terça-feira, 23 de março de 2010

Celibato, homossexualidade e pedofilia

Um dos comentadores deste blog sugeriu que uma frase que escrevi num cometário - "O celibato é uma perversão, um pecado contra a natureza, um crime contra 450 milhões de anos de evolução!" - podia ser transcrita para "um outro tipo de blog" se se substituísse a palavra a palavra "celibato" por "homossexualidade".

Eu não posso discordar mais desta afirmação e acho que vale a pena discuti-la aqui, ainda que brevemente.

O celibato pode ser uma opção – como em Santo Agostinho – que eu pessoalmente acho abominável, mas que não discuto, como não discuto outras opções similares, desde que sejam tomadas por adultos: a macrobiótica, o consumo de drogas duras, os jejuns, o uso de silícios, as intoxicações com vitaminas, ou as curas homeopáticas.

Mas o celibato do clero é uma prática imposta aos miúdos dos seminários, juntamente com um conjunto de regras supersticiosas que condenam e demonizam o corpo e a sexualidade normal dos adolescentes. Os banhos frios, as mãos em cima dos cobertores, a cegueira inevitável que espera os masturbadores, somada ao opróbio de verem crescer pelos nas palmas das mãos, tudo isto são tolices que geram tensões inevitáveis nas crianças e adolescentes a quem são impostas e, eventualmente, desvios como a pedofilia.

Não acho possível que alguém possa ser feliz e sexualmente frustrado, ao mesmo tempo. Acho esta ideia absolutamente doentia. Ainda por cima, sendo um facto que o celibato dos padres foi imposto por razões materiais – relacionadas com as heranças dos bens do clero – entre os séculos XI e XII.

A homossexualidade não tem nada a ver com esta história: é uma manifestação absolutamente NORMAL da sexualidade humana.

11 comentários :

JDC disse...

Apenas alguns apontamentos:
- antes de mais nada, não considero a homossexualidade uma perversão ou algo abominavel; quis apenas mostrar que algumas frases, alguns argumentos quando ditos de forma mais leviana podem ser facilmente encontrados noutros sítios, noutras discussões, noutras mentalidades que, julgo estarmos todos de acordo, são limitadas. Por isso, antes de dizer que quem escolhe uma vida de celibato é um perverso frustrado e que contraria 450 milhões de anos de evolução(?? esta tirada então, estou mesmo a vê-la nas manifestações contra os direitos civis dos homossexuais...) ou arranje estudos científicos que o mostrem ou então incorrerá no erro de achar que o mundo é como acha e não como ele efectivamente é.
- posto isto, sem defender os ensinamentos da ICAR ou as práticas dos seminários, o sacerdócio é opcional. Como é opcional a desistência. Além disso, quem quiser servir a ICAR não precisa de ir para padre. Desde vigário a tantas outras maneiras, o celibato não é irremediável. Mais ainda, da discussão do post "Leituras (22/3/2010)", mais concretamente do post original, chegamos à conclusão que, pelo menos em Portugal, há um número significativo de padres que só iniciaram o sacerdócio já bastante adultos.
- tendo isto tudo em mente, continua a manter que o celibato é uma perversão horrível que nega 450 milhões de anos de evolução? Como lhe disse, trocando a palavra "celibato" por "homossexual" e encontrará o mesmo argumento em muitos sites/blogs homofóbicos.

Ás vezes o Filipe Castro é um pouco radical na forma como expõe o que pensa e isso leva-o a ser igual aqueles que tantas vezes critica, sobretudo em assutos que envolvam a religião. Pergunto-lhe: o uso de drogas pesadas é uma perversão do instinto de auto-preservação? Devemos chamar aos viciados em metanfetaminas de "perversos doentios"? Devemos chamar "perversos doentios" a praticantes de sado-masoquismo? Devemos chamar "perversos doentios" a quem escolhe ser vegetariano? Afinal de contas, ser-se vegetariano é contrariar 450 milhões de anos de evolução! Está a ver como há coisas que saiem ao lado?

Ricardo Alves disse...

O voto de castidade é uma situação profundamente anormal, e as pessoas só não se apercebem disso por terem crescido numa cultura em que é considerado normal haver um grupo de pessoas (os padres) que fizeram esse voto. Para reflectir como o voto de castidade é anormal, basta imaginar uma empresa ou uma outra instituição qualquer que exigisse das pessoas que contrata ou que admite que sejam celibatárias a partir desse momento. Tal exigência seria considerada um atentado aos direitos humanos, e com razão.

No entanto, (quase) toda a gente encolhe os ombros quando ouve falar do voto de castidade sacerdotal.

Ricardo Alves disse...

JDC,

«o uso de drogas pesadas é uma perversão do instinto de auto-preservação? (...) Devemos chamar "perversos doentios" a quem escolhe ser vegetariano?»

O uso de drogas pesadas tem a ver com um impulso muito comum na metade masculina da espécie humana: a tendência para correr riscos a troco de um prazer momentâneo ou de uma afirmação de estatuto. Há exemplos em todas as culturas. Mas não há nenhuma instituição que promova esse comportamento como recomendável. E essa é uma diferença importante.

Quanto ao vegetarianismo, há quem defenda que a nossa espécie já foi vegetariana no passado. Não sei se têm razão, mas seria perfeitamente possível que fossemos todos vegetarianos sem que a espécie terminasse. Mas não poderiam contar comigo. ;)

João Vasco disse...

Neste assunto, a minha tendência é para concordar com a posição do JDC. Quem escolhe o celibato pode abandonar essa escolha a qualquer momento.

A escolha pode ser contra-natura, mas não vejo nada de imoral ou errado em fazer coisas contra-natura. O design inteligente é um disparate e a prova disso é que a natureza não tem sempre razão.

Poder-se.ia dizer que essa escolha pode aumentar a probabilidade da pessoa poder vir a sofrer desvios psíquicos. Mas mesmo que houvesse acordo dos especialistas (psicólogos, psiquiatras, etc...) quanto isso, ainda assim me parece que a decisão seria legítima.

Podemos questionar essa escolha pessoal, como podemos questionar os exemplos que são dados no texto, que vão da macobiótica ao sado-masoquismo, dos jejuns à homeopatia. Mas acusá-la de imoral ou «doentia» parece-me errado.

Ricardo Alves disse...

João Vasco,
mas seria considerado totalmente inaceitável que uma empresa exigisse na assinatura do contrato que o contratado permanecesse celibatário - seria até inconstitucional.

E se a totalidade das pessoas que fazem voto de castidade não são, à partida, doentes, uma vida inteira de celibato não pode dar bons resultados - como uma vida inteira a consumir drogas duras não dá bom resultados.

João Vasco disse...

Uma Igreja parece-me mais comparável a uma associação do que a uma empresa.

E se é possível entral alguém que não goste de pescar no «clube dos pescadores de Santa Iria», também pode entrar alguém que não seja celibatário na «Associação de celibatários de Mafra». Mas em ambos os casos isso seria pouco mais que uma possibilidade teórica.

Quanto aos resultados de se ser celibatário, o JDC fez um bom paralelismo: antes também se pensava isso da homossexualidade. Se a maioria dos especialistas do assunto apoiar essa alegação, com fundamentos sólido, o caso é diferente. Mas, como disse, mesmo aí me continua a parecer uam escolha legítima.

João Vasco disse...

É curioso, porque eu sempre usei o exemplo do celibato como um contra argumento face aos que afirmavam que a homossexualidade era contra-natura.

Agora o JDC fez o contrário, e parece-me que no essencial tem razão. O essencial é que é uma escolha pessoal, afecta fundamentalmente quem a toma, e deve merecer o respeito dos restantes.

Filipe Castro disse...

:o) JDC tem toda a razão quando diz que eu exagero frequentemente os meus pontos de vista.

Mas eu não disse que o consumo de drogas ou a negação do prazer de um bife eram impulsos doentios. O que eu acho doentio é defender que se pode ser feliz reprimindo os impulsos sexuais de forma total e indiscriminada.

Acho a maioria das pulsões puritanas um bocado disfuncionais: à esquerda não se come carne, à direita não se tem orgasmos senão para procriar. Acho que não nos devemos negar estes prazeres sem uma boa razão. Não me parece saudável.

Ricardo Alves disse...

João Vasco,
a ICAR paga salários aos seus padres. E, tendencialmente, é um compromisso para a vida. Deveria ser mais como uma associação, mas a verdade é que não é.

Diferença entre a homossexualidade e o voto de castidade: é inegável que os homens (e as mulheres) têm tendência para obterem satisfação sexual. Este é um dado biológico, só alterável por métodos drásticos (castração, etc). Os heterossexuais procuram satisfação sexual de uma forma. Os homossexuais de outra. Mas quem faz voto de castidade na ICAR, teoricamente, compromete-se a não procurar qualquer forma de satisfação sexual. E isso é que de certeza que não é natural. E, como dizes, podemos fazer coisas que não são naturais. Por exemplo, não estou convencido de que a homossexualidade seja 100% natural. Mas o voto de castidade, de certeza que não é. E reprimir o desejo sexual não pode dar bons resultados.

Anónimo disse...

Não percebo o que tem o celibato a ver com a pedofilia. Nunca percebi. Tem tanto a ver com ela como tem a ver com a homossexualidade.
Qualquer associação de celibato a pedofilia é patética e descabida.
Não digo que o celibato em si também seja irracional, sem razão de ser, mas não vamos por isso associa-lo a algo que nasce com as pessoas ou se manifesta nelas sem a necessidade da existência de qualquer trauma.

Filipe Castro disse...

Eu falo de desvios e perversoes desenvolvidos nos ambientes doentios dos seminarios. As pessoas que conheci na minha vida e que tinham passado por seminários tinham todas historias de horror para contar: intrigas, abusos, prepotências, sadismo, pancada e horas passadas à janela a imaginar o que seria sair com as miúdas. Pode não ter sido assim com todos os seminaristas que hoje atacam miúdos, mas nunca ouvi histórias de espiritualidade, bondade e inspiração.