A extrema direita e muita direita tentam promover o «25 de Novembro» de 1975 como o verdadeiro início da democracia. No outro extremo do espectro político, Raquel Varela parece, estranhamente, concordar. Eu não.
A transição para uma democracia constitucional estava garantida em 25 de Novembro de 1975. Devido a dois factores principais: o resultado das eleições de 25 de Abril de 1975 e a independência das colónias. As eleições, com a sua participação massiva e a vitória do PS com um resultado fraco do sector à sua esquerda (até inferior a votações que teria posteriormente), garantiu uma Constituição democrática (embora avançada em direitos sociais) que cortava as veleidades de «poder popular». A independência das colónias (a de Angola, duas semanas antes, a de Moçambique já fora em Junho) impedia que a extrema direita reconstituísse o poder na forma em que o tivera até 25 de Abril de 1974. Era apenas uma questão de tempo até que o poder fosse transmitido aos civis, com 25 de Novembro ou sem ele.
O argumento de Raquel Varela é que existia uma situação de «duplo poder» em Portugal antes do 25 de Novembro: «nos lugares de trabalho (comissões de trabalhadores), no espaço de moradia, na administração local e reprodução da força de trabalho (comissões de moradores) e finalmente, a partir de 1975, (...) nas Forças Armadas». Há um grande exagero. O que existia era um enorme e bem organizado poder reivindicativo em muitos sectores sociais (embora regionalmente circunscrito), mas que em todos os casos dirigia as suas reivindicações para o Estado. Mais: em Novembro de 1975, a agitação social que Raquel Varela designa por «duplo poder» persistia na Grande Lisboa e no Alentejo. No resto do país, fora derrotada e já não saía à rua (nomeadamente, no Norte e nas ilhas). Não havia «duplo poder» exercível, a não ser talvez nas Forças Armadas (e muito circunscrito a algumas unidades). E é esse o resultado principal e imediato do 25 de Novembro: terminar com a insubordinação do Copcon. Outro, mais secundário, é provar à esquerda mais radical que podia ter a rua mas que não entraria nos gabinetes do poder real. Outro ainda (o pior de todos, e que dura até hoje) é ter «guetizado» o sector político à esquerda do PS, criando o pretexto ideal (o pseudo «golpe de Estado») para este não poder exercer o poder nacional nem sequer no quadro constitucional e democrático.