quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Saramago sobre a implantação da República

  • «Vai para cem anos, em 5 de Outubro de 1910, uma revolução em Portugal derrubou a velha e caduca monarquia para proclamar uma república que, entre acertos e erros, entre promessas e malogros, passando pelos sofrimentos e humilhações de quase cinquenta anos de ditadura fascista, sobreviveu até aos nossos dias. Durante os enfrentamentos, os mortos, militares e civis, foram 76, e os feridos 364. Nessa revolução de um pequeno país situado no extremo ocidental da Europa, sobre a qual já a poeira de um século assentou, sucedeu algo que a minha memória, memória de leituras antigas, guardou e que não resisto a evocar. Ferido de morte, um revolucionário civil agonizava na rua, junto a um prédio do Rossio, a praça principal de Lisboa. Estava só, sabia que não tinha qualquer possibilidade de salvação, nenhuma ambulância se atreveria a ir recolhê-lo, pois o tiroteio cruzado impedia a chegada de socorros. Então esse homem humilde, cujo nome, que eu saiba, a história não registou, com uns dedos que tremiam, quase desfalecido, traçou na parede, conforme pôde, com o seu próprio sangue, com o sangue que lhe corria dos ferimentos, estas palavras: “Viva a república”. Escreveu república e morreu, e foi o mesmo que tivesse escrito: esperança, futuro, paz. Não tinha outro testamento, não deixava riquezas no mundo, apenas uma palavra que para ele, naquele momento, significaria talvez dignidade, isso que não se vende nem se deixa comprar, e que é no ser humano o grau supremo.» (Caderno de José Saramago)

7 comentários :

dorean paxorales disse...

How naff can one be?

dorean paxorales disse...

Refiro-me ao Saramago, obviamente...

Anónimo disse...

"proclamar uma república que, entre acertos e erros, entre promessas e malogros, passando pelos sofrimentos e humilhações de quase cinquenta anos de ditadura fascista, sobreviveu até aos nossos dias"

Sobreviveu até aos nossos dias? Não me parece que a coisa seja a mesma...

Ricardo Alves disse...

«Não me parece que a coisa seja a mesma»

Antes fosse...

Anónimo disse...

Já me tinham dito mas nem acreditei que o Saramago era um analfabeto.
Mas agora tenho aqui a prova.
Morreram 76 pessoas!... Porra!

Ricardo Alves disse...

Anónimo,
tem uma estimativa diferente quanto às vítimas?

Anónimo disse...

Sim, tenho.

Entre Outubro de 1910 e Dezembro de 1914, oa República fez mais de 1800 mortos, cerca de 6000 desalojados (incluindo jesuitas) e um cerca de 200o pressos sem culpa formada.