quinta-feira, 11 de março de 2010

Não foi para isto

35 anos se passam sobre uma data que marcou a modernização da economia portuguesa na década de 70. Com efeito, nessa época a regra nos países europeus era as grandes empresas, os principais meios de produção serem considerados estratégicos e estarem nas mãos do estado. A isto acrescentou regalias para os trabalhadores que há quem ainda hoje não aceite, como os subsídios de férias e Natal e o salário mínimo. O que o governo do “terrível revolucionário” Vasco Gonçalves se limitou a fazer foi o mesmo que se fazia na Europa.
35 anos se passaram, e discute-se o PEC. O PEC que tem medidas muito positivas e há muito reivindicadas, como a criação de um novo escalão de IRS para os rendimentos mais altos e a taxação das mais-valias. Também concordo com o fim dos benefícios fiscais anunciados, e não me faz confusão os não-aumentos na função pública e a suspensão de obras públicas como o TGV até melhor data (embora, como afirma o João Vasco, tal medida venha dar razão ao PSD e lance dúvidas sobre se o PS mudou de ideias ou se (e nos) enganou nas contas – qualquer uma delas é má). Mas tais medidas não são suficientes para compensarem tudo o que o governo se prepara para anunciar, nomeadamente um pacote de privatizações de empresas e serviços públicos de que o estado não pode abrir mão, a começar pelos Correios e pela Rede Energética Nacional. Concordo: um governo socialista não privatiza os correios (nem a REN). Os socialistas têm de levantar-se e dizer "BASTA!”
Mesmo nas restantes empresas, e independentemente do que se achar que o Estado deve deter (e eu acho que deve detê-las), como anuncia o Daniel Oliveira, tais privatizações fazem mal ao défice.
Não direi que para mim tal intenção constitui a “gota de água” porque infelizmente representa muito mais do que uma gota (se só quisessem privatizar uma gota, estaríamos nós bem). De qualquer maneira, e uma vez que escrevo sobre política sem nenhum interesse que não seja o de exprimir as minhas opiniões e partilhá-las com os leitores, da mesma forma que anunciei antes das eleições que iria votar no PS, anuncio agora que, a confirmar-se este programa, se houvesse neste momento eleições não votaria no PS. Se o governo levar as privatizações avante, deixa de contar com o meu apoio.

10 comentários :

Ricardo Alves disse...

O PS joga à esquerda (redução dos benefícios fiscais, maior progressividade do IRS) e à direita (privatizações). Politicamente, é inteligente: recolhe elogios e críticas dos dois lados.

dorean paxorales disse...

X euros/ano distribuidos por 14 meses em lugar de 12 não é subsídio...

Anónimo disse...

Não vejo em que é que os correios sejam um serviço público tão especial que não possam ser privatizados.

Os telefones também são um serviço público e estão atualmente privatizados, e não vem daí grande mal ao mundo.

É claro que os correios têm obrigações de serviço público, mas há muitas empresas privadas (eletricidade, televisões, bancos, transportes coletivos) que também as têm e não é por isso que o público fica mal servido.

Luís Lavoura

Ricardo Alves disse...

Luís Lavoura,
as notificações dos tribunais, dos impostos, etc, circulam por correio. Obrigatoriamente. Por isso, não é um serviço como os telefones.

Outra razão: as redes telefónicas dão lucro. O serviço de correio para aldeias da Beira Interior, de Trás-os-Montes ou do Alentejo não dá lucro. Ninguém vai querer assegurar esse serviço. E essas populações vão ter que passar a ir buscar o correio à sede do concelho?

João Vasco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Vasco disse...

Aquilo que eu gostaria de saber, porque é muito(!) relevante para julgar a decisão, é o impacto estimado sobre o défice.

Se o impacto for negativo (porque aquilo que se perde em dividendos é mais do que o que se poupa em juros) como diz o Daniel Oliveira, parece indefensável privatizar tais empresas nesta conjuntura.


Aparte dessa questão, que me parece central, seria uma questão de saber se sairia mais barato ao estado contratar o serviço de garantir correio para todo país, ou ele próprio prestar tal serviço. Ou seja, seria uma questão dos juros poupados não apenas serem superiores aos dividendos perdidos, mas que a diferença fosse suficientemente para pagar para que privados garantissem esse serviço, e pagar ainda uma fiscalização eficaz dos mesmos.
Mas a experiência que outros países têm tido é que não é uma boa solução privatizar os correios.

Anónimo disse...

Ricardo Alves,

as notificações que você refere pagam, suponho eu, portes de correio. Desde que paguem esses portes, tanto podem circular num serviço postal público, como privado. Desde que o serviço postal funcione bem e as entregue ao seu destinatário, não há problema.

Quanto a Trás-os-Montes, etc, isso é serviço público que os CTT já hoje fazem, e dão lucro. (Os CTT dão lucro.) Por lei, os CTT têm que servir essas regiões ao mesmo preço a que servem o resto do continente. Isso tanto é verdade para uma empresa pública como privada. Os CTT fazem lucro numas zonas do continente para poderem ter prejuízo noutras zonas. Tal como as empresas de telefone e outras, que também ganham dinheiro em Lisboa para poderem fazer chamadas ao mesmo preço nas regiões menos habitadas. E tal como as empresas de telemóvel que são obrigadas a cobrir integralmente o país, incluindo zonas pouco densamente habitadas. O facto de uma empresa ser privada não implica que ela não seja obrigada a fazer serviços que lhe dão prejuízo.

Eu tenho um telemóvel no qual faço chamadas ao mesmo preço quer esteja em Lisboa quer na aldeia. Não duvido, porém, de que a empresa que me serve (que é privada) tem custos muito maiores na aldeia do que em Lisboa. Mas, não obstante, serve-me em todo o lado, e sempre ao mesmo preço.

Luís Lavoura

Filipe Castro disse...

Os telefones funcionam horrivelmente aqui nos EUA, onde são todos privados. Em Portugal agora paga-se para receber chamadas. A privatização dos monopólios naturais é um crime que devia ser punido co penas pesadas.

Nos EUA tudo o que é privado é uma porcaria: a internet não funciona durante horas (só há dois fornecedores do serviço, igualmente maus e igualmente caros).

Os correiro, que são públicos, funcionam lindamente. As auto-estradas portuguesas, privadas, são uma porcaria. Aqui são estatais e são excelentes.

O capitalismo selvagem é a legalização das camorras mais sinistras e mais violentas do mundo. Não percebo o que é que faz com que as pessoas aceitem só comer dois tipos de comida (milho e carne picada, engordada com milho - e com salmonelas, que se desenvolvem nos intestinos das vacas que comem milho). E depois acham que isto é o país da liberdade de escolha.

Faz-me imensa pena ver a Europa a tornar-se nuns EUA. Quem é que são os europeus que querem ser americanos?

João Branco (JORB) disse...

Filipe: gostava de saber se isto das privatizaçoes te chocaria, ou seja, se acharias que isto seria incoerente com o que o PS demonstrou ser nos ultimos 4 anos ou com o que escreveu no programa. Por outras palavras, quando decidiste o teu voto, tendo em conta o partido em que estavas a votar, nao acreditavas que uma coisa como esta pudesse acontecer?

Quanto às obras publicas, quando a grande diferença entre os dois partidos do centrao parecia ser investimento/obras-publicas versus contençao, e quando tanta gente foi votar no ps sò por medo "da velha" que era "neo-liberal e salazarenta" e "nao queria estimular a economia", o facto do PEC do PS fazer isto mesmo nao devia, de todo, ser assunto de menor. Para mim, para a democracia, representa muito mais do que as privatizaçoes. Repara: as privatizaçoes, podes considera-las màs, mas nao quebram nenhuma linha ou promessa. Agora a maioria das pessoas que preferiu o PS a outro partido, fe-lo com base num programa politico-econòmico que é contraditòrio. Até na blogosfera, todo o esforço argumentativo dos apoiante do PS se centrava na necessidade imperativa de obras pùblicas. Eu cheguei a escrever neste blogue que votaria na mfl porque ela prometia ser poupadinha. Quer dizer, toda a ideia de legitimidade da representaçao, de elegermos pessoas para decidirem por nòs as nossas vidas durante 4 anos se baseia na ideia de que estas pessoas vao seguir, pelo menos por linhas gerais, aquilo para que foram eleitas. Se nao o fazem, nao estao a representar quem votou nelas e a democracia perde legitimidade. Se eu nao pagar impostos este ano, que legitimidade tem o estado para mos cobrar coercivamente? Legitimidade democratica, depositada em si pela maior parte do povo/comunidade?

Filipe Moura disse...

João, o que está aqui em jogo é o estado das contas públicas, e se o PS sabia ou não desse estado. Quando um partido tem uma promessa, é sobre certos pressupostos. O PS "vendeu" um estado da economia portuguesa que, pelos vistos, não corresponde ao real.

A posição do PS, agora, é a de adiar alguns investimentos públicos (no caso do TGV Lisboa-Porto, espero que sine die), por dois anos. A posição da "velhinha poupadinha" era bem diferente: nem falar nesses investimentos, que só serviam aos espanhóis!

Não é comparável o pagar de impostos com o cumprir ou não de promessas eleitorais. Quando houver eleições, avalias se o político em quem votaste cumpriu o que prometeu e, se for governo, se cumpriu o seu programa. É só isso. A política é a arte do possível, e construir TGVs agora não parece possível. Pagar impostos é sempre possível, e é uma obrigação num estado social.

Quanto às privatizações: não, não as vi no programa. Nem acreditava que pudessem acontecer. Por isso sinto-me enganado neste aspecto.