As guerras matam o bom senso. É difícil, mas não consigo deixar de dizê-lo: o conflito israelo-palestino teve, no verão de 2014, uma atenção mediática (e política) exagerada. Pelas razões seguintes.
- Facilmente se encontra uma dúzia de conflitos, ainda em curso, onde morreram mais seres humanos. Mais: no último meio século (49 anos) menos seres humanos perderam a vida na guerra israelo-palestina do que apenas nos últimos três anos (3) na Síria, ou nos últimos dez anos (10) no Iraque (para não sair do Médio Oriente; na guerra do Congo, só entre 1998 e 2003 poderão ter morrido uns cinco milhões de pessoas, ou seja, umas duzentas vezes mais pessoas; não contam porque eram negros?). E todavia, incrivelmente, sempre que há umas trocas de rockets entre Israel e a Palestina, dizem-nos (gastando toneladas de papel de jornal e gigabytes de caracteres) de um lado que há um «genocídio» em Gaza, e do outro que «a existência de Israel está em risco». Acontece (felizmente), que os palestinos de Gaza estão muito longe da extinção e que o Hamas não tem capacidade para ocupar Israel (mais facilmente são extintos os yazidi ou os cristãos do Médio Oriente, ou o Iraque deixa de existir).
- É um conflito essencialmente resolvido. Nenhum outro conflito no mundo depois do final da 2ª Guerra Mundial deve ter tido tanta atenção diplomática e de entidades políticas externas (e dos media). Resultou? Sim. Hoje, a guerra israelo-palestina não se propaga para fora das fronteiras daquela região minúscula (ao contrário do que acontecia nos anos 70 e 80). Está «contida». O nível de violência local também baixou. Os israelitas e os palestinos estão satisfeitos? Não. Ambos os grupos querem terra e recursos que os outros têm, ou seja, querem resultados incompatíveis a longo prazo. A esse respeito, terão que mudar de opinião. Ou continuar como estão.
- É uma guerra que não é do século 21. O conflito sangrento e global a que estamos a assistir hoje no Médio Oriente e no Norte de África é entre islamofascistas e coligações de laicos democráticos (uns) ou ditatoriais (outros). O conflito israelo-palestino não encaixa facilmente nesta polarização. Sobrou da segunda metade do século 20, quando a esquerda alinhava pelos palestinos por anti-colonialismo e porque a OLP era vagamente «socialista», e a direita por Israel porque era uma democracia isolada. Este alinhamento é anacrónico quando a liderança palestina pertence aos islamistas radicais e quando já houve eleições multipartidárias em boa parte dos países do Médio Oriente e do Magrebe. Transferir o confronto esquerda-direita para este conflito deveria ser coisa do passado, mas explica em parte a atenção que ainda tem. Como em parte essa atenção resulta de envolver judeus. E também de passar-se numa terra dita «santa» (irracionalmente, muita gente acredita que o «berço» de religião e meia deveria ser um pacífico paraíso).
P.S. Escrevi o essencial deste artigo em agosto. Publico-o hoje notando que felizmente já perdeu alguma actualidade, e que nos últimos dois meses se tem reflectido mais sobre o conflito com o «Estado Islâmico». Hei-de escrever sobre o assunto.
1 comentário :
No tempo do Botas de Santa Comba também se "justificava" a continuação da guerra colonial com o facto de morrerem mais pessoas em acidentes rodoviários do que na guerra.
Argumento lamentável.
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