quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Sturm und drang=Trump with a bang

Trump ganhou. Na aritmética do colégio eleitoral, o factor decisivo foi a mudança de Obama para Trump de quatro Estados do Midwest pós-industrial - Pensilvânia, Ohio, Wisconsin, Iowa - (e um quinto alhures, a Florida). Foi aos trabalhadores destes Estados que viram os seus empregos deslocalizados para o estrangeiro que Trump, logo nas primárias, prometera renegociar os tratados de livre comércio «culpados» do desemprego (como Michael Moore notou prescientemente em Julho).


Esperou-se durante toda a campanha que Clintou compensasse as suas perdas nos votos dos «brancos trabalhadores» com os votos das mulheres e dos latinos, eventualmente dos negros. Falhou: Trump teve 29% dos votos dos latinos e 8% dos votos dos negros (respectivamente +8 p.p. e + 7p.p. do que Romney em 2012); entre as mulheres Clinton teve 54% (+1 p.p. do que Obama) mas Trump teve 53% do voto masculino (+5 p.p. do que Romney).

Ideologicamente, o movimento de Trump (tal como o do Brexit), é estridentemente contra as elites «globalistas» e «corruptas». Ser contra a globalização mobiliza aqueles que viram os seus empregos fugir por obsolescência ou deslocalização, e que nada têm a ganhar com os empregos da economia digital, geralmente para jovens qualificados. No entanto, o voto em Trump (e a acreditar nas sondagens) foi mais directamente motivado pela rejeição da imigração (e do terrorismo) do que do comércio livre. E (sinal da descristianização dos EUA) parece mais indiferente do que hostil ao liberalismo social (direitos das mulheres, contracepção, casamentos gaylegalização da marijuana).

A corrupção é o outro grande tema do voto «contra o sistema». E incrivelmente, foi considerada mais corrupta a candidata que apenas usou um servidor de email privado do que o candidato que assumiu em debates ser praticamente um evasor fiscal.

A maldição de Trump será não poder cumprir as expectativas que criou. A maior parte das bojardas que lhe permitiram dominar os noticiários são incumpríveis: construir um muro pago pelo México, prender Clinton, proibir a imigração de muçulmanos. E na realidade, foi um erro tratá-las como promessas, porque eram apenas bandeiras, provocações que anunciam intenções mas não decisões. Mas que os seus apoiantes lhe cobrarão daqui a quatro anos.



Do lado dos democratas, e embora territorialmente a divisão entre o campo e as cidades (ver o mapa acima) seja impressionante, a esperança reside em o eleitorado de Clinton ser mais jovem, mais urbano, mais latino e mais irreligioso, todas categorias demográficas em ascensão. A vitória de Trump pode portanto não se repetir. Mas será mais avisado que da próxima vez o candidato democrata seja alguém que possa corporizar melhor a revolta dos trabalhadores descontentes: alguém mais como Sanders e menos como Clinton.


Nota final: segue-se um ciclo na Europa em que o populismo de direita poderá ter novas vitórias.

4 de Dezembro: repetição da segunda volta da presidencial na Áustria, com vitória possível da extrema direita, e referendo constitucional em Itália.
15 de Março: eleições na Holanda, com o partido de Wilders em primeiro nas sondagens.
23 de Abril: primeira volta da eleição presidencial na França, quase de certeza ganha por Marine Le Pen.

4 comentários :

Jaime Santos disse...

Clinton não conseguiu mobilizar o voto democrata de há quatro anos, porque aparentemente Trump teve mais ou menos a mesma votação que Romney. Mais, e isto já sabíamos desde Agosto, ver https://www.washingtonpost.com/news/wonk/wp/2016/08/12/a-massive-new-study-debunks-a-widespread-theory-for-donald-trumps-success/?wpisrc=nl_most-draw8&wpmm=1, o que foi agora confirmado pela votação, ver ainda https://www.theguardian.com/us-news/2016/nov/09/white-voters-victory-donald-trump-exit-polls, que o voto de Trump não é antes de tudo um voto dos descamisados da globalização (o mesmo se passou com o Brexit, em que uma larga maioria do eleitorado conservador votou pela saída da UE). E aqui Clinton falhou, como diz, em captar os votos das minorias que votaram em Obama em 2012. Concordo que Clinton, como parte do sistema supostamente denunciado por Trump, foi a pior candidata possível para este momento anti-sistema (como assinalou Thomas Frank ontem no Guardian), mas além disso o seu discurso resumiu-se praticamente a ser o da candidata anti-(candidato anti-sistema). A campanha foi, como julgo que o Ricardo bem notou, pós-política, ou seja, Trump levou o discurso para onde bem queria (o da 'crooked Hillary'). Tivesse Clinton desmontado as propostas irrealistas de Trump e contraposto o seu programa económico coerente e talvez o resultado tivesse sido distinto. Se se quer esmagar a serpente, vai ser preciso denunciar a absoluta falta de detalhe e de realismo no seu programa político e sobretudo apresentar uma alternativa dentro de sistema que induza a esperança nas pessoas, não basta agitar com um espantalho ao estilo do 'Project Fear' de Cameron. Alguém dizia ontem na SIC Notícias que, infelizmente, o próprio sistema tenta esmagar essas alternativas (como a nossa 'Geringonça') que na realidade o poderiam salvar (como bem notou a Mariana Mortágua). A esse respeito eu diria ainda, para acrescentar à discussão tida anteriormente, que não é a crítica do sistema que por si só carateriza o discurso populista, Sanders tinha um programa económico detalhado, por exemplo, e sim o carácter nebuloso das propostas dos populistas (muitos à Esquerda, infelizmente)...

Ricardo Alves disse...

Concordo. Propostas como a de construir um muro e fazer o México pagá-lo nem sequer são sérias. Isso deveria ter sido desmontado perguntando como se faria o México pagar, por exemplo. Ou bastava lembrar, calmamente, que verificar a religião das pessoas é inconstitucional. Mas reagiu-se à histeria com histeria.

Jaime Santos disse...

Claro que não, e dada até a extensão da fronteira com o México, a construção de um muro é um pesadelo logístico. Mais, pretende Trump cobrar um 'tributo imperial' ou declarar guerra ao México e ressuscitar o Alamo? Para quem tem um discurso isolacionista, isto não faz nenhum sentido, a não ser que Trump queira ressuscitar um Monroeismo aplicado exclusivamente ao continente americano. E não deixa de ser caricato que no seu discurso da 'Nova Fronteira', Kennedy tenha lançado as bases do programa Apollo, enquanto o pato-bravo Trump quer limitar-se a construir um muro na velha fronteira... Quanto à Europa, o discurso de 'escândalo moral' relativamente à Extrema-Direita há muito que deixou de funcionar e o que precisamos é de políticos capazes de desmontar ponto-por-ponto o discurso de uma Marine Le Pen, por exemplo. Mas capazes de o fazer com paixão, porque a política é algo de visceral e é preciso responder ao fogo com fogo...

Ricardo Alves disse...

Ora bem. Não serve de nada responder a bojardas que só servem para dominar os noticiários com arrancar de cabelos e histeria - isso só reforça os populistas. Tem é que se manter a calma e desmontar tudo ponto por ponto.