terça-feira, 3 de novembro de 2020

A "impostura liberal" e a saúde

Há algum tempo atrás comentei um mapa de um cartaz da "Iniciativa Liberal" que me pareceu particularmente desonesto e bastante exemplificativo de uma forma de comunicar desse partido. 

Não tinha grandes intenções de voltar tão cedo a falar da IL até porque agora é altura de preparar o champanhe que a humilhação eleitoral de Donald Trump se aproxima. 

Mas eis senão quando, começo a ver várias partilhas de uma página da IL explicando que os liberais não querem acabar com o SNS. A página está bem feita: o grafismo está bom, a linguagem é adequada para comunicar com pessoas pouco politizadas, e o conteúdo em geral é persuasivo para quem confie minimamente nos autores. E aí é que está o problema: é que os autores não merecem nenhuma confiança. 




Vale a pena destacar o mapa apresentado. Aqui já parecem reconhecer que quase todos os países "liberais" no mapa anterior afinal têm um sistema "estatista". Portugal, que era apresentado como o único país socialista da Europa (o que revela alguma falta de pudor...) afinal está agora na mesma lista que a maior parte dos supostos países liberais europeus (países nórdicos, Reino Unido, Irlanda, etc.). Mas esqueçamos as outras dimensões de "liberalismo" e foquemo-nos apenas na saúde. 

A imagem diz que, de acordo com o ranking EHCI 2018, Portugal aparece apenas em 13º lugar. Podemos fazer melhor! 

Mas demos uma vista de olhos no EHCI 2018, e logo por acaso eles têm também um mapa. 

Portugal aparece no grupo a verde, no grupo dos melhores. Isso não é usual. Estamos à frente da Espanha, da Itália, do Reino Unido, da Irlanda e de toda a Europa de Leste. Nada mau!

Curioso também é que, de acordo com este índice, parece muito difícil de argumentar que os sistemas defendidos pela IL ajudem o que quer que seja: os países nórdicos com sistemas públicos de saúde estão também no topo, enquanto Grécia, Bulgária, Hungria, Roménia e Croácia, todos com sistemas como a IL defende, estão na pior das categorias (duas abaixo de Portugal). 

Portanto, em resumo, com tanta coisa para mudar profundamente neste país, a IL propõe-se desmantelar uma das poucas em que temos resultados acima da média europeia (de acordo com a avaliação que eles próprios referenciaram!). E argumentam a favor disso numa página onde esclarecem não querer acabar com o SNS, apenas transformá-lo num sistema onde países com um desenvolvimento económico comparável ao nosso têm muito piores resultados!

Mas isto nem é uma crítica à proposta da IL. É uma crítica a esta forma de comunicar politicamente, desinformando as pessoas menos politizadas. Dando a entender que é mau aquilo que é bom, escolhendo quem é "liberal" ou "socialista" de forma arbitrária conforme as conveniências. 

Claro que a crítica mais profunda a estas propostas prende-se com o financiamento. A IL propõe uma enorme redução das receitas fiscais e alega não querer diminuir o financiamento dos serviços públicos, mas também não defende o aumento da dívida pública. Nessa questão, todos os outros partidos de direita são mais honestos. 

Não costumo chamar "impostura liberal" à IL, mas neste post, escrito depois de ter lido aquele conteúdo tão enganador, achei por bem fazê-lo. 

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