quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

O terceiro ano da era cavaquiana

Em Janeiro de 2008, Francisco Louçã, que denunciara o «bloco central dos interesses» representado pelo Governo PSD/PS/CDS, lança a Frente de Esquerda (FE), que reune as forças do já «velhinho» BE com o PCTP-MRPP de Garcia Pereira e o POUS de Carmelinda Pereira, e ainda alguns voluntários da campanha de Alegre que nunca militaram no PS.
No Parlamento, os deputados do PCP levam a votos a despenalização do aborto, esse tema clássico da democracia portuguesa. Para choque e espanto geral, a despenalização é aprovada por uma diferença de um voto. Os olhos voltam-se para Belém, onde Cavaco Silva, furioso, faz imediatamente saber que vetará a indesejada alteração e que o aborto só poderá ser discutido quando «Portugal voltar ao pelotão da frente da União Europeia». Na semana seguinte, faz três discursos sobre a importância de «os portugueses» se concentrarem em procurar ideias para «relançar a economia» em vez de se ocuparem de «questões fracturantes».
Com o impulso de Sarkozy e Merkel, o Novo Tratado Constitucional para a Europa fica pronto após algumas reuniões do directório europeu, aparentemente alargadas à Polónia mas não à Espanha. Interrogado sobre a possibilidade de um referendo em Portugal, o Presidente Cavaco Silva responde lapidarmente que «Portugal não se pode dar ao luxo de ser um país imprevísivel, ainda por cima quando a economia está no estado em que se encontra!». O Tratado constitucional é aprovado no Parlamento em Junho, sem qualquer tipo de discussão alargada. No dia seguinte, as manchetes dos jornais diários destacam a transferência de um futebolista para o Real Madrid.
Em Outubro de 2008, um grupo interpartidário de «personalidades do Norte» promove uma petição para um referendo sobre a efectivação da regionalização antes do fim da legislatura, a qual atinge rapidamente as quinze mil assinaturas, recolhidas no Porto e arredores. Cavaco Silva, numa presidência aberta em Bragança, é inquirido sobre a questão e responde, com um enorme sorriso, que «Portugal é um país unido e essa questão é secundária num momento em que a taxa de desemprego atinge um valor elevado». Luis Filipe Menezes, que está ao seu lado, é também questionado. Gaguejando aflitivamente, diz «o nosso Presidente tem sempre razão!», após o que recebe palmadinhas nas costas de Cavaco Silva. No Contra-Informação, o Primeiro Ministro é cada vez mais retratado a tremer e a gaguejar e a repetir «o Presidente é que manda!».
Em Novembro de 2008, agrava-se a fome nos subúrbios de Lisboa, particularmente na Amadora e em Oeiras. À saída de uma visita ao Colégio Planalto, os jornalistas perguntam ao Presidente o que pensa fazer. Este responde «esses nem sequer são portugueses, não tivessem vindo para cá», o que cai mal em alguns sectores da esquerda, alegadamente mesmo em alguns ministros do PS. Segue-se uma polémica generalizada. Assim, num colóquio organizado pela revista Nova Cidadania, João Carlos Espada explica na sua intervenção que a responsabilidade pela pobreza nos subúrbios de Lisboa cabe à Revolução Francesa e a Jean-Jacques Rousseau, e sustenta, recorrendo a Hume e a Popper, que a SIDA é espalhada pelos intelectuais franceses. Quando uma jornalista presente no auditório se atreve a afirmar que a SIDA está a descer e que é a tuberculose que constitui um problema real de saúde pública, é expulsa da sala por padres e alunos da Católica que berram contra a «opressão do politicamente correcto» e contra o «domínio mediático da esquerda». Noutra das talks (em inglês no original português), que tem por título: «De Robespierre a Woodstock: a culpa da esquerda na destruição da lei e ordem feudal e na propagação da fome, da SIDA e das unhas encravadas», chega-se à conclusão de que a «decadência de Portugal»(!) foi da responsabilidade de Pombal, Alexandre Herculano, Afonso Costa e do MFA. Por seu lado, a revista Atlântico argumenta que só com uma «guerra cultural» contra o «multiculturalismo» e o «politicamente correcto» se resolverão os problemas da fome e da desnutrição, e que apenas a proibição do ensino do francês no ensino público e privado e o desmantelamento do «Estado-previdência» estancarão a epidemia de tuberculose.
(continua)

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