrada cessa quando o lucro tender para o valor médio da economia e não quando tender para zero.»

A entrada cessa quando o lucro contabilístico tender para o valor médio da economia, ou seja quando o lucro económico tender para zero.

«O lucro zero implicaria uma inversão das preferências intertemporais dos agentes. Implicaria que as pessoas estão interessadas em poupar mesmo quando o consumo esperado no futuro é igual ao consumo esperado no presente.»

Lucro económico nulo significa que não existe incentivo para investir nem desinvestir. Ou seja, para dadas preferências dos agentes quanto à "temporalidade", o lucro contabilístico for de tal ordem que para eles investir nem é má nem boa decisão.

João Vasco disse...

«Isso só acontece se:»

Há muito mais condições implícitas para que isso se suceda, desde já que a população não se forme, tornando-se mais qualificada. Mas falarei sobre isso nos próximos textos da série. Para já, assinalo um problema significativo que explica porque é que em muitos casos desregulamentação do mercado de trabalho pode resultar em situações duradoras de quase-escravatura através das ferramentas da economia clássica.

JoaoMiranda disse...

««Ou seja, quando o lucro contabilístico é tal que o lucro económico se torna superior a zero, tal como escrevi no texto.»»

Pode-me definir:

- lucro contabilistico

- lucro económico

?

JoaoMiranda disse...

A distinção entre lucro contabilistico e lucro económico parece-me desnecessária para o que está em discussão. O que interessa para os donos do capital é que eles tiram sempre um rendimento dele que é superior a zero. Nada disso pode ser transposto para a questão do trabalho porque a economia do trabalho nada tem a ver com a economia do capital.

Esta passagem:

««Assim sendo, cada trabalhador pode ser considerado como sendo uma empresa que tem despezas e fornece um determinado produto - a hora de trabalho - que então venderá. E o mesmo formalismo usado anteriormente pode descrever o desfecho desta situação: o custo da hora de trabalho tenderá cada vez mais para ser o suficiente para garantir a subsitência do trabalhor, mas não mais que isso.»»

não faz sentido nenhum. Por uma razão muito simples: o lucro é o que fica acima das despesas. Por isso, se usasse a mesma teoria não concluiria que o trabalhador teria custos iguais às despesas mas que teria um lucro acima disso.

Explique-me lá o que é, no caso de um trabalhador, o lucro contabilistico e o lucro económico.

Igor Caldeira disse...

"o custo da hora de trabalho tenderá cada vez mais para ser o suficiente para garantir a subsitência do trabalhor, mas não mais que isso."

Casos reais:

-lido no Expresso: salário médio no sector dos call centres desceu, entre 1998 e 2003 (se me não falha a memória) de 780 para 400 euros.
-contato em primeira pessoa: numa fábrica de Palmela de compenentes electrónicos, um operário que hoje trabalhe no turno da noite (portanto, com +25% por trabalho nocturno) ganha menos hoje que ganhava em 2002 no turno da tarde.

Igor Caldeira disse...

contado, não contato
e
componentes, não compenentes

João Vasco disse...

«Pode-me definir:
- lucro contabilistico
- lucro económico



«In economics, a firm is said to be making an economic profit when its revenue exceeds the total (opportunity) cost of its inputs. It is said to be making an accounting profit if its revenues exceed the accounting cost the firm "pays" for those inputs.[1]

In a single-goods case, a positive economic profit happens when the firm's average cost is less than the price of the product or service at the profit-maximizing output. The economic profit is equal to the quantity output multiplied by the difference between the average cost and the price.

(In circumstances of perfect competition, average cost = marginal cost at the profit-maximizing position)

All enterprises can be stated in financial capital of the owners of the enterprise. The economic profit may include an element in recognition of the risks that an investor takes. It is often uncertain, because of incomplete information, whether an enterprise will succeed or not. In these cases, economists treat returns to risk as part of the profit, as it is also an element of the cost of capital.

Economic profit does not occur in perfect competition in long run equilibrium. Once risk is accounted for, long-lasting economic profit is thus viewed as an inefficiency caused by monopolies or some form of market failure.

Positive economic profit is sometimes referred to as supernormal profit or as economic rents.

The social profit from a firm's activities is the normal profit plus or minus any externalities that occur in its activity. A polluting oil monopoly may report huge profits, but by doing relatively little for the economy and damaging the environment. It would exhibit high economic profit but low social profit.»

em http://en.wikipedia.org/wiki/Profit

João Vasco disse...

«O que interessa para os donos do capital é que eles tiram sempre um rendimento dele que é superior a zero. Nada disso pode ser transposto para a questão do trabalho porque a economia do trabalho nada tem a ver com a economia do capital.»

Na verdade, um é um caso particular do outro. O caso em que o investimento necessário para que se possa vender o produto em questão é nulo. Neste caso, o que diferencia o lucro económico do lucro contabilístico são as considerações relativas ao risco descritas no texto acima.

João Vasco disse...

«não faz sentido nenhum. Por uma razão muito simples: o lucro é o que fica acima das despesas. Por isso, se usasse a mesma teoria não concluiria que o trabalhador teria custos iguais às despesas mas que teria um lucro acima disso»

Novamente, a diferença está no risco, tal como explicado.

JoaoMiranda disse...

««Na verdade, um é um caso particular do outro. O caso em que o investimento necessário para que se possa vender o produto em questão é nulo. Neste caso, o que diferencia o lucro económico do lucro contabilístico são as considerações relativas ao risco descritas no texto acima.»»

Mas então o que é o lucro económico de um trabalhador? E o contabilistico?

O que interessa para o nível de vida do trabalhador é o risco contabilistico e esse, pela sua teoria, tanto pode ser alto como baixo. A sua teoria, se tivesse correcta, só provaria que o lucro económico tende para zero.

João Vasco disse...

«A sua teoria, se tivesse correcta, só provaria que o lucro económico tende para zero.»

Mas é isso mesmo que é dito no texto.

JoaoMiranda disse...

««
Mas é isso mesmo que é dito no texto.»»

O que é dito no texto é que o salário dos trabalhadores tende para os respectivos custos. Faltou-lhe explicar o que é que isso tem a ver com o facto de o "lucro económico" tender para zero.

No mercado de trabalho o que é o lucro económico e o que é que é o lucro contabilistico? O lucro económico é a diferença entre o salário e o consumo do trabalhador? Nesse caso o que é o lucro contabilístico?

João Vasco disse...

Se a um trabalho corresponde um risco superior de não ser pago, por exemplo, vai corresponder em equilíbrio algum lucro contabilístico, o qual dependerá da avaliação feita do risco pelos agentes do mercado.

Mas o lucro económico tenderá a ser nulo. Isso sucede-se porque enquanto for positivo mais agentes estarão dispostos a realizar esse trabalho, contribuindo para o aumento da concorrência que faz baixar o lucro económico. Enquanto for negativo, mais agentes tenderão a evitar esse trabalho, diminuindo a concorrência, aumentando o lucro económico.