sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Os robots vão roubar o meu emprego... ou talvez não

A Forbes tinha ontem uma notícia onde era dito que 93% dos investidores questionados na Web Summit achava que a inteligência artificial iria destruir milhões de empregos e que os governos não estavam preparados. Percebe-se a ideia; se o número de automóveis autónomos explodir, os taxistas e os camionistas do mundo ficarão para todo o sempre sem emprego, por exemplo.

O problema desta notícia é que ela já tem mais de dois séculos. As primeiras revoltas contra as máquinas que iam atirar milhões para o desemprego aconteceram no fim do século XVIII, no início da Revolução Industrial, com o início do movimento Luddite. Leu bem, no século XVIII as máquinas já iam causar um enorme e permanente aumento do desemprego... só que isso nunca se materializou. Pelo menos hoje, 11 de Novembro de 2016, não se observam esses efeitos nocivos das primeiras tecelagens mecânicas.
A chegada da máquina a vapor terá causado os mesmos receios que as tecelagens. A revolução agrícola, idem. A segunda revolução industrial, idem. A chegada dos computadores há 3 décadas, idem. 
Há um nome até para este raciocínio, a Luddite Fallacy.

Antes de dizer "mas desta vez é que é", pense bem no que se teria dito nos anos 80 ao saber que toda a contabilidade de todas as empresas, todo o tratamento de dados do estado central (impostos, segurança social, etc.), seria feito em segundos por software. Ou que a grande maioria dos processos industriais seriam automatizados e controlados por software. Que os projectos de arquitectura e engenharia passariam a ser desenhados rapidamente, por software? Os dados da OCDE desde 1960 até hoje mostram até que a taxa de participação no mercado de trabalho tem subido tanto na OCDE (preto), como na UE (vermelho).

Ironicamente a notícia acaba com a frase "Web Summit also reports that 89% of the investors predicted that Hilary Clinton was going to win the U.S. national election". Pois.

12 comentários :

Jaime Santos disse...

Bom, eu acho delicioso esse apontamento final, mas, já agora, gostava de chamar a atenção que a produtividade tem vindo a estagnar e que mesmo as novas tecnologias nos anos 80 não provocaram mais do que um aumento breve no crescimento dessa produtividade e só nos EUA. Não se conhecem bem as causas de tal tendência. Havia um artigo muito interessante há uns dois anos no Le Monde sobre isso, mas só estava disponível para leitores com assinatura (eu li em papel). De qualquer maneira, o insuspeito Krugman também falou disso mais recentemente: http://www.nytimes.com/2016/01/31/books/review/the-powers-that-were.html?_r=2. E chamo ainda a atenção que os luditas eram artesãos altamente especializados que perderam mesmo os empregos. As revoluções tecnológicas normalmente criam mais empregos do que os que destroem, mas não criam necessariamente melhores empregos e tipicamente não criam empregos para aqueles que os perderam...

Luís Lavoura disse...

Pois, mas os raciocínios por indução não constituem deduções rigorosas. O facto de as primeira, segunda e terceira revoluções tecnológicas não terem destruído empregos não implica que a quarta revolução tecnológica não o venha a fazer.

João Vasco disse...

Miguel,

Geralmente concordo bastante contigo, mas neste caso não podia discordar mais.

Em primeiro lugar as primeiras revoluções industriais causaram efectivamente um desemprego imenso. Este desemprego (e descida de salários, etc...) foi tão violento que resultou numa acentuada diminuição da altura dos ingleses, para já não falar na diminuição da esperança media de vida, e uma série de outros episódios escabrosos. Se procurares saber mais sobre as enormíssimas vagas de desemprego que a industrialização causou, verificarás que uma sociedade moderna não aguentaria tanta miséria sem que existissem transformações sociais muito sérias e não necessariamente agradáveis...

Mas hoje até se sabe porquê: existe rigidez nominal nos produtos e salários e portanto um aumento rápido da produtividade total dos factores (A) resulta num aumento do desemprego que só desvanece no longo prazo. Até esse momento chegar (o Capital demora a acumular até que isso aconteça) qualquer tipo de coesão social está em causa.

E isto tudo é partindo do princípio que essa revolução industrial é como as anteriores. Se estivermos a falar de robotização, condução automática, etc.. deve ser.
Mas se estivermos a falar numa AI que supere a nossa inteligência o caso muda de figura.

E muda porque nas revoluções industriais anteriores continuava a haver algo que os humanos faziam melhor que as máquinas. Se deixar de existir isso em comum, o desfecho pode ser radicalmente diferente.

E por fim:
"Web Summit also reports that 89% of the investors predicted that Hilary Clinton was going to win the U.S. national election"
Por muito que os "investidores" possam não ser os previsores económicos mais argutos, essa frase não te devia descansar nada. Mesmo em retrospectiva deve ser evidente que essa previsão era muito razoável e adequada face aos dados a que tínhamos acesso. Pouco razoável foi a excessiva confiança de muita gente em que outro cenário era impossível, já que de acordo com os dados Trump disponíveis antes das eleições tinha 1/3 de probabilidade de ganhar. Aqueles que "sabiam" que Trump ia ganhar é que estavam completamente enganados, já que o resultado foi tão próximo que Clinton até ganhou o voto popular. Afirmar que Clinton era a "favorita" é, mesmo em retrospectiva, uma afirmação certeira.

Jaime Santos disse...

João Vasco, uma AI que superasse a nossa inteligência colocaria problemas bem mais graves que o aumento do desemprego. Mas não é isso que presentemente se discute, e sim AIs especializadas, por exemplo 'expert systems'. Claro que poderão tirar o emprego a muitos white-collar workers, mas não me parece que estejamos sequer perto de sistemas capazes de passar o teste de Turing. Mas, de resto, tendo a concordar consigo...

João Vasco disse...

Então concordamos mesmo em tudo (inclusivamente que tal a AI pode apresentar problemas bem mais ameaçadores que esse). Também interpretei o texto do Miguel como referindo-se a AIs versáteis o suficiente para facilitar muitíssimo a automação. Mas mesmo aí, a ideia de que elas não provocariam desemprego só é verdade no longo prazo (pelas razões que expliquei) e até esse longo prazo corremos o risco de repetir as vagas de desemprego gravíssimas que ocorreram no passado, e destruir completamente o tecido social se não anteciparmos esse problema.
O Miguel esqueceu-se dos problemas de "rigidez nominal" em primeiro, e também não teve em conta a dimensão do choque de que estamos a falar (em macroeconomia os efeitos choques duram entre 1 a 5 anos até atingir o equilíbrio, mas uma revolução industrial é um choque completamente fora dessa categoria, podendo demorar gerações até um equilíbrio estável).

Jaime Santos disse...

Sim, uma AI que nos ultrapasse mesmo que pouco em inteligência poderia rapidamente produzir versões mais sofisticadas dela própria, que tarde ou cedo concluiriam que se os seres humanos podem produzir líderes como Trump na presente era tecnológica, então são mesmo uma ameaça ao eco-sistema terrestre e logo devem ser seletivamente eliminados (faz-me lembrar um dos contos das 'Visões de Robot' do Asimov)...

João Vasco disse...

A esse respeito:

https://youtu.be/tcdVC4e6EV4
https://youtu.be/5qfIgCiYlfY
https://youtu.be/tlS5Y2vm02c
https://www.youtube.com/watch?v=7PKx3kS7f4A

(O último é debruça-se sobre as três leis do Asimov.)

Miguel Madeira disse...

Eu sou capaz de escrever alguma coisa no meu blogue sobre isso, mas para já um apontamento: não estou a ver muito bem o que é que o problema da rigidez nominal, referido pelo João Vasco, interessa para esta questão; esse será um problema relevante para os casos de desemprego motivado por pouca procura total (em que a combinação de rigidez nominal e baixa procura nominal não permite que uma baixa dos preços e salários faça aumentar a procura real) e facilmente solucionável (basta fazer alguma política para aumentar a procura nominal, como maiores deficits orçamentais, ou simplesmente imprimir dinheiro e distribuí-lo). Não me parece que seja muito relevante para o problema do eventual desemprego tecnológico.

João Vasco disse...

Miguel Madeira,

O problema da rigidez nominal importa bastante, pelo menos num enquadramento teórico bastante "tradicional".
Sem rigidez nominal dos salários e produtos nem sequer se pode propriamente falar em desemprego involuntário: os modelos assumem que o agente decide quantas horas trabalha face ao salário que existe. Mas quando entras com esta rigidez o caso muda de figura: o agente podia preferir trabalhar por aquele salário, mas não tens o clear dos mercados e existe excesso de oferta de trabalho até o salário ajustar.

Neste tipo de modelos macroeconómicos (bastante ortodoxos e usuais), a "impulse responde" (resposta de impulso) de um choque no A é um aumento de desemprego que só desaparece no longo prazo. Porque a procura não aumenta imediatamente em resposta ao aumento de produtividade, e numa fase inicial as empresas podem produzir o mesmo com menos horas. Isto não é o meu bitaite, é um resultado bastante convencional.

Miguel Madeira disse...

Não haverá aí uma confusão entre desemprego "natural" [no sentido de desemprego correspondente ao produto potencial] e desemprego cíclico [o desemprego resultante da economia estar abaixo do produto potencial]? A mim parece-me que é o segundo que é afetado pela rigidez nominal, mas é o primeiro que me parece ser o que se está a falar na questão da robotização. Até porque se fosse o segundo, nem haveria nenhum problema aqui - bastaria uma simples política keynesiana de estimular a procura, ou talvez mesmo uma politica miltonfriedmaniana de aumentar o dinheiro em circulação para resolver o problema.

Já agora, nem estou certo que essa diferença entre desemprego voluntário e involuntário seja tão relevante assim; imaginemos um trabalhador a ganhar 600 euros por mês - agora comparemos duas situações: numa o patrão chama-o ao gabinete e diz "infelizmente, não te podemos continuar a manter aqui; mas olha, vou-te fazer uma carta de recomendação"; na outra o patrão diz-lhe "infelizmente, só te poderemos manter aqui se aceitares uma redução salarial para 100 euros por mês", ao que o trabalhador responde que por esse ordenado não vale a pena e pede a demissão. Haverá uma diferença tão grande como tudo isso entre essas duas situações?

Ou dito por outras palavras - um "choque" que origine aumento do desemprego ou um "choque" que origine uma diminuição do nível salarial que equilibra a oferta e a procura no mercado de trabalho serão assim tão diferentes?

João Vasco disse...

Miguel Madeira,

Sobre a diferença entre desemprego voluntário e involuntário, a mim parece-me relevante na medida em que quando vês três pessoas diferentes (e, suponhamos, igualmente produtivas) e uma delas está no desemprego enquanto as outras duas não estão, geralmente não é porque esta seja mais exigente que as outras em relação a quanto quer receber, mas sim porque o mercado não se ajustou devidamente. Enquanto que uma das presunções diria: o mercado funciona bem, esta pessoa exige para trabalhar mais do que produz, portanto a solução óptima é estar desempregada; a outra das explicações diz que o mercado de trabalho tem imperfeições, e isto parece-me que geralmente explica o desemprego bem melhor.
Claro que existem também outras explicações válidas (efficiency wages, etc.), mas esta explicação para o desemprego involuntário (rigidez no mercado dos produtos e dos salários) não deixa de ser importante.

«Não haverá aí uma confusão entre desemprego "natural" [no sentido de desemprego correspondente ao produto potencial] e desemprego cíclico [o desemprego resultante da economia estar abaixo do produto potencial]?»
Não há confusão. O meu ponto é que o desemprego cícliclo é importante se o "ciclo" tiver uma duração muito superior aos ciclos "normais". E se um "choque" tiver uma dimensão muito significativa (de tal forma que já nem sequer podemos "linearizar" em torno do equilíbrio) estes fenómenos tornam-se absolutamente centrais.
Posto isto é verdade que o tipo de problema a que me refiro, criado por rigidez nominal, acaba por desaparecer com o tempo. O único problema é que o tempo pode não ser assim tão curto.

«Até porque se fosse o segundo, nem haveria nenhum problema aqui - bastaria uma simples política keynesiana de estimular a procura»
Eu não nego que não possam existir soluções. Umas melhores que outras. Mas o primeiro passo é reconhecer o problema, em vez nos rirmos de quem se preocupa com ele, que é o que este post faz.


«Ou dito por outras palavras - um "choque" que origine aumento do desemprego ou um "choque" que origine uma diminuição do nível salarial que equilibra a oferta e a procura no mercado de trabalho serão assim tão diferentes?»
A questão aqui é que tens ambos, um criado por cada tipo de rigidez.
Vejamos, assumamos (e aceito a assumpção) que o aumento de A aumenta a produtividade, a qual leva a um aumento de longo prazo no salário. Mas a rigidez no mercado dos produtos faz com que o resultado desse aumento de A seja uma imediata diminuição de salários e de horas transaccionadas (o tal "desemprego voluntário").
Mas além disso, como existe rigidez no mercado dos salário. E isto cria um desemprego adicional diferente (o tal "desemprego involuntário") ou seja pessoas que gostariam de transaccionar mais horas ao salário de mercado, mas como não existe "market clearing" (qual é a tradução disto?) não conseguem fazê-lo.
E existe uma questão adicional: até aqui estamos a assumir que o modelo do "agente representativo" é adequado, e que este quer trabalhar tantas mais horas quanto maior o salário. Mas para um indivíduo em particular a curva de oferta de mão de obra é diferente quando os salários descem bastante (como desceriam se o choque no A fosse muito elevado) e se aproximam do necessário para sobreviver: aí menores salários por hora fazem as pessoas querer trabalhar mais horas (precisam de sobreviver) e isso para o mesmo nível de horas transaccionadas corresponde a mais desemprego (existem os limites inscritos na lei quanto ao número máximo de horas semanais, MAS em muitos empregos isso importa pouco porque os trabalhos são por objectivos e as pessoas acabam por "circular" esses limites).

João Vasco disse...

Miguel Atanásio e outros:

O Pedro Romano escreveu sobre o mesmo assunto. Se vos interessa dar uma espreitadela, está aqui o link: https://desviocolossal.wordpress.com/2016/11/16/robos-a-roubar-empregos/