Não existe nenhum obstáculo tão poderoso ao combate às alterações climáticas na UE como o Tratado Carta da Energia (TCE), apesar do mesmo ser quase desconhecido.
Este tratado recorre ao sistema de justiça paralela e privada ISDS, já mencionado neste blogue, e na verdade nenhum tratado internacional é responsável por tantas queixas conhecidas através deste mecanismo como o TCE. O objectivo do Tratado é proteger o investimento associado à produção de energia eléctrica ou extracção e transporte de combustíveis fósseis. Proteger daquilo que veio a ser considerado "expropriação indirecta": medidas legislativas ou acções governativas que possam diminuir a expectativa de lucro dos investidores estrangeiros.
Por exemplo, a Holanda quer - para combater as alterações climáticas - proibir a produção de electricidade a partir do carvão a partir de 2030. Como tal uma empresa estrangeira quer recorrer a estes tribunais privados para exigir uma indemnização superior a mil milhões de euros. Com toda a tinta que a TAP fez correr, é fácil compreendermos que não estamos a falar de trocos.
O que é que isto representa na luta contra as alterações climáticas? Uma total e completa incompatibilidade. O Tratado Carta da Energia (TCE) obriga a União Europeia a emitir um volume de dióxido de carbono (ou equivalente) que é cerca do dobro daquele que é compatível com a meta de 2,0º C associada ao Acordo de Paris. Ou um volume de emissões que é cerca de cinco vezes superior à meta de 1,5º C referida no mesmo documento. Ou se cumpre o Acordo de Paris, ou se cumpre o TCE: não é possível cumprir ambos.
Esta estimativa do volume de emissões protegidas pelo tratado é apresentada num relatório da autoria de Yamina Saheb, uma das autoras principais dos relatórios do IPCC, com um currículo todo ele na área energética. Esta estimativa não foi, que eu tenha conhecimento, disputada.
Neste momento estão a decorrer negociações para a "modernização" do Tratado, e estas negociações podem atenuar ligeiramente os seus efeitos perversos, se forem bem sucedidas. Mas é muito pouco, muito tarde. O abandono deste tratado é que se torna cada vez mais urgente.