A política identitaria original é de direita: afirma que a nação é branca e cristã, e que os outros são minorias toleradas. Perdeu a hegemonia há muito, e em Portugal só na direita mais extrema se encontra quem articule politicamente que alguém é menos português do que os outros por ser de origem africana ou de cultura cigana. A política identitaria de esquerda opõe-se à da direita erigindo a "mulher negra lésbica" em arquétipo da vítima de todas as discriminações e opressões do "homem branco heterosexual". Ambas desvalorizam a classe social quer como causa de exclusões e privações quer como solução para aspirações frustradas. E ambas esquecem que todos os indivíduos têm necessidades, ambições e interesses comuns, independentemente dessas diferenças.
De direita ou de esquerda, a política da identidade tem como pressuposto que o lugar de cada indivíduo nas hierarquias sociais é especificado pela identidade de género, ou a religião, ou a pertença étnica (ou «racial»), ou a orientação sexual. Na versão de direita, as mulheres não devem tomar decisões nem assumir grandes responsabilidades, os bichas que se fechem em casa, e os pretos e ciganos que desapareçam. Na versão de esquerda, só tem direito a definir (vulgo, ter «lugar de fala») o anti-racismo quem é negro ou cigano, a falar de direitos LGBT quem o for, e o feminismo é das mulheres. Ambas as versões são portanto excludentes ou, no mínimo, hierarquizantes das relações entre indivíduos. Negam a palavra ou a dignidade a pessoas por critérios de género, etnia, opção religiosa ou orientação sexual. Nenhuma tem como objectivo uma sociedade igualitária, que seja cega, surda e muda quanto às características tribais atrás referidas.
A politização das identidades representa um perigo para a democracia representativa que não se coloca com a classe social. Porque rejeita que partidos, deputados e governos representem ideologias e interesses sociais, e os reduz a montras de identidades. Todavia, não há qualquer razão para que um branco gay não se sinta representado politicamente por uma negra hetero, ou vice versa, ou qualquer cidadão por outro cidadão de "identidades" diferentes. E felizmente, a maioria das pessoas em países civilizados tem o bom senso de não escolher em quem vota por critérios de cor de pele, orientação sexual ou afins. Mas os dois lados da política identitaria alimentam-se mutuamente, e nos países democráticos envenenados pelos choques de identidades verifica-se que quem ganha é a identidade maioritária, não as oprimidas.
Há em Portugal trabalhadores precários que todos os dias se esmifram para ganhar o salário mínimo antes de voltarem de transportes públicos para os subúrbios. Se lhes disserem que serem homens ou brancos ou heterossexuais os transforma a eles (ou a elas) em privilegiados ou até opressores, a reacção será entre o sorriso irônico e a irritação. A reacção será porém mais agreste se lhes explicarem paternalmente que usar com desleixo certas palavras em que nunca pensaram muito tipifica machismo, racismo e homofobia. Não se voltarão imediatamente para os santos protectores das identidades tradicionais, que só têm para oferecer a caridade e o orgulho num passado que passou. Mas será sempre melhor tratar cada cidadão como um indivíduo provido de razão e capaz de articular a relação entre as suas circunstâncias e as suas opções políticas livre das suas "identidades", e que no fundo só quer viver melhor.
De direita ou de esquerda, a política da identidade tem como pressuposto que o lugar de cada indivíduo nas hierarquias sociais é especificado pela identidade de género, ou a religião, ou a pertença étnica (ou «racial»), ou a orientação sexual. Na versão de direita, as mulheres não devem tomar decisões nem assumir grandes responsabilidades, os bichas que se fechem em casa, e os pretos e ciganos que desapareçam. Na versão de esquerda, só tem direito a definir (vulgo, ter «lugar de fala») o anti-racismo quem é negro ou cigano, a falar de direitos LGBT quem o for, e o feminismo é das mulheres. Ambas as versões são portanto excludentes ou, no mínimo, hierarquizantes das relações entre indivíduos. Negam a palavra ou a dignidade a pessoas por critérios de género, etnia, opção religiosa ou orientação sexual. Nenhuma tem como objectivo uma sociedade igualitária, que seja cega, surda e muda quanto às características tribais atrás referidas.
A politização das identidades representa um perigo para a democracia representativa que não se coloca com a classe social. Porque rejeita que partidos, deputados e governos representem ideologias e interesses sociais, e os reduz a montras de identidades. Todavia, não há qualquer razão para que um branco gay não se sinta representado politicamente por uma negra hetero, ou vice versa, ou qualquer cidadão por outro cidadão de "identidades" diferentes. E felizmente, a maioria das pessoas em países civilizados tem o bom senso de não escolher em quem vota por critérios de cor de pele, orientação sexual ou afins. Mas os dois lados da política identitaria alimentam-se mutuamente, e nos países democráticos envenenados pelos choques de identidades verifica-se que quem ganha é a identidade maioritária, não as oprimidas.
Há em Portugal trabalhadores precários que todos os dias se esmifram para ganhar o salário mínimo antes de voltarem de transportes públicos para os subúrbios. Se lhes disserem que serem homens ou brancos ou heterossexuais os transforma a eles (ou a elas) em privilegiados ou até opressores, a reacção será entre o sorriso irônico e a irritação. A reacção será porém mais agreste se lhes explicarem paternalmente que usar com desleixo certas palavras em que nunca pensaram muito tipifica machismo, racismo e homofobia. Não se voltarão imediatamente para os santos protectores das identidades tradicionais, que só têm para oferecer a caridade e o orgulho num passado que passou. Mas será sempre melhor tratar cada cidadão como um indivíduo provido de razão e capaz de articular a relação entre as suas circunstâncias e as suas opções políticas livre das suas "identidades", e que no fundo só quer viver melhor.
9 comentários :
Hmmm... Concordo genericamente com o que escreveu. Acrescentaria apenas dois pontos: que a divisão entre esquerda e direita não tão simples como a que descreveu (ex: a Maria João Marques é de direita mas pode-se incluir facilmente na definição de esquerda identitária que deu) e que há uma assimetria entre as politicas identitárias da direita e da esquerda. Creio que a politica identitária da direita está mais disseminada e está actualmente em expansão. E parece-me igualmente que é muito mais perigosa que a da esquerda.
e porque uma mulher negra ou um homem negro seriam melhores representantes desse tal hipotético branco gay que um outro branco gay
Concordo com muita coisa neste texto, com quase tudo até.
Uma das minhas discordâncias é com a seguinte frase:
"Nenhuma tem como objectivo uma sociedade igualitária, que seja cega, surda e muda quanto às características tribais atrás referidas."
Eu diria que nenhuma tem como EFEITO uma sociedade igualitária. Acho que para muitos dos que defendem uma política identitária de esquerda o objectivo é bem-intencionado e é esse. Podem é usar uma abordagem contra-producente.
Chapeau!
a nação é preta e muçulmana também não pega pelo menos por enquanto
e o sexo como característica tribal é muito grega
de certeza que nem uma para a mãe de todas as greves bolas que esquerda mais monárquica
Bem explicado!
A política identitária de esquerda é certamente contra-producente, quando o objectivo é tornar a sociedade mais igual. É-o porque torna os problemas de cada grupo solucionáveis apenas dentro de cada grupo e não na sociedade como um todo.
É também contra-producente porque negligencia a importância que a classe social tem na desigualdade. Na verdade, a desigualdade social é mais uma forma de desigualdade, a juntar às discriminações raciais ou de género.
Parece-me que esta política identitária de esquerda vem muitas vezes de pessoas a quem o termo desigualdade social soa a comunismo (não sei o porquê do exclusivo), e que muitas vezes se consideram economicamente de direita e socialmente de esquerda (isto parece ser popular nos EUA). Nunca percebi isto. É um paradoxo que não entendo...
João Vasco,
a política identitária, mesmo a de esquerda, não quer que a sociedade seja cega, surda e muda quanto às identidades. Pelo contrário.
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