domingo, 9 de novembro de 2014

Revista de blogues (9/11/2014)

  • «(...) Uma diferença importante entre o islão e as outras religiões com mais aderentes é o seu livro sagrado. A Bíblia, os Vedas e os Sutras são compilações de textos muito diversos, de fontes diferentes e que os crentes aceitam como relatos inspirados mas que podem ser interpretados com alguma flexibilidade. Em contraste, o Corão é um texto muito mais uniforme, conciso e coerente e que os muçulmanos assumem como sendo uma recitação da palavra divina. Não tem partes que se possa descartar como alegóricas ou metafóricas nem se dá a grandes interpretações. Por exemplo, 4:89 expõe claramente como se deve lidar com quem abandona a fé: «Anseiam (os hipócritas) que renegueis, como renegaram eles, para que sejais todos iguais. Não tomeis a nenhum deles por confidente, até que tenham migrado pela causa de Deus. Porém, se se rebelarem, capturai-os então, matai-os, onde quer que os acheis, e não tomeis a nenhum deles por confidente nem por socorredor.»(3) No Antigo Testamento também há exemplos deste género, mas enquanto cristãos podem invocar que o Novo Testamento se sobrepõe ao antigo e judeus podem interpretar tais trechos como relatos históricos de práticas que já não se aplicam, para um muçulmano é muito mais difícil descartar as ordens do Corão enquanto mantém a fé neste livro como registo das palavras do seu deus.
  • Esta diferença tem consequências práticas. Não é certamente coincidência que os 23 países que punem explicitamente a apostasia como um crime estejam entre os 49 países de maioria muçulmana. Dos outros países, sejam seculares ou dominados por outras religiões, nenhum considera a apostasia um crime. A razão mais plausível não parece ser económica ou social. Parece ser a de que o islão tem um texto sagrado que é aceite como a palavra directa de Deus onde está explícito que se deve matar quem se rebelar contra esta religião.
  • Outra diferença importante é a vida e o legado do fundador da religião. Jesus pregou, rezou, ensinou e foi crucificado. Buda pregou, jejuou, ensinou e abandonou o seu corpo. Maomé unificou as tribos de Medina e conquistou Meca com um exército que depois enviou para destruir todos os templos das outras religiões na península arábica. Nos hadiths é-lhe atribuída a ordem de que «Quem quer que abandone a sua religião Islâmica, então matai-o»(4). Consumou o seu casamento com Aisha quando esta tinha nove ou dez anos (5). E assim por diante. Um muçulmano não pode descartar estas coisas como um cristão faz com as barbaridades do Antigo Testamento porque trata-se do Profeta, a peça central da sua religião. É tão difícil a um muçulmano condenar inequivocamente estas práticas pela barbaridade que são como seria a um cristão admitir que a história da ressurreição é fictícia. (...)» (Ludwig Krippahl)

1 comentário :

Miguel Madeira disse...

Creio que a polémica entre as várias correntes islâmicas tem a ver com quem (as várias seitas xiitas) ou como (as várias "escolas" sunitas) intrepretar o Corão*, o que parece indicar que também é sujeito a interpretação. E o Corão, pode ser um documento único, mas por outro lado é uma compilação de coisas que o Maomet disse e que só foram reunidas após a sua morte - e como não se lembravam da ordem pelo qual ele as disse, ordenaram pelo tamanho. Atendendo que estamos a falar de um político que disse várias coisas e fez e desfez alianças ao longo da sua vida, creio que há muitas partes do Corão que contradizem outras (penso que sobretudo no estatuto dos "infiêis").

De qualquer forma, não vejo porque não há de se aplicar aos muçulmanos o que é dito dos judeus, que "podem interpretar tais trechos como relatos históricos de práticas que já não se aplicam" (afinal, pela a ideia que tenho da biblia, a lei judaica foi decretada por Moisés que a recebeu de Deus - qual a diferença entre isso e a lei islâmica decretada por Maomet que a recebeu de Deus?).

*em rigor, se calhar é só os hadith que estão sujeitos a interpretação, e não o Corão, mas como a doutrina islâmica é o Corão + os hadith + (para os sunitas) os precedentes estabelecidos pelos primeiros califas, vai dar ao mesmo (ainda mais porque há, creio, montes de supostos hadiths, que uns teólogos aceitam e outros não - não muito diferente das polémicas sobre que livros aceitar na Biblia)