terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A morte do vegetarianismo?

A carne artificial vai chegar em 2014. Contorna a maior parte das objecções éticas geralmente levantadas ao consumo de carne: não exige que se mate um animal para comer a sua carne; reduz as emissões de metano devidas à criação de gado. Será que o vegetarianismo se vai transmutar em artificialismo? Ou vai desaparecer enquanto filosofia de vida?

20 comentários :

carla disse...

Conheço 2 tipos de vegetarianos:os que não comem carne porque não querem sacrificar animais.E os que não comem carne porque acham que a carne é prejudicial para a saúde.
Este 2ºgrupo não vai embarcar na carne artificial, vão continuar a ser vegetarianos.

Pessoalmente duvido que esta carne artificial seja a solução milagrosa que apregoam. Parece-me que isto é apenas mais uma possível aplicação industrial de alguns resultados da investigação com células mãe: no fundo estariamos todos a comer carne clonada a partir de meia dúzia de células forçadas a dividirem-se à pressa.

E quando comemos carne, não comemos apenas células musculares que estiveram isoladas do organismo.

E depois o substracto para estes cultivos celulares, continuariam a ser produtos de origem animal, pelo que entendi.

João Vasco disse...

Pelo menos são boas notícias para mim, que para dizer a verdade tenho algum (muito pequeno) sentimento de culpa quando como carne.

Entendo que abster-se de a comer para evitar sofrimento aos animais é uma atitude eticamente mais louvável que a minha, que considero o meu prazer mais importante. Não é algo que me tire o sono, mas um projecto que vou adiando ("um dia, deixo de comer mamíferos") para quando tiver mais força.

Por isso, não pude deixar de sorrir com a notícia. Só espero que saiba mesmo tão bem.

João Vasco disse...

Além, claro está, das vantagens para o combate ao aquecimento global

;)

Anónimo disse...

Uma alternativa bastante curiosa...

Concordo com a carla em relação à manutenção de hábitos de uma parte dos vegetarianos. Penso também que há pessoas que têm uma posição um pouco puritana em relação à comida (quer vegetariana quer não) que também se vai recusar a comer carne artificial.

Quanto à preocupação com os animais, penso que a morte directa de animais é menos grave do que a criação intensiva de gado. Os modelos actuais é insustentável e a manterem-se creio que levarão a uma degradação do ambiente bastante devastadora. E o aquecimento global é só parte do problema. A poluição da água, a devastação de florestas tropicais e a perda de biodiversidade são consequências que não precisam do aquecimento global para acontecer.

E será que a produção de carne artifical é sustentável a grande escala? Às tantas mais vale comer logo o substrato de origem vegetal...

dorean paxorales disse...

alguém já disse e é verdade: não há cultura de tecidos in vitro sem a adição de nutrientes de origem animal.
eis um dos mais comuns:
http://en.wikipedia.org/wiki/Fetal_bovine_serum

não sou vegetariano (!) mas também não sou fanático e não entendo a necessidade de se comer carne a todas as refeições.

romisin disse...

A ciência e o compromisso como panaceia para os problemas humanos e ambientais. É querer resolver esses problemas com o mesmo procedimento que os cria. Mais da mesma receita.

Ricardo Alves disse...

«romisin»,
a sua proposta é qual? Deixar de confiar na ciência? Ou deixar de fazer compromissos?

carla disse...

Concordo com romisin.

Um grau moderado de desconfiança pode ser positivo, na minha opinião. Nestas coisas, lamento Ricardo,mas sou a céptica de serviço... ;)

Repara numa das asneiras recentes da ciência e nas suas consequências: a doença das vacas loucas. Apareceu porque se introduziu na alimentação de herbivoros rações derivadas de restos de outros animais. À partida parecia uma solução excelente, porque se aproveitavam restos de ossos e outras partes não comestiveis para alimentar estes herbivoros: ao ser uma proteina de origem animal identica, dava um alto rendimento no crescimento.Até que apareceu o prião, e foi o que se viu.

No caso desta carne artificial, resta ver como garantem a segurança da mesma.

Quanto à solução, creio que não será esta... concordo com quem disse que não é necessário comer carne todos os dias.
E também com quem disse que pior que a morte dos animais, é a cría intensiva.
Pior que a forma como morrem os animais, é a forma como vivem: em espaço reduzido, sem se reproduzirem naturalmente, a forma como são transportados.

Muito caminho a percorrer, mas vamos rumo aos bio-reactores industriais...

Anónimo disse...

Cara carla,

Quando falei na criação intensiva não me estava a referir tanto ao mau trato de animais, mas da devastação ambiental a que leva: destruição de florestas para criar pasto, poluição da água, produção de CH4 e CO2, ineficiência nutricional. Veja-se o caso das criações de porcos e vacas. Insistir neste paradigma de agricultura será ruinoso e muitas espécies sofrerão. Do ponto de vista ético, esta devastação a longo prazo pode revelar-se mais grave do que os maus tratos e morte de animais.

Quanto ao romisin, tanto quanto deu a entender, fez um comentário bastante obscurantista... No fundo o que ele disse foi que não vale a pena confiar na Ciência para resolver os problemas que nós criámos. Mesmo que a má prática industrial fosse culpa da Ciência, o que é que isso impede de combater o fogo com o fogo?

E já agora, a doença das vacas loucas é tanto culpa da Ciência como o mau uso de antibióticos é culpa da Medicina.

Finalmente, eu reservaria algum cepticismo quanto aos bioreactores de escala industrial.

carla disse...

Francisco,

Concordo contigo quanto á insustentabilidade da exploração pecuária intensiva.

Não considero o comentário do romisin obscurantista. Parece-me dotado de bom senso, que aprecio bastante.

A doença das vacas loucas é culpa da ciência e da ganância, e de se trocarem regras da natureza tão elementares como "um herbivoro come erva". Quanto ao mau uso dos antibióticos, não acho que seja por culpa da medicina.

Acho que é culpa da exploração pecuária intensiva que usa antibióticos para promover crescimento dos animais (chegando assim pequenas qauntidades de antibiótico ao nosso prato sem que o saibamos)e também da facilidade com que se compram antibióticos nas farmácias ou lojas para animais sem receita.
Muita gente toma antibiótico como quem toma paracetamol, por tudo e por nada, e sem terminar o tratamento. Mas este é outro assunto...

Quando falei de bio-reactores, foi mais como desabafo. São já muito utilizados,e há muito tempo, tudo o que fermenta esteve num bio-reactor: cerveja, iogurtes, etc.

Mas pensar em criar carne num bio-reactor... imagino um conjunto de células a crescer sob estresse, uma massa amorfa a crescer desorganizadamente, muitas mutações, ... não sei.

Uma coisa bem diferente é pensar em culturas celulares para aplicação em medicina, em que existe um cuidado com quase cada célula. Nisto acredito.

Só espero que se vierem a lançar este producto ( carne artificial)para o mercado, venha bem etiquetado, e não façam o mesmo que com os cereais transgénicos, que acabamos por consumir sem saber.

romisin disse...

Acho que o que disse é auto-explicativo e está longe de ser obscurantista, a menos que se ache que chegamos a um ponto em que nos rendemos ao facto da ciência ser isto e não poder ser outra coisa. Não se trata de não confiar na ciência mas de perceber ao serviço de quem ela está. E deixar de fazer compromissos dentro dessa contingência. No caso focado no post, a ciência oferece uma não-solução para o problema, enquanto que o vegetarianismo, pelo menos na sua versão coerente e consequente, sim.

Esta panaceia da carne artificial faz lembrar as soluções milagrosas da ciência para o aumento da produção agrícola de que os OGMs são apenas a sua faceta actualizada. Os seus adeptos, mesmo nas versões não poluentes, são parte do problema e não da solução.

Balizam-se os problemas para satisfazer os requisitos políticos e económicos, que geralmente não passam pela solução mais racional e mais favorável aos seres humanos no seu conjunto e ao meio ambiente.

Já agora. Os activistas vegetarianos não querem apenas não consumir carne, querem que os outros também a deixem de consumir. Os que agora comem carne não verão utilidade na carne artificial a menos que lhes traga outros benefícios, como uma diminuição de preço por exemplo, e desde que não traga outras contrariedades. E mesmo assim haverá sempre razões para comer carne (produção própria, fruto da caça, saudosismo, naturalismo, o que até é irónico, espírito de contradição, e outras que a mente humana é pródiga em criar).

Anónimo disse...

Cara carla,

A doença das vacas loucas surgiu pela necessidade de alimentar animais a grande escala quando não havia ração de origem vegetal em quantidade suficiente a um preço acessível. Talvez a ganância se tenha encarregue do resto. Mas nada disto tem a ver com Ciência. Aliás, se não fosse a Ciência, não saberíamos a causa da doença das vacas loucas e muito mais pessoas teriam morrido.

Anónimo disse...

Caro romisin,

O problema das soluções milagrosas da Ciência está em quem acha que elas são milagrosas.

As escolhas dos consumidores e as decisões políticas não cabem à Ciência. À Ciência cabe responder a perguntas.

Será que é possível criar carne artificial em laboratório? É. É comestível? Talvez...

Mas a decisão de a pôr nos nossos pratos é nossa, nada tem a ver com Ciência.

O mesmo se aplica aos OGM, que são uma solução só se as pessoas quiserem.

Um exemplo mais prático: Não foi a Ciência que nos deu a termodinâmica do motor de combustão interna? As técnicas de extracção de petróleo e de queima de combustíveis para produzir energia?

Pois bem. Pela linha de pensamento do rosimin, não devíamos então confiar na Ciência para nos dar energias alternativas, materiais biodegradáveis, maior eficiência energética...

Não esquecer que a Ecologia é um ramo da Ciência. É justamente a Ciência que nos alerta para o problema do aquecimento global.

romisin disse...

Francisco Burnay,

A decisão não é apenas nossa, é também de quem escolhe no que os cientistas vão trabalhar, e dos próprios cientistas por aceitarem participar nesses projectos. Gasta-se muito dinheiro a produzir medicamentos para as doenças do primeiro mundo e muito pouco para as doenças do terceiro mundo.

Além disso, as nossas escolhas estão à mercê de um sem número de mecanismos extremamente eficazes de persuasão como a publicidade ou os diversos canais de informação. Isto está longe de ser negligenciável, é um factor de primeira ordem.

Não estou a criticar a ciência enquanto método, mas o resultado que a sua influência tem no planeta. Por isso concordo que "O problema das soluções milagrosas da Ciência está em quem acha que elas são milagrosas." Foi isso que disse inicialmente. Que é uma panaceia em que não devemos confiar.

De resto, vejo o mesmo processo de comprometimento com o inaceitável em diversas áreas do pensamento. Dizer que a Ecologia também é um ramo da ciência e que ela nos deu a termodinâmica do motor e por aí adiante é a mesma relativização que fazem os estalinistas com os sucessos do socialismo real e a igreja com a sua acção social.

Anónimo disse...

Caro romisin,

«Dizer que a Ecologia também é um ramo da ciência e que ela nos deu a termodinâmica do motor e por aí adiante é a mesma relativização que fazem os estalinistas com os sucessos do socialismo real e a igreja com a sua acção social.»

Relativização? Não é relativização nenhuma. É a simples constatação de que a Ciência é amoral e não normativa. Essa comparação é completamente desajustada porque a Ciência não é uma forma de política social ou económica e muito menos uma religião.

O que o rosimin está a fazer é, como costumo dizer, a culpar os ferreiros pelas Cruzadas. Dizer que os ferreiros não foram os culpados pelas Cruzadas mas sim os líderes da época não é relativizar as Cruzadas.

carla disse...

Francisco,

Nao percebo porque dizes que a BSE nao tem a ver com ciência. Cientistas ( bioquimicos, microbiologos, veterinarios,economistas, etc) dedicados ao ramo da nutricao animal, que é uma área cientifica, descubriram que a utilizaçao de proteina de origem animal na alimentaçao de ruminantes era fisiologicamente possivel e economicamente rentavel.

É certo que também foi a ciência que descobriu o priao como causa da BSE e a relaçao com a encefalopatia humana.

Repara que ciência criou este problema rapidamente, mas ainda nao o conseguiu resolver: várias pessoas morreram, e nenhum de nós pode afirmar categoricamente que nao ingeriu carne infectada. O problema nao acabou com a eliminaçao desta pratica, ainda existe a probabilidade de existirem pessoas a "encubar" a doença.

Portanto nao considero que a ciencia tenha conseguido resolver este problema.

Na verdade ainda se sabe tao pouco sobre este tema que um dos investigadores que trabalhava na linha da BSE morreu com a variante humana desta doença: qual a fonte de infecçao? A que se conhece, por ingestao de material infectado? Ou uma nova via, aerea, ocular, transcutanea, etc?

Falei disto apenas como um exemplo de como as coisas se podem descontrolar e de como uma aparente boa soluçao pode ser um desastre.

Pode... ou nao. Espero estar enganada.

Anónimo disse...

Cara carla,

Também foram cientistas (químicos, físicos, geólogos) que descobriram como tratar e usar o petróleo para produzir energia e plásticos. Mas não é por isso que dizemos que a culpa da poluição e do aquecimento global é da Ciência.

Ricardo Alves disse...

«Os activistas vegetarianos não querem apenas não consumir carne, querem que os outros também a deixem de consumir»

Só por cima do meu (não comestível) cadáver.

Ricardo Alves disse...

Concordo com o Francisco Burnay.

carla disse...

Francisco,

"...Mas não é por isso que dizemos que a culpa da poluição e do aquecimento global é da Ciência."

Sim,dou-te razão. É um bom exemplo.

"O problema das soluções milagrosas da Ciência está em quem acha que elas são milagrosas."

Mais uma vez, concordo em absoluto contigo.

"As escolhas dos consumidores e as decisões políticas não cabem à Ciência. À Ciência cabe responder a perguntas."

Não me parce que seja tão linear: repara, as escolhas politicas e dos consumidores são baseadas no grau de confiança que a ciência garante para um determinado tratamento, novo alimento, novo material, etc. A ciência assessora as decisões.
Um exemplo: Como consumidores, decidimos tomar um novo farmaco baseados num grau de certeza garantida por ensaios pré-clinicos, clinicos, etc. Ensaios estes realizados seguindo o método cientifico.

Repara,o pior é que muitas vezes estas certezas ainda estão a ser questionadas e, como consumidores, já estamos a consumir esses produtos sem que o saibamos. Caso dos transgénicos, que nos chegam ao prato sem que o saibamos: não vêm devidamente rotulados.
Consigo ver algo idêntico a acontecer com essa carne artificial:chegar-nos ao prato na forma de fiambres, hamburguers, etc, sem estar devidamente rotulada, e que a consumamos sem que o saibamos.

Da mesma forma que muita gente consumiu carne e leite de vaca alimentadas com rações derivadas de carnes de outras vacas, sem o saber. Se calhar, se o consumidor soubesse que esses animais (que toda a gente pensa que só come erva) na verdade tinham sido alimentados de outra forma (com carne de animais da mesma especie,uma forma de canibalismo), não consumiria esses produtos. Por mero senso comum. Que teria salvo umas quantas vidas.

Acho que nós, como consumidores, não estamos bem informados sobre muitos aspectos. A escolha não é verdadeiramente nossa, tal como as coisas estão montadas.
Mas tens razão, a culpa não é da ciência, é de interesses económicos que ultrapassam medidas cautelosas.

Quando dizes que a Ciência é amoral, concordo e discordo. A Ciência em si é amoral, sim. Mas quanto à aplicação da ciência na nossas vidas, existe uma ética que procura regular e estabelecer normas e limites.

Já que estamos a falar de carne e de vacas, dou-te mais um exemplo de vacas: também descobriram que as poderiam alimentar com penas de aves e com dejectos de explorações agricolas. Mas não levaram a coisa mais além, com respeito aos excrementos, por questões éticas.
A ciência é financiada, e se não existe uma possível aplicação comercial não tem tanto interesse.A ética aqui limitou a progressão desta linha de investigação e a sua aplicação.

"...a Ciência não é uma forma de política social ou económica e muito menos uma religião."

Pois não. Mas, quanto a mim, a linha de separação é tenue.