É inevitável que um Estado promova uma cultura política própria. Seria desejável que, em absoluto, não o fizesse, mas é necessário escolher currículos para o ensino secundário, dar nomes a ruas e pontes, e patrocinar eventos.
O actual regime democrático não apresenta uma cultura política marcadamente própria. Talvez por isso, recai frequentemente na cultura política do salazarismo. Quando se construiu uma nova ponte sobre o Tejo, deu-se-lhe o nome de um navegador de há cinco séculos; no Algarve, a principal estrada tem o nome de «Via do Infante» (D. Henrique); recentemente, a TV pública produziu e emitiu uma série sobre o galã António Salazar; e agora, temos o patrocínio das mais altas figuras do Estado à «canonização» do cavaleiro medieval Nuno Álvares Pereira. Estes heróis são alguns dos heróis do Estado Novo. São aqueles que os gurus da política cultural do salazarismo consideraram mais apropriados a uma ideologia estatal de nacionalismo, militarismo, catolicismo e autoridade. Evidentemente, as pessoas reais que foram Afonso Henriques, Nuno Álvares Pereira ou Vasco da Gama terão pouco que ver com a apropriação que a propaganda de um Estado totalitário fez deles séculos mais tarde. Mas têm uma relação ainda mais ténue com o actual Estado democrático e republicano.
Os cidadãos portugueses querem, penso eu, viver em liberdade com direitos garantidos constitucionalmente e desenvolvimento económico. Seria portanto mais lógico que a cultura política da democracia promovesse as figuras a quem devemos os princípios liberais das primeiras constituições, como Manuel Fernandes Tomás ou Mouzinho da Silveira, pensadores da liberdade como Alexandre Herculano ou Raul Proença, e políticos da democracia e da laicidade como o injustamente vilipendiado Afonso Costa ou o muito esquecido António Sérgio. Que os cadáveres de Afonso Henriques, Nuno Álvares Pereira e outras figuras medievais repousem em paz. O Portugal moderno, na prática, foi fundado por Sebastião José. E, para o futuro, penso eu que se o deseja mais à imagem de cientistas e democratas do que admirando os exemplos de santos e guerreiros sanguinários de um passado distante.
O actual regime democrático não apresenta uma cultura política marcadamente própria. Talvez por isso, recai frequentemente na cultura política do salazarismo. Quando se construiu uma nova ponte sobre o Tejo, deu-se-lhe o nome de um navegador de há cinco séculos; no Algarve, a principal estrada tem o nome de «Via do Infante» (D. Henrique); recentemente, a TV pública produziu e emitiu uma série sobre o galã António Salazar; e agora, temos o patrocínio das mais altas figuras do Estado à «canonização» do cavaleiro medieval Nuno Álvares Pereira. Estes heróis são alguns dos heróis do Estado Novo. São aqueles que os gurus da política cultural do salazarismo consideraram mais apropriados a uma ideologia estatal de nacionalismo, militarismo, catolicismo e autoridade. Evidentemente, as pessoas reais que foram Afonso Henriques, Nuno Álvares Pereira ou Vasco da Gama terão pouco que ver com a apropriação que a propaganda de um Estado totalitário fez deles séculos mais tarde. Mas têm uma relação ainda mais ténue com o actual Estado democrático e republicano.
Os cidadãos portugueses querem, penso eu, viver em liberdade com direitos garantidos constitucionalmente e desenvolvimento económico. Seria portanto mais lógico que a cultura política da democracia promovesse as figuras a quem devemos os princípios liberais das primeiras constituições, como Manuel Fernandes Tomás ou Mouzinho da Silveira, pensadores da liberdade como Alexandre Herculano ou Raul Proença, e políticos da democracia e da laicidade como o injustamente vilipendiado Afonso Costa ou o muito esquecido António Sérgio. Que os cadáveres de Afonso Henriques, Nuno Álvares Pereira e outras figuras medievais repousem em paz. O Portugal moderno, na prática, foi fundado por Sebastião José. E, para o futuro, penso eu que se o deseja mais à imagem de cientistas e democratas do que admirando os exemplos de santos e guerreiros sanguinários de um passado distante.
10 comentários :
Se a beatificação de Nuno de Santa Maria foi um acto claramente político, como ilustro, a sua canonização também o será.
Só que desta vez os interesses políticos em presença serão mais do lado do Vaticano, pelo que não se justifica o seu apadrinhamento por figuras institucionais.
Cordialmente
Lá porque o Estado Novo se serviu dos Descobrimentos para cultura política isso não retira nem mérito nem importância a essa época da História portuguesa. Querer vetar isso para "coisa do passado" é um erro. Claro que isso não deve impedir de reconhecer o mérito na História portuguesa de figuras mais recentes...
O que este post deveria perguntar é o porquê de a cultura política do estado português e do regime democrático não apresentar uma cultura política marcadamente própria.
E se esse post fizesse essa pergunta e se se quisesse ir até ao fundo da resposta provavelmente descobrir-se-ia que a "geração de democratas feitos a martelo" que emergiu após o 25 de Abril nunca quis que o Estado Português e o regime apresentasse uma cultura marcadamente própria.
As razões eram duas:
1-porque não sabiam como fazer.
2- porque não queriam fazer e sentiam-se confortáveis com a cultura que ainda vinha do Salazarismo.
É por essa razão que nunca existiram, por exemplo, nos currículos do ensino secundário disciplinas que ensinassem o que era civismo e cidadania, mas dentro de um regime democrático.
Porque formar cidadãos com ideias cívicas e de cidadania, foi algo que nunca interessou a este regime actual, nem aos políticos que dele emergiram especialmente os que se apelidam de ser de esquerda.
E o resultado está à vista: sondagens que dão 34% de cidadãos a pensar votar em eleições e canonizações de guerreiros medievais, como sendo os tópicos da pátria e as grandes discussões a ter.
Portanto sem pretender chatear quem fez o post, mas isto é uma forma de fazer batota: não é perguntar "qual a cultura",mas sim perguntar "porque é que é esta a cultura" que interessa perguntar.
canonizar o costa, isso é que era.
JDC,
sem dúvida que os descobrimentos não perdem mérito por terem sido utilizados pelo Salazarismo. Mas, mesmo os «descobrimentos» são sempre centrados nos donos das caravelas, e não nos cientistas e técnicos que permitiram que Portugal tivesse realmente uma vantagem face a outros povos. E acha que faz sentido insistir quase exclusivamente nos «descobrimentos» quando as colónias já foram?
Vivemos numa democracia constitucional e não num reino medieval.
«O que este post deveria perguntar é o porquê de a cultura política do estado português e do regime democrático não apresentar uma cultura política marcadamente própria.»
É uma excelente pergunta que complementa o que eu tentei escrever.
Pessoalmente, estou convencido de que um factor importante foi que os políticos que subiram ao poder a partir de 1975 andavam pelos 50 anos. Já tinham ido à escola primária no Estado Novo. A cultura cívica democrática tinham-na aprendido (se tinham...) por via familiar ou nos partidos da oposição (e, na oposição, a cultura hegemónica era a comunista, que também não era propriamente um modelo para democratas...).
O regime de Portugal tem uma grave doença que precisa de ser diagnosticada
Tenho reflectido sobre os rumos da democracia em Portugal e cheguei à conclusão de que o problema é que se trata de uma enfermidade não diagnosticada, ou um diagnóstico feito mas não reconhecido pelas gentes.
Portugal, desde há pelo menos 200 anos, passou de país colonizador a país colonizado, submetido por várias potências: primeiro a Grã-Bretanha, depois pelos países ricos da UE, com participação dos EUA.
Tudo se pode compreender melhor, incluindo a enorme quantidade de corrupção e falta de vergonha da classe política, se virmos este país como uma vulgar neo-colónia, seja do continente sul -americano, seja africano.
De facto, esses países têm (ou tiveram) regimes que até podem ser formalmente democráticos, mas onde uma pequena oligarquia manda, usando políticos corruptos para fazer o jogo da representação emanter assim o povo quieto.
Gostava de escrever um livro para fundamentar melhor e tornar mais popular esta tese. Preciso de colaborações sobre o assunto.
Escrevam-me:manuelbap@yahoo.com
Agradeço qualquer apoio que queiram dar-me.
Solidariedade,
Manuel Baptista
Dorean,
esse seria um passo importante para a ICAR se reconciliar com a República. ;)
Caro Prof.
Portugal deveria fazer juz a figuras históricas de combate ao fascismo ainda tão próximo e tão cúmplice em S. Bento ainda hoje, como: Palma Inácio e o assalto na Figueira da Foz (lembremos LUAR), ou o sequestro do avião da TAP para Casablanca em 1961, Henrique Galvão e o desvio do paquete Santa Maria, que foram actos muito corajosos, dos quais as minhas aulas de História na universidade ficam muito aquém, assim vai a educação e cultura no nosso país, tenho muita pena de não aprender o artigo 21.º da CRP ;))
é certo que essas (enunciadas no último parágrafo) figuras merecem muito mais destaque e consagração do que têm tido. E que são os meus ídolos...
De qualquer forma, acho que é injusto associar este Governo aos heróis fabricados pelo Estado Novo, que obviamente não são os seus. Desde logo, porque esses exemplos não são da responsabilidade deste Governo.
E depois, porque todo o resto do que tem sido edificado, dito e escrito, tem o tom do republicanismo que só o PS quis e soube herdar.
um outro Anónimo
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