sábado, 6 de outubro de 2018

Nunca houve deuses

Admito que não gosto de cultos de personalidade. Nem na política, nem na religião, nem no futebol. E não gosto porque para existirem muitos abdicam do seu sentido crítico e «unidimensionalizam» as pessoas, fechando os olhos aos seus defeitos e vícios, resumindo-as às suas virtudes e a um ou dois grandes feitos. E eu sei: há pessoas e realizações humanas que merecem admiração e respeito. Certamente. Mas será um grande avanço se, de todo o choque público com a descoberta de que Cristiano Aveiro pode ser um violador, resultar uma mais aguda consciência de que quando colectivamente se coloca alguém num pedestal lhe damos licença para abusar de nós. Porque foi isso que se passou: ao tratar «CR7» como um semi-deus, santificado pelos seus golos e títulos, quando os políticos se acotovelaram para se fotografar ao lado dele, quando foi erigido em modelo para as crianças e adolescentes, quando deram o nome dele (em vida, em vida!) a um aeroporto internacional, a minha vontade era gritar que estavam todos a ser pior do que ridículos - ingénuos. Há meses até tentei dizer no Facebook que o deusinho da bola era um evasor fiscal. Muitos da sua claque responderam-me na altura como os fatimistas quando lhes dizem que a «Irmã Lúcia» mentiu a vida inteira sobre o que se passou em 1917. Porque a necessidade de ter santos e heróis parece ser humana. Tem é mais a ver com emoções infantis do que com a racionalidade e o distanciamento que se espera dos adultos. Aceitem que pessoas perfeitas não existem e terão menos decepções.


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