quarta-feira, 31 de maio de 2006

Governo trava privatização selvagem da orla costeira

  • «A vedação com arame farpado do farol do Cabo Raso, colocada pela administração da Quinta da Marinha SGPS (QMSGPS), foi removida ontem por ordem do Ministério do Ambiente, sob protestos do administrador e proprietário dos terrenos, Miguel Champalimaud.
    Champalimaud deslocou-se ao local com o advogado para fazer um "embargo extrajudicial" à destruição da cerca e respectivos suportes, e tentou demover a intervenção. "Estão a invadir a minha propriedade e a levar os meus bens. Estamos num Estado de malandragem, as autoridades estão do lado dos bandidos e não há nada a fazer".

    (...)
    Para o director do [Parque Natural Sintra Cascais], "ilegal foi o conjunto de actos feitos junto ao Cabo Raso, que careciam de apreciação prévia e mesmo assim nunca teriam sido aprovados, como a abertura de valas em zonas de domínio público, arranque de vegetação e de espécies endémicas sensíveis e a colocação de vedação e sinalização chocante". Carlos Albuquerque lembrou ainda que aquela é uma área protegida, classificada a nível mundial pela Unesco.» (Diário de Notícias)

Há quem queira privatizar tudo: a costa marítima, o mar, os rios, a atmosfera... É questão de deixá-los à vontade...

terça-feira, 30 de maio de 2006

Os que vieram cá para dentro para lutar pela vida


«Lisboetas» é um filme de Sérgio Tréfaut que vale a pena ver. Estão lá os lisboetas que não vieram nem da Beira, nem do Ribatejo, nem do Alentejo, nem do Algarve, nem de Trás-os-Montes, mas sim da Ucrânia, do Brasil, da China, do Paquistão, do Senegal ou da Nigéria.

No filme, as nossas insuficiências de país de acolhimento (burocracia, ausência de protecção laboral, clandestinidade prolongada...) ficam à vista. Apesar delas, os novos lisboetas vão ficando porque o pouco que ganham é mais do que nos seus países de origem, e também, aparentemente, por causa da praia da Caparica...

Revista de blogues (30/5/2006)

  1. «O outro lado existe» no umblogsobrekleist: «Qualificar a 1ª República de "regime terrorista" é situar-se para lá do exagero, para lá da atoarda, para lá da inverdade, para lá da provocação. (...) Luciano Amaral ascende assim, com inegável brio, a um patamar até agora reservado a espécimes como Luís Delgado, João César das Neves e Helena Matos.»
  2. «A política sexual do governo» no Os tempos que correm: «Um bocadinhozinho de melhoria nas leis de acesso à nacionalidade pelos imigrantes. Um bocadinhozinho de legislação sobre reprodução medicamente assistida, considerando que não havia nenhuma legislação. Um bocadinhozinho de "talvez, mas não agora" sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Um bocadinhozinho de "entusiasmo" sobre a despenalização do aborto, num referendo a acontecer este ano (talvez).»
  3. «Imperialismos do canguru» no Devaneios Desintéricos: «A célere resposta de Camberra ao "pedido" timorense de ajuda deixou muita gente, e bem, de pé atrás. As razões para a suspeição são fundadas não fosse o por demais conhecido ódio de John Howard a Mari Alkatiri, o primeiro-ministro de Timor. Diz-se, pela Austrália, que o Primeiro Ministro timorense, além de "demasiado próximo da China", é também um "nacionalista em matéria de hidrocabornetos".»
  4. «Blame game, as usual» no Bloguítica: «Portugal esteve na primeira linha a defender a continuidade da presença da ONU em Timor-Leste, alertando para os riscos inerentes à retirada apressada. Porém, tendo a ONU decidido retirar e tendo Portugal perfeita consciência dos riscos, a verdade é que também decidiu retirar a GNR de Timor-Leste. Ora, na verdade, a GNR poderia ter ficado através de um acordo bilateral.»

Directamente do pasquim sem intermediários (Uma outra posta mirandesa do alto para quem goste)1

(...) In short, in the European view, social stability is desirable, and if a certain amount of inflexibility is needed to underspin it, that is a price worth paying to avoid the restless uncertainties of America's market-driven model.

Yet the curious thing is that European society - at least in the Nordic countries - is far less stable than America's. Two new research papers2 confirm that, if one compares the income of children with those of their parents, or considers how long people in one income group stay there, Nordic countries emerge as far more mobile than America. (...)

###The biggest finding of the studies is not, however, about overall social mobility, but about mobility at the bottom. This is the most distinctive feature of Nordic societies, and it is also perhaps the most significant difference with America. Around three-quarters of sons born into the poorest fifth of the population in Nordic countries in the late 1950s had moved out of that category by the time they were in their early 40s. In contrast only just half of American born at the bottom later moved up. (...)

The Nordic countries are distinctive in one further way: the sons born at the bottom (into the poorest fifth) earn roughly the same as those born a rung above them (the second poorest fifth). In other words, Nordic countries have almost completely snapped the link between the earnings of parents and children at and near the bottom. This is not at all true of America.

Social mobility at midle-income levels is more similar everywhere (it is a bit higher in most European countries, but not by much). That may partly explain why Americans think their society is more mobile than it is (the middle classes tend to set the political agenda, and mobility is genuine enough for them). It may also explain why few Europeans appreciate quite how much movement up and down the income ladder there is, because much of it takes place off the radar screen of the politically influential.

The obvious explanation for greater mobility in the Nordic countries is their tax and wellfare systems, which (especially when compared with America's) deliberately try to help the children of the poor to do better than their parents. One might expect social mobility and economic flexibility to go together - in fact, to be two sides of the same coin. But to the extent that redistribution is an explanation, it implies the opposite: that social mobility is a product of high public spending, a bit like the low incidence of poverty or longer life expectancy (on both of wich Europe also does better than America). But greater public spending tends also to be associated with less economic flexibility - which is why Nordic countries have sought to limit the more arthritis-inducing features of their tax-and-spend programmes.

Yet redistributive fiscal policies cannot be all there is to it. If they were, Nordic countries would not do as well as they do (their wellfare states are not appreciably more generous than Britain's). The other part of the explanation seems to be their superior education systems. Education has long been recognised as the most important single trigger of social mobility - and all four Nordic countries do unnusually well in the school-appraisal ssytem developed by the OECD.

(...) For Europe, the secrets of greater social mobility are, first, tough redistribution policies that particularly benefit those at the bottom; and, especially in Nordic countries, a more supple and less class-ridden education system, running from top to bottom. America could learn something from that.


(The Economist May 27th 2006)

1O título espelha a dívida para com a sugestão e para com a prosa de dorean paroxales em comentário a um post meu anterior.
2"Non-linearities in Inter-generational Earnings Mobility" (Royal Economics Society, London). "American Exceptionalism in a New Light" (Institute for the Study of Labour, Bonn) Bernt Bratsberg, Knut Roed, Oddbjorn Raaum, Robin Naylor, Markus Jantti, Tor Eriksson, Eva Osterbacka and Anders Bjorklund.

Da Coerência e da Inteligência de Chávez

El presidente venezolano, Hugo Chávez, ratificó este domingo que rompería relaciones con Lima si el aspirante socialdemócrata peruano Alan García, gana las elecciones presidenciales del 4 de junio.

“No vamos a tener relaciones con Perú. Si ese caballero es electo presidente, porque ese caballero es un verdadero irresponsable, pido a Dios que no sea electo”, dijo el gobernante en su programa radiotelevisado “Aló, presidente” transmitido en Bolivia junto a su colega boliviano, Evo Morales.

Chávez aseguró que García es el aspirante “de la oligarquía, de la derecha peruana” y que sirve como “ficha del imperio” estadounidense, que buscaría romper relaciones con otras naciones suramericanas.


(CHÁVEZ ROMPERÁ RELACIONES CON PERÚ SI GARCÍA GANA LAS ELECCIONES - Novosti 28/05/2006)
###Da coerência está tudo dito agora vamos à inteligência. Há quem ache que Chávez é, apesar de histriónico, inteligente na sua política externa. Na verdade se confunde aqui petrodólares com QI. Para QI, apesar da idade avançada, muito antes o de Castro que soube trocar o barato alimento para o ego chavista pelo bastante mais caro petróleo venezuelano. A prova absoluta dos resultados adversos da pseudo-inteligência internacional de Chávez está nas últimas declarações do candidato nacionalista à presidência peruana, Ollanta Humala, obrigado agora a atacar mais do que se afastar das últimas declarações do seu amigo venezuelano sobre o processo eleitoral peruano.

Dijo a periodistas que las declaraciones del presidente de Venezuela son “irrelevantes. Todos sabemos las características del presidente Chávez, y está bien claro, el pueblo peruano lo tiene bien claro”.

“Los nacionalistas no nos sujetamos a ningún interés foráneo'', afirmó Humala , que en las últimas semanas ha tratado de mantenerse distanciado de las opiniones de Chávez y del presidente de Bolivia, Evo Morales, ambos con un marcado rechazo de parte del pueblo peruano, según recientes encuestas.

Al ser interrogado por periodistas si cree que Chávez debe dejar de entrometerse con el Perú, Humala se mostró contundente: “Por supuesto, el proceso electoral es del pueblo peruano, y en ese sentido es mi pedido a todos los países a que no interfieran en el proceso que se está llevando a cabo en el Perú, y obviamente, eso incluye a Venezuela”.


(Ollanta Humala trata de tomar distancia de Hugo Chávez - Clarín 29/05/2006)

segunda-feira, 29 de maio de 2006

Mais europa, menos democracia

É uma excelente notícia a decisão da cimeira de ontem da UE de adiar até 2009 a discussão do «tratado constitucional».
Cada avanço da União Europeia tem implicado menos soberania para os Estados membros, e menos controlo dos cidadãos de cada democracia sobre o seu destino colectivo. Decisões que habitualmente eram votadas nos parlamentos nacionais, com a porta aberta e por representantes eleitos directamente, são agora tomadas nos Conselhos de Ministros europeus, à porta fechada e por representantes nomeados indirectamente.
O novo Tratado seria (será?) mais um passo num caminho que tem desfigurado a soberania democrática tal como a conhecíamos, consolidando o ascendente dos Estados grandes sobre os pequenos, a influência dos lóbis contra o controlo público e o poder dos burocratas de Bruxelas sobre os cidadãos.
O Tratado que aparentemente já não será «constitucional» mantinha todos os aspectos negativos dos tratados anteriores, nomeadamente a desigualdade entre Estados na «Câmara Alta», o Conselho de Ministros Europeu (ao contrário do que acontece nos senados dos EUA ou do Brasil), e a impossibilidade de o Parlamento Europeu poder iniciar legislação (ao contrário do que acontece em qualquer democracia).

domingo, 28 de maio de 2006

Quem vai a Teerão?

David Ignatius defendeu no Washington Post (e também se podia ler-lo no Público de sábado) sobre as benesses em os EUA iniciarem uma estratégia de abertura e diálogo com o regime iraniano. A tese é a de que os EUA sempre conseguiram melhores resultados através de "políticas de ligação" que através de políticas de isolamento, dando-se como exemplo a URSS e China dos inícios dos anos 70. As analogias a secas são sempre perigosas. O que Nixon e Kissinger perceberam nos dealbares dos 70 foi que uma aproximação a China poderia ser usada para fortalecer os Estados Unidos nas negociações com a URSS. Então se o Irão é o novo Mao do século XXI, está claro que a China e Rússia actuais representam muito melhor o papel de novo par Nixon-Kissinger perante Bush que fica neste caso a fazer agora às vezes de Brezhnev. A Europa é a mesma de então...

sábado, 27 de maio de 2006

Cenas da violência doméstica

Para quando uma Liga de Protecção do Homem que nos proteja da violência feminina, da discriminação negativa nos restaurantes, da discriminação positiva em casa, e dos estereótipos que apresentam os homens como uns brutos que só gostam de carne vermelha, vinho, bola e zaragatas? Até quando?

(Imagem gamada ao TóColante.)

sexta-feira, 26 de maio de 2006

É assim que morrem as democracias

(João Miranda - Blasfémias)

Susan Jacoby: «Heaven Can Wait»

«In his call for left-wing moral revivalism as a counterweight to the ascendancy of the religious right in American politics (“A Difficult Marriage: American Protestants and American Politics”, Winter 2006), Michael Kazin cites the historian D.G. Hart’s argument that religion is “inherently useful in solving social problems because it yields moral guidelines that inevitably generate both a concern for justice and the welfare of all people.”
Inherently? Inevitably? Does the quote refer to an American religion that fought slavery over the opposition of many orthodox churches or to a religion that upheld slavery in the South and profiteering from slavery in the North? Are we talking about a minority faith that insisted women should have an equal voice in the house of God and man or a majority of clerics who denounced feminists, well into the twentieth century, as unnatural female infidels? Are Hart and Kazin referring to a religion that makes room for secular knowledge or a religion that refuses to listen to anything science has to say about the origins of life?
###
(...)
The limited, and often conflicting, definitions of welfare promulgated by various religions were very much on the minds of the framers of the Constitution when they deliberately omitted any mention of God from the document and instead ceded supreme authority to “We the People.”
The framers did not write, as they might have, “we the people under God”—a phrase that would have prevented angry debates in state ratifying conventions over the Constitution’s unprecedented failure to acknowledge a divinity as the source of governmental power. They did not, as a group of ministers would unsuccessfully propose to Abraham Lincoln during the Civil War, write a preamble that declared, “Recognizing Almighty God as the source of all authority and power in civil government, and acknowledging the Lord Jesus Christ as the Governor among nations, His revealed will as the supreme law of the land, in order to constitute a Christian government....”
(...)
I could not agree more with Kazin that the left needs to present its case in unapologetically moral terms. But those moral terms should be grounded in reason, not in pandering to the supernatural beliefs of Americans. Indeed, American presidents in the past—and not only the distant past—have had great success in combining reason with moral passion. Perhaps the most outstanding example is John F. Kennedy’s June 1963 American University commencement speech, now regarded as the beginning of détente with the Soviet Union. Kennedy spoke of peace as “the necessary rational end of rational men” and declared, “Our problems are manmade—therefore they can be solved by man. And man can be as big as he wants. No problem of human destiny is beyond human beings. Man’s reason and spirit often solved the seemingly unsolvable—and we believe they can do it again.” Then Kennedy memorably observed that “our most basic common link is that we all inhabit this small planet. We all breathe the same air. We all cherish our children’s future. And we are all mortal.”
Could there be a more reasoned yet passionate statement of secular morality than the assertion that we owe our children a peaceful world not because we are immortal but because we are mortal?
Call me crazy, but I have a feeling that a great many Americans, including religious Americans, are sick of hypocritical politicians who pretend that their policies deserve support because they are the work of a Higher Being. The question is whether there are any political leaders left with the courage to appeal to voters as reasoning adults, with arguments based not on the promise of heaven but on the moral obligation of human beings to treat one another decently here on earth.»
(Susan Jacoby na Dissent; ler na íntegra; ler a resposta de Michael Kazin.)

quarta-feira, 24 de maio de 2006

«Lacheté face à l´islamisme»

«Obligée de vivre entourée de gardes du corps depuis qu'elle a écrit le scénario du court-métrage réalisé par Théo Van Gogh (Soumission), menacée de mort, traitée d'"islamophobe" par la gauche hollandaise à cause de son combat contre l'islamisme, l'excision et les mariages forcés, contrainte de partir de sa maison à cause de voisins ayant porté plainte pour nuisances à cause de son système de protection, Ayaan Hirsi Ali va peut-être en prime perdre la nationalité hollandaise à cause des lois xénophobes votées pour durcir le contrôle de l'immigration.
(...)
A qui la faute si l'Europe perd la plus courageuse de ses citoyennes? A la gauche anti-laïque et à la droite populiste raciste.»

«Je dénonçais les limites de la tolérance face à la laïcité: «A le pouvoir de tolérer celui qui a la pouvoir d’écraser». C’est bien ce fait du prince qui a été illustré par la ministre néerlandaise. Le parti libéral a utilisé Ayaan Hirsi Ali, tant qu’elle renvoyait une image illustrant leur esprit de tolérance et apportait des voix. Aujourd’hui le rapport coûts/bénéfices politiques n’est plus en faveur d’Ayaan.
(...)
Les gouvernements européens ont montré leur lâcheté, lors de l’instrumentalisation par les fondamentalistes de l’islam politique des caricatures danoises. Aussi, à la suite d’une émission intitulée «Sainte Ayaan» dans laquelle seulement ses parents «qui voulaient la contraindre à vivre sous domination» ont eu la parole, et l’ont présenté comme une affabulatrice, la ministre a déclaré qu’elle allait lui retirer son passeport. L’hypocrisie est patente. Le père et le mari n’allaient pas reconnaître leurs trafics et bien évidemment la coupable était la femme qui avait osé dire non et qui avait parlé. Que va devenir le monde arabo-musulman si les femmes se considèrent comme des personnes autonomes et actrices de leur propre vie?»

(Retirado da carta electrónica Respublica.)

terça-feira, 23 de maio de 2006

A tontice do orgulho nacional

Lá, naqueles campos, joga-se muito do orgulho nacional, da capacidade de enfrentar e vencer desafios e de sonhar com grandes glórias e resultados. Vamos a isso.

(Um Mundial a não perder; Luis Delgado; DN 22.05.06)


republicado

O importante é termos muitos filhinhos

Recorrente.

Recorrente esta preocupação com a baixa natalidade.
Muito presente na direita, principalmente na menos liberal. Muito presente entre católicos mais conservadores, assumindo contornos de verdadeira histeria entre os simpatizantes de ideais de extrema direita (PNRs e afins...).

Convém deixar claro algo:

1- A população mundial está a aumetar a um ritmo galopante
A população mundial continua a crescer exponencialmente. Actualmente a esmagadora maioria da humanidade não tem acesso a um estilo de vida confortável, e já assim os danos que fazemos ao nosso planeta têm sido maiores que a capacidade de regeneração deste.
Para quem, como eu, considera desejável que toda a humanidade alcance os níveis de conforto e bem-estar do ocidente, a situação não poderia ser mais dramática: os níveis de consumo de carne, petroleo, e todos os recursos em geral dariam cabo do actual equilíbrio lançando este planeta para um daqueles cataclismos que conhecemos da ficção.
É importante que se encontrem formas de aproveitar melhor os recursos que temos disponíveis, de conseguir manter este nível de vida sem afectar tanto o meio ambiente, etc... Mas se a população continuar a crescer exponencialmente, não há poupança que nos salve. A situação será completamente insustentável.

2- O grau de distribuição da riqueza está relacionado com a abundância de mão-de-obra
As pessoas obtêm dinheiro fundamentalmente de 3 formas: pelo trabalho, pela propriedade e pelo roubo.
Numa sociedade que tem determinados recursos naturais, verfica-se esta tendência: quanto maior for a população, mais valiososa se torna a propriedade (pois para cada pessoa corresponde uma fatia menor dos recursos naturais). Por outro lado, o trabalho torna-se mais abundante. Assim sendo, para os mesmos recursos naturais, quanto maior for a população, menos vale o trabalho face à propriedade. Quanto maior a população, pior distribuídos deverão estar os recursos (visto que a propriedade passa de geração em geração sem depender do mérito individual, e a remuneração do trabalho honesto sempre depende mais do mérito de cada um).
Um exemplo trágico desta situação foi o rescaldo da peste negra, quando, tendo a Europa ocidental perdito cerca de 1/3 da sua população, os senhores feudais perderam muito poder, visto que a posse de terra tornou-se menos valiosa, e o trabalho tornou-se muito melhor pago. Essa forte redistribuição da riqueza pela sociedade europeia foi um dos factores que levou ao renascimento.
A criminalidade, como é natural, está relacionada com a proporção de dinheiro obtido pelo trabalho em comparação com o valor da propriedade. O criminoso sabe que corre um determinado risco para roubar um determinado bem, mas se o trabalho for mais valioso, a alternativa de "trabalhar para o obter" corresponde a menos horas de trabalho.
Assim sendo, uma sociedade com um elevado crescimento populacional, não está apenas a contruir um futuro onde a riqueza tem uma distribuição mais injusta e arbitrária, também está a contruir uma sociedade onde a criminalidade será maior - com todo o desperdício de recursos que isso implica, além do medo e violência que causa.

3- Querer resolver os problemas da segurança social por via da natalidade é querer adiar e agravar o problema
As contribuições para a segurança social de cada indivíduo são atenuadas na proporção do crescimento populacional. Por exemplo: se a população duplicasse em cada geração, cada indivíduo só teria de contribuir com metade do dinheiro que seria necessário para garantir o seu sustento.
Como é óbvio, a população não pode crescer para sempre. Nem que seja 1%.
No dia em que parar de crescer, cada indivíduo terá de pagar inteiramente o seu próprio sustento. O problema terá sido agravado, e só então será resolvido.
Querer pagar a segurança social encorajando o crescimento populacional é querer embarcar num esquema tipo «Dona Branca».

4- Educação e Tecnologia? Poucos Filhos!
Acho a revolução tecnológica fascinante: permite um conforto e uma abundância sem precedentes. Aumenta a produtividade em factores inimagináveis. Como é óbvio, numa sociedade com abundância de mão-de-obra, ela não faz muito sentido - vai causar desenprego, a não ser nos casos em que as pessoas já trabalham por tão pouco, que se torna mais barato usar esse «trabalho escravo» do que investir na máquina em questão. Aí nem vale a pena investir em educação, para formar os engenheiros que concebam as tais máquinas. Os recursos serão mais canalizados para uma polícia musculada capaz de conter a violência.
Numa sociedade em que os pais tenham poucos filhos, a tendência é investirem mais no acompanhamento e educação de cada um destes. Investe-se mais na formação cívica, na formação ética, e a sociedade terá toda a vantagem em investir na educação técnica - visto que o trabalho é precioso, e interessa automatizar os processos não-criativos.

Nota: este artigo foi também publicado no Banqueiro Anarquista.

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Polícia para quem precisa de polícia1

Há coisas que saltam á vista. Uma delas é que a polícia em quase toda a parte do mundo "gosta de estar" em avenidas movimentadas, em frente a centros comerciais, zonas turísticas, etc, e quase nada e nunca em bairros conflituosos, subúrbios pobres, etc. A polícia serve para proteger as pessoas e a propriedade privada e pública. Provavelmente os governantes e responsáveis públicos utilizando de "lógica comum", dão portanto prioridade à protecção da propriedade privada e das pessoas com mais propriedade privada. Quanto mais propriedade mais polícia a guardar-la (e aos seus donos). Em todo lado "favela" é lugar onde a polícia só vai para fazer rusga. (Então vão muitos, provavelmente para que depois a média estatística "saia certa", e possam dizer que ao longo do ano houveram tantos polícias na "favela" quanto no bairro novo-rico vizinho.).
###Qualquer conferência de segurança que se preze convida o antigo mayor de Nova Yorque, Rudy Giuliani, para uma pequena e iluminadora palestra-discurso, assim que eu também convido. É sabido que o crime na "capital do mundo" sofreu uma enorme redução ao longo do mandato de Rudy. Rudy e seus apoiantes dizem que esta redução se deve, é claro, à política policial dura de tolerância zero de Rudolph William Louis Giuliani III. A verdade é que parecia haver já uma tendência de redução de criminalidade geral nos Estados Unidos, iniciada pouco antes do mandato do própio Rudy Giuliani. (Ver gráfico abaixo, fonte Wikipedia.) Os factores que os mais críticos apontam então como realmente causantes da redução nacional de criminalidade norte-americana, seriam o incremento de agentes de polícia e o crescimento da economia.



É verdade que aumentar o poder da polícia e fomentar a sua intolerância, amplificando na esfera do Estado a violência social, não são necessáriamente geradores de segurança e menos criminalidade, tal como nos diz o sociólogo françês Loïc Wacquant, especialista nestes temas, também convidado a essa nossa micro-conferência e já referenciado em post anterior. Mas o aumento de número de polícias e a sua redistribuição, alterando a sua localização para bairros geradores de conflicto e não suas vítimas, pode ser uma política extremamente digna e democrática. Na verdade é uma falácia dizer que estes bairros só geram conflicto social quando são em realidade, além disso e em primeiro lugar, as suas maiores vítimas. Qualquer morador honesto (e são em geral maioria) destes bairros agradecerá saber que seus filhos não terão como baby-sitter ao traficante da rua, e que este tão pouco estará à porta da escola para os receber e "levar à casa". Assim como gostarão de saber que poderão estar junto à janela de suas casas sem ter medo de levar um tiro fortuito por culpa de uma luta ocasional entre bandos locais. Se os habitantes destes bairros não simpatizam com a polícia é porque sabem que esta quase só aparece para os oprimir e tornar suas vidas mais insuportáveis do que já são.

A polícia é necessária. Muitas vezes, em muitos e distintos lugares do mundo, mais polícia do que a que há é necessária. Mas é fundamental pensar para quê a queremos em primeiro lugar e antes de tudo. A resposta será: para proteger as pessoas, todas e quaisquer pessoas. Também aqui "o morro tem que ter vez"2, dos subúrbios de Paris às favelas paulistas, passando pelos arredores de Lisboa.

1 Título de canção de Titãs (grupo de rock brasileiro).
2 Título adulterado de canção de Tom Jobim e Vinícius de Moraes.

domingo, 21 de maio de 2006

Desencantamento Turco (actualizado)

Orhan Pamuk: Escritor turco, processado em 2005 pela justiça turca por "insulto às instituições e identidade turca" ao haver declarado que Um milhão de armênios e 30.000 curdos foram assassinados nestas terras e ninguém além de mim se atreve a falar. A justiça turca finalmente retirou as acusações em princípios deste ano. Hoje no El País se pode ler a sua primeira entrevista depois do processo.
###P. ¿Sigue sintiendo cierta responsabilidad en Turquía?
R. (...) Es como cuando algo cae desde un balcón cuando pasas despreocupado por la calle.(...)Y no es que me encante. Mi deseo secreto siempre ha sido ser un artista libre.(...)No, créame, ser un personaje público no es bueno para el trabajo de un novelista. En cuanto a ser un personaje político, ni lo mencione, ¡qué desastre!
(...)
P. ¿Desea que Turquía forme parte de la Unión Europea?
R. Sí, creía en eso con entusiasmo y algunos políticos que respeto me pidieron que les ayudara. Llegué incluso a escribir artículos sobre el asunto. Nada de artículos polémicos, sino artículos fervorosos. Ahora de repente tengo la impresión de ser una celestina desengañada. Pensaba sinceramente que Europa y Turquía se llevarían bien. Pero no hay atracción mutua, prefiero pensar en mis novelas.
P. Antes de Nieve, ¿se había sentido atraído alguna vez por la novela política?
R. Sí, tengo una novela inacabada que data de hace 25 años. Una novela a lo Dostoievski, si se me permite decirlo, donde se mezclaban el radicalismo de izquierdas y el demonismo místico. Pero tuvo lugar el golpe de Estado y fue imposible publicarla. En esa época me di cuenta, no sin estupor, de que algunos de mis antiguos amigos marxistas se veían tentados por el islamismo y la verborrea antioccidental.


(Entrevista com Orhan Pamuk no El País de hoje.)
Vale também a pena ler no DN de hoje: O peso do islão na Turquia e a ambição de ser Europa (por autor não identificado a não ser pela foto(???), pelo menos na edição online), a propósito da responsabilidade histórica de Europa na defesa da democracia e do laicismo em um vizinho muçulmano tão importante como é a Turquia, para Europa e para o mundo islâmico. Ás vezes temos, nós Europa, por vários motivos, pouco ao nosso alcance que fazer sobre grande parte das questões mais importantes internacionalmente, mas quando seria tão fácil para Europa fazer toda a diferença, definindo o curso dos acontecimentos, não se compreende a tardança e a inépcia... a não ser admitindo coisas muito graves sobre a prória Europa. Coisas muito graves de cujos nomes não me quero recordar.

Ao combate que se trava na Turquia - nas ruas, nos tribunais ou nas urnas - a Europa não pode ficar alheia. Uma Turquia laica, democrática e virada para Ocidente é a única que convém aos europeus (e ao mundo islâmico também, como modelo alternativo ao islão extremista). E essa Turquia tem de ser acarinhada. Precisa que lhe seja oferecido um lugar na Europa, porque no dia em que a adesão se concretizar, a modernidade turca já não dependerá de Erdogan ou de um Presidente laico. É esse o caminho, apesar dos medos atávicos. Não é por acaso que são os austríacos os que na UE mais se opõem à adesão turca - pensam talvez demasiado em 1683 e muito pouco em 2006.

(O peso do islão na Turquia e a ambição de ser Europa; ??? ; Diário de Notícias, 21 de Maio de 2006)

sábado, 20 de maio de 2006

The Da Vinci Code

Achei o livro uma porcaria. Mas tenho-me divertido muito com as reacções. O pessoal que aplaudiu The Passion of the Christ vem agora à televisao queixar-se de que este filme é muito violento. Mas o melhor foi um movimento de católicos filipinos – os que crucificam pessoas na Páscoa e montam bancadas para as pessoas irem assitir com os filhos – que está a fazer uma campanha para evitar que os fiéis vejam o filme. Por ser tão violento, com os silícios, os chicotes e etc..

Nós e os ideólogos

Eu adorava saber o que é que fez os marxistas pensarem que os aparatchicks do PCUS seriam melhores que os industrialistas descritos por Charles Dickens e os senhores feudais da Rússia tsarista; ou o que é que fez os neo-conservadores acharem que os oligarcas da nova Rússia iam ser melhores que os aparatchicks do PCUS; ou que faz os neo-conservadores acreditarem que oligarcas da América e da Europa serão melhores que o Genghis Khan…

Os ideólogos adoram explicações complicadas, cheias de expressões em alemão e de nomes de filósofos ingleses, mas eu acho que as coisas são muito mais simples: ou há leis e regras e transparência e tribunais independentes, e montes de dinheiro para financiar um sistema de educação pública que efectivamente eduque os cidadãos, ou estamos todos tramados…

Francis Fukuyama

Não tenho intenções de ler este último livro. Mas constato divertido o embaraço dele perante os resultados do governo absoluto dos neo-conservadores durante os últimos cinco anos (presidente, congresso, senado, media, supremo tribunal).

Depois de nos encherem os ouvidos com as «provas» todas da bondade da globalização e do capitalismo selvagem, e depois de terem tido cinco anos para mostrarem o que valem, ele e os amigos – Kristol, Wolfowitz, Cheney, Rice, Rumsfeld – só podem estar envergonhados: caos, corrupção, miséria, guerra, poluição, opressão politica (escutas, tortura, revogação de direitos fundamentais), fundamentalismo religioso, desprezo pela lei e pelas organizações internacionais, pelos tratados multilaterais, pelas minorias e pelos próprios cidadãos.

Eu adoro ouvir os «cientistas políticos», sempre pomposos, cheios de citações – Heidegger, Leo Strauss, o papá do William Kristol – a explicarem-nos as virtudes da “democracia liberal” que nos foi imposta há cinco anos pelos oligarcas que lhes pagam os salários (todos os neo-cons vivem como nababos com as “bolsas” das fundacoes e “think tanks” da extrema direita).

sexta-feira, 19 de maio de 2006

Iran's Shoah?

Depois dos assutadores rumores sobre a aprovação de uma nova lei sobre vestimentas islâmicas em Teerão que obrigaria as minorias religiosas do país, ou seja, Judeus, Cristãos, Zoroastrianos (é assim que se diz?), etc, a "utilizar um remendo de pano colorido em frente das suas roupas...", parece já claro que ainda não chegámos a tanto. Afinal parece se tratar apenas de mais uma lei sobre as vestimentas femininas, e que não visa portanto restringir a liberdade ou atentar contra a dignidade de minorias religiosas, sendo o seu objectivo apenas a metade da população do país de sempre. Menos mal...

O Código da Vinci

A controvérsia entre o Vaticano e Dan Brown é tipicamente uma briga entre escolas literárias.

O lugar no protocolo do Estado de quem não ocupa cargos do Estado

  1. Nos blogues: «O sentido do ridículo» (Random Precision), «Nem um banquinho!...» (Quarta República), «Lá vamos nós outra vez» (Kontratempos), «A Revolução começa no Protocolo ou o Jacobinismo Volta a Atacar» (O Amigo do Povo), «Patriarca perde lugar no protocolo» (Religião) e «A desculpa do costume» (Bichos Carpinteiros).

quinta-feira, 18 de maio de 2006

VIDA (com V maiúsculo)

Paul Eluard, no panfleto dos surrealistas "Un cadavre" (1924) dirige-se aos restos mortais de Anatole France: "Os teus semelhantes, cadáver, nós não os amamos..." etc. Mais interessante que este pontapé num caixão parece-me a justificação que se segue: "Aquilo que já não posso imaginar sem lágrimas nos olhos, a Vida, aparece ainda hoje em pequenas coisas irrisórias, às quais apenas a ternura serve agora de suporte. O cepticismo, a ironia, a covardia, França, o espírito francês, que é isso? Um grande vento de esquecimento arrasta-me para longe de tudo isso. Talvez nada tenha lido, nada tenha visto daquilo que desonra a Vida?"

Ao cepticismo e à ironia, Eluard opôs: as pequenas coisas irrisórias, as lágrimas nos olhos, a ternura, a honra da Vida, sim da Vida com V maiúsculo! Por trás do gesto espectacularmente não conformista, o espírito do kitsh mais banal.


(Milan Kundera - A Arte do Romance - D. Quixote 1988)

###Sei o que é a experiência desagradável e algo dolorosa de um aborto não desejado, e ainda assim não sou capaz de dizer que sou contra o aborto, nem sequer do ponto de vista pessoal como no caso do Filipe, quanto mais como vontade autoritária de dirigir a vida dos demais (vontade essa que o próprio Filipe critica duramente). No entanto nunca participei por vontade própria em um aborto, no sentido superficial em que um homem pode participar de tal coisa, mas a verdade é que é extremamente fácil para mim imaginar mil e uma situações em que seguramente sugerisse e/ou participasse em um aborto de forma absolutamente livre. O aborto não é bom, pode ser relativamente trágico, também pode ser muito útil, crucialmente útil, logo está longe de ser em si mesmo algo mau. Imagino que se fosse mulher isto tudo seria ainda mais verdadeiro. (Assim como estou seguro que se fôssemos nós os homens quem tivéssemos que engravidar, sofrer/praticar abortos, etc, o aborto seria totalmente custeado pela segurança social sem alarmismos sociais de nenhuma espécie. É provável que discutissemos aqui então apenas a sua eventual obrigatoriedade...) Quanto à questão da VIDA SAGRADA do embrião, essa já foi respondida pelo Kundera.

A questão do aborto

Ontem foi mais um pró-vida à televisão – ao programa do John Stewart – insultar quem não concorda com ele, chamar assassinos a todos os que não concordam com a criminalização da interrupção voluntaria da gravidez.

O idiota de ontem chamava-se Ramesh Ponnuru. Digo idiota para dar um tom leve a este texto. Porque rodeado de fundamentalistas cristãos por todos os lados, vou perdendo a paciência para os argumentos e as atitudes deles.

Sou contra o aborto, como todas as pessoas. Seria óptimo se ninguém tivesse de recorrer ao aborto. Mas ser contra o aborto e ser a favor da criminalização do aborto são coisas muito diferentes.

Como se sabe, a criminalização do aborto não reduz o número de abortos praticado num determinado país.

A criminalização do aborto aumenta o nível da hipocrisia, coloca a vida e a saúde das mulheres em perigo, espezinha os direitos mais fundamentais das mulheres sobre o próprio corpo, intromete o nariz moralista do Estado e da Igreja na vida privada dos cidadãos, desperdiça o tempo e a energia da polícia e dos tribunais, aumenta o poder negocial dos médicos e das clínicas, desprotege impiedosamente quem necessita de um aborto, mas não reduz o número de abortos praticado num determinado país.

A violência dos argumentos dos “pró-vidas” insulta a inteligência, mas sobretudo choca pelo desprezo cruel que contém pelas pessoas que precisam de recorrer ao aborto.

A desumanização das mulheres, designadas como assassinas de bébés e outros insultos semelhantes, é estúpida e cruel, mas é sobretudo perigosa porque nos faz esquecer a humanidade das pessoas e as situações de sofrimento e de desespero que frequentemente rodeiam este tipo de tomadas de decisão.

E vindo de quem vem – lembro que nos seus 1500 anos de existência a Igreja Católica só não advoga a morte de pessoas por delito de opinião há mais ou menos 150 anos – dá que pensar. Ou devia dar.

Mas os políticos portugueses não se atrevem a perguntar aos “pró-vidas” – como se nós fossemos “pró-mortes”! – as perguntas fundamentais:

1) Porque que é que o movimento “pró-vida” é maioritariamente masculino (mesmo sem incluir os padres, bispos e cardeais todos) quando o problema da interrupção da gravidez é um problema que afecta exclusivamente as mulheres?

2) Porque é que o movimento “pró-vida” boicota sistematicamente todas as tentativas de promover a educação sexual nas escolas, quando o bom senso mais elementar – e as estatísticas! – demonstram que a pobreza e a ignorância são as causas fundamentais do aborto?

3) Porque é que os “pró-vidas” só se preocupam com “as vidas” enquanto elas estão no útero das mães e ostentam um desprezo total e absoluto pelos efeitos da pobreza nas crianças depois de elas nascerem?

4) Porque é que são os “pró-vidas” os primeiros a atirarem pedras às mães solteiras e aos casamentos civis, aos divórcios e a um sem numero de situações que facilitariam a situação das mulheres que quisessem viabilizar uma gravidez em situações ?

Os fanáticos contam sempre com a ignorância e a apatia das pessoas. Não será altura de os confrontar?

Meia estória (leitura do Público)

O Editorial de hoje do Público, assinado por José Manuel Fernandes, consegue, habilidosamente, esconder aspectos fulcrais da saída de Ayaan Hirsi Ali da Holanda. Concretamente: elabora bastante à volta do facto de os vizinhos de Hirsi Ali se terem queixado de viverem próximos de um alvo dos terroristas, mas omite completamente que Hirsi Ali perdeu a nacionalidade por decisão de uma correlegionária do seu partido. Partindo de apenas metade da estória, a conclusão é capciosa: o problema é a Holanda (e os europeus por associação) «baixarem a guarda» face ao «islamismo radical». Se fosse incluída a outra parte da estória (o facto de Hirsi Ali ter perdido a nacionalidade e sido obrigada à demissão de deputada) a conclusão seria outra, e politicamente mais incómoda: Hirsi Ali foi tanto vítima de ter ido muito fundo na sua crítica do Islão como da histeria anti-imigrantes do partido de direita a que pertenceu.
(Adenda 1) Na edição de ontem (quarta-feira) existe uma gralha deliciosa no artigo sobre Hirsi Ali: diz-se que «o seu nome de baptismo era Hirsi Magan». Não sabia que no Islão se baptizam as pessoas... Com o Público, está-se sempre a aprender!
(Adenda 2) Mas, para ser justo, na edição de hoje há um bom artigo de Augusto M. Seabra onde se diz com todas as letras que não é só o islão que tem fundamentalistas, e que a extrema direita católica do governo polaco nos deveria inquietar mais.

quarta-feira, 17 de maio de 2006

Turquia, Europa e Conflito de Civilizações

There is an attractive symbolism in the idea that Turkish membership in the EU would finally begin to repair the split that tore the old classical Mediterranean civilization in two with the rise of Islam fourteen centuries ago, but it is not really about an “alliance” between Christianity and Islam. On the contrary, it has become possible only because both Western Europeans and Turks have ceased to define themselves solely or even mainly in religious terms. Many people in Western Europe and most people in Turkey are still believers, but it doesn’t swallow up their whole identity.
###Rejecting Turkey merely on the grounds that it is Muslim would condemn the EU to being just “a Christian club,” in Erdogan’s cutting phrase, but it would not trigger some vast confrontation between the West and the Muslim world. The Turks would be severely miffed, but most people in other Muslim countries already think of Europe as a Christian club, having no idea of how small a role religion plays in the public life of most EU countries. Small disaster, not many hurt.

The real reasons for the EU to want Turkey in are much more specific. The EU will have need of Turkey’s relatively young and growing population as its own population ages, and Turkey’s high economic growth rate (8 or 9 percent this year) would help to bring up the rather modest EU average. A surprising number of Europeans also care about healing the old rift that tore Europe itself apart — for Turkey, although Muslim, was a European great power for five centuries, and was firmly established in the Balkans long before it conquered most of the Arab world.

For Turks, whose free-trade relationship with the EU already gives them most of the economic benefits of membership, the advantages lie mainly in anchoring the country in a web of supra-national institutions and laws that guarantee the country’s democratic and secular character. Erdogan has already used the requirements of EU membership as a lever with which to force democratic and human rights reforms on a reluctant army and bureaucracy, and membership negotiation will enable him to go further in the same direction.


(Gwynne Dyer - Turkey, Europe and the Clash of Civilizations - aljazeerah.info 2005)

O conflito de civilizações é apenas a constatação de um facto sobre a realidade política internacional actual em que nos movemos. Huntington se algum mérito tem é o de ter sido o primeiro a pressentir-lo com clareza suficiente. Que este conflito civilizacional tenha a sua origem mais provável nos nacionalismos e fundamentalismos internos das diversas civilizações, expressos em diferentes graus e de distintas formas, e tal como nos diz também Slavoj Zizek neste post do Ricardo Schiappa, provavelmente todas elas em boa parte consequência do vazio ideológico provocado pela queda do comunismo soviético, se trata de outra evidência já reconhecida no próprio trabalho inicial de Huntington.

Mas não por isso esta realidade (do conflito de civilizações) será do agrado da maior parte das pessoas de bem. Realmente não é. Tentar ultrapassar este estado de coisas deverá então ser um dever para qualquer utopia progressista (e aqui claro que nos separamos de Huntington). É então por isso que a entrada de Turquia na Comunidade Europeia é fundamental tanto para a própria Turquia como para a sua eternamente ambicionada Europa. E é fundamental para Europa do seu próprio ponto de vista, que para além dos sensatos raciocínios econômicos e demográficos que apoiam a adesão turca, deveria também ser sensível ao argumento identitário construido no seu sentido progressista. Salvar uma actual e futura identidade secular para Europa, para esta Europa actual neste mundo actual, passa inevitávelmente pela recusa desta em se deixar isolar em uma regra-ideia cristã para si mesma. Do ponto de vista turco as coisas se passam de forma análoga, substituindo cristianismo por islão. É claro no entanto que isto que aqui se diz parece agora mesmo totalmente fora de vista, pelo menos nesta Europa actual, incapaz de garantir sequer a sua sobrevivência e significado com os actuais "membros cristãos".

Peter Fosl: «The Righteousness of Blasphemy»

«Something terribly important has been missing from discussions orbiting around the Mohammed cartoons.

(...)

What's been missing has been an acknowledgment that blasphemy isn't just something that must be tolerated. It's something that possesses a special political value of its own. Blasphemy, in short, is a good thing.

(...)

Formally speaking, in democratic discourse there's nothing special about religious doctrines. Like other ideologies, religion instructs and even commands people about what they should value and how they should conduct themselves. And it does so in a powerful and effective way. Ongoing controversies concerning gay marriage, abortion, war, hijab, pornography, and social services offer clear examples of this. Many clerics actually tell their congregations how to vote.

It's simply not acceptable for a participant to enter public debate, have such a powerful effect upon it, and then claim immunity from the sort of treatment to which other participants are subject.


(...)

You see, religion not only enters the public discourse. It does so on the basis of a special claim secular theories don't make (or at least shouldn't make). Religion, unlike secular doctrines, claims that its views are God's views, that its claims are absolutely right, grounded in some transcendent authority. The rest of us are mere human beings, prone to error, conflicts of interest, and foolishness. God and God's views are of course, in a word, superior.

(...)

It's hard for the religious to understand this, but there are those among us who think most religion not only generally false but also in many ways immoral and detrimental to our society. We critics may not be right in this, but as part of democratic discourse ours is a legitimate and important position.

(...)

For myself, I think the views of atheist Albert Camus morally superior to those of Jesus.

(...)

Resistance to racism, religious intolerance, and imperialism is terribly important, especially today. But resisting them should not occlude the importance of resisting theocracy and authoritarianism, too. Those who support a democratic society must take care not only to honour its traditions of subverting bigotry, racism, and imperialism. We must also, as leftists, do what we've done countless times in the past, defend and stand in clear solidarity with those who are being attacked by theocrats. As part of our defence and solidarity, it's crucial that we publicly affirm the value of blasphemy, including the mockery of religious figures like Mohammed. (...)»

(Peter Fosl na The Philosopher´s Magazine; ler na íntegra.)

Alguns textos do fascismo islâmico

Num artigo já antigo, resumi algumas notas biográficas sobre Sayed Qutb, justificadamente considerado, paralelamente a Ala Maududi, o teórico principal do fascismo islâmico. Existe cada vez mais interesse sobre os tempos que passou nos EUA em 1950. Que o homem a quem se atribui a radicalização ideológica da Irmandade Muçulmana (de onde saíram partidos como o Hamas, e que inspira grupos armados como a Al-Qaeda) tenha passado um par de anos numa vilória do Colorado excita a imaginação... O artigo A Lesson in Hate descreve esse período: Qutb não gostava de Jazz, horrorizava-se com as mulheres descascadas que encontrava nas ruas, e queixava-se de não encontrar um barbeiro decente. No seu regresso ao Egipto, aderiu à Irmandade Muçulmana e conspirou contra Nasser, um líder nacionalista e laico. (Fico à espera que alguém faça um filme sobre a estada nas rockies do antepassado ideológico de Bin Laden...)

O fundador da Irmandade Muçulmana, em 1928, fora um admirador de Mussolini chamado Hasan Al-Bana. Escreveu um livro, que se pode ler na internete, chamado Jihad. É interessante, porque defende explicitamente que a Jihad não é o esforço interior para se ser melhor (como nos dizem os muçulmanos pacifícos que fazem outras leituras do Corão), mas sim o sacrifício da própria vida na guerra pela implementação da mensagem de Alá. E explica tudo isto com passagens do Corão...
  • The Muslim world today is faced with tyranny and injustice. Indeed oppression and hardship is not just limited to the Muslim world, rather many non-Muslim states are subject to oppression at the hands of the world’s leading military and economic powers. Anyone who cares can only be saddened and hurt by the pain and suffering that accompanies so many faces. Islam has allowed jihad as a means to prevent oppression, yet the Muslims have forgotten this for too long.

    Though jihad may be a part of the answer to the problems of the ummah, it is an extremely important part. Jihad is to offer ourselves to Allah for His Cause. Indeed, every person should according to Islam prepare himself/herself for jihad and every person should eagerly and patiently wait for the day when Allah will call them to show their willingness to sacrifice their lives. We should all ask ourselves if there is a quicker way to heaven? It is with this in mind that this booklet is being published.

  • Many Muslims today mistakenly believe that fighting the enemy is jihad asghar (a lesser jihad) and that fighting one's ego is jihad akbar (a greater jihad). The following narration [athar] is quoted as proof: (...) Let it be known that this narration simply emphasises the importance of struggling against one's ego so that Allah will be the sole purpose of everyone of our actions.

A quem se interessar por estes assuntos, recomendo também os textos de Sayed Qutb que se encontram por aí: Milestones, In the Shade of the Quran, The right to judge. Boas leituras!

terça-feira, 16 de maio de 2006

Revista de blogues (16/5/2006)

  1. «Decadência» no Véu da Ignorância: «é um padrão conhecido da história da difusão das tecnologias que os países que chegam tarde a uma determinada "trajectória tecnológica" (os latecomers) são - se os seus cidadãos tiverem poder de compra - particularmente ávidos no consumo dos artefactos produzidos pelos que a lideram (...) [a] passagem para o processo da produção criativa pode nunca chegar, por défice de investimento, de infraestruturas materiais, e/ou de recursos humanos qualificados».
  2. «Com pezinhos de lã» no Canhoto: «A nova proposta de lei sobre os manuais escolares inclui uma norma que tem de ser afinada e aplicada com pinças: refiro-me à que estipula a avaliação prévia dos manuais. De imediato acusada de “censura” pelos que têm interesses no domínio em causa (os editores escolares), a norma é no entanto imprescindível para evitar as situações de facto consumado (...)».
  3. «Cova da heresia» no Cibertúlia: «Não há pachorra para alguma Igreja que insiste na diabolização do mundo! Alguma Igreja devia perceber que o sexo é bom! Alguma Igreja devia perceber que o prazer é bom! Alguma Igreja devia perceber que o divórcio por vezes é uma solução!»
  4. «A família, as betas da linha e a Filó», no 2+2=5: «Veio parar às minhas mãos esta semana o último número da revista Atlântico. Na minha modesta opinião, a única coisa que a revista tem de bom é o facto de vender pouco. O resto é mais do mesmo. Uma revista de amigos para amigos, com crónicas bem pagas.»

Mais um individualista neste colectivo

Conforme anunciei, o Esquerda Republicana passou ontem a ser um blogue colectivo. Faltava-me confirmar a adesão do Filipe Vieira de Castro, que escreve um dos meus blogues preferidos: o Oeste Bravio.
Venham mais cinco...

Autênticos Bloggers * **

O que falta é o PCC virar um partido de esquerda, pois parece que o PT já virou facção criminosa.

Marco Aurélio em caixa de comentários a este post e em interessante post próprio sobre o PCC e seu antecessor a diversos níveis, Comando Vermelho.

* Mais do que eu, que de autêntico blogger terei pouco, mas prometo me esforçar (de vez em quando).

**A admiração pela autenticidade do talento "bloguistico" é independente de não haver concordância total com o conteúdo. (A fingir ausência de sentido de humor. Just in case.)

segunda-feira, 15 de maio de 2006

São Paulo na sua Folha

Três entrevistas na Folha de São Paulo todas elas com uma parte importante da verdade sobre e para o problema do crime organizado brasileiro e, em particular, paulista, e a propósito da onda massiva de atentados organizados pelo PCC, organização criminosa com sigla de partido político: Primeiro Comando da Capital. Os três textos falam entre si. A começar pela entrevista à antropóloga Alba Zaluar que diagnostica a maturidade do processo de "colombização" do crime organizado brasileiro, a nível de métodos e ideologia. Seguindo-se então o mesmo exemplo colombiano de luta, pelo menos no inevitável, pragmático e necessário curto prazo, contra este tipo de organizações, exemplo e conselho que se extraem da entrevista ao general Óscar Naranjo, director da Polícia Judicial da Colômbia (onde dos 28 mil mortos de 2002 se teriam passado aos 18 mil do ano passado). Chegando finalmente à entrevista a Loïc Wacquant, professor de sociologia da Universidade da Califórnia em Berkeley e pesquisador do Centro de Sociologia Européia em Paris, que mais que propôr soluções trata do, ainda que fácil, necessário trabalho de reiterar que o problema de fundo do Brasil, e portanto aquele cuja irresolução implica o prolongamento no tempo de todos os demais, continua sendo sempre o mesmo: desigualdade.

Colectivização do Esquerda Republicana

Este blogue tem sido, desde o início em Março de 2005, individual e individualista. Chegou o momento de o colectivizar sem o tornar necessariamente colectivista. Como sempre ouvi dizer, «a união faz a força» (e se não a fizer fará com certeza mais artigos por semana).
Os novos escribas desta humilde tribuna serão o Rui Fernandes (escrevia no Caetera), o João Vasco (que colabora em meia dúzia de blogues, incluindo o Diário Ateísta e o Pipismo) e o Ricardo Schiappa (teve um blogue, mas apagou-o). Todos desalinhados de esquerda, todos genéticamente XY, todos ateus e todos republicanos.
E agora, que seja o que nós quisermos.

Protocolo de Estado: o (não) lugar do Cardeal Patriarca da ICAR

  1. Na imprensa: «Patriarca perde lugar no protocolo» (Expresso), «Bispos desvalorizam ausência em cerimónias oficiais» (Diário Digital), «PS quer "ajustar" protocolo de Estado aos princípios da Constituição» (Público), «Igreja rejeita guerras» (Correio da Manhã).

  2. Nos blogues: «Estado e religião» (Causa Nossa), «Milagre, finalmente! Milagre!» (Renas e Veados), «Deus morreu(*)» (Blasfémias).

quinta-feira, 11 de maio de 2006

Revista de blogues (11/5/2006)

  1. «Correio dos leitores: Barroso, Fátima e o Papa» no Causa Nossa: «não posso deixar de lamentar que todos os que sonham com uma Europa unida mas aberta, culturalmente forte mas plural, vejam a união dos europeus ser cada vez mais um movimento concêntrico de confessionalistas. Ou seja, daqueles que pensam que toda a Europa se deve construir à volta da sua tradição e raízes cristãs. E não, como devia, da sua luta e do seu caminho de liberdade, democracia e pluralidade».
  2. «Mudanças na Segurança Social (I)», «Mudanças na Segurança Social (II)» , «Prós e Contras: Segurança Social» e «Contribuição obrigatória para a Segurança Social» no Filho do 25 de Abril: «Num contexto em que a gestão do próprio indivíduo dos seus rendimentos futuros foi desastrosa ou numa situação de perda por culpa de terceiros das suas poupanças, o que deve o Estado fazer? Ajudar na mesma? E se sim quem garante esse financiamento?».

terça-feira, 9 de maio de 2006

Mais memória

O movimento cívico Mais Memória apareceu em protesto contra a tranformação da antiga sede da PIDE em Lisboa (na Rua António Maria Cardoso) em condomínio privado.
Num momento em que alguns gostariam de apagar a memória da repressão durante o período fascista, inclusivamente negando os 4 mortos e 40 feridos na António Maria Cardoso em 25 de Abril de 1974, com tiros vindos das mesmas janelas em que se queimavam os arquivos, este movimento tem promovido várias iniciativas, entre as quais uma petição electrónica de apoio, e uma petição à Assembleia da República protestando contra a ausência de «um espaço público nacional de preservação e divulgação pedagógica da memória colectiva sobre os crimes do chamado Estado Novo e a resistência à ditadura, que aproveite os espaços emblemáticos dessa realidade». É de assinar e apoiar...

segunda-feira, 8 de maio de 2006

Sessenta para um

Seiscentos polícias para deterem dez pessoas e apreenderem menos de vinte armas de fogo. Foi este o balanço da operação no bairro da Torre, em Camarate.
Aviso desde já: se vierem buscar o canivete que tenho em casa, não tenho espaço para sessenta pessoas, nem sequer em cima dos móveis...

Fala quem sabe

«Durante anos acreditei que era possível pôr em prática uma política social de combate à pobreza e às desigualdades a partir de partidos do centro-direita (...). Foi isso que mudou: ao fim de 20 anos, cheguei à conclusão de que não é possível fazer uma política audaciosa a partir de partidos do centro-direita, pelas suas ligações umbilicais aos grandes interesses económicos. Esses partidos vivem dos contributos dos grandes interesses económicos.» (Freitas do Amaral em entrevista ao Expresso, 6/5/2006.)

Quem disse isto fundou e dirigiu o segundo maior partido da direita, foi candidato presidencial pela direita em 1986, e membro do Governo várias vezes. Seria interessante que os partidos de direita comentassem. Ou, já agora, que os blogues de direita comentassem.

domingo, 7 de maio de 2006

Iberismo mau, europeísmo bom

A extrema direita portuguesa anda histérica contra o Ministro Mário Lino por este se ter confessado «iberista». Este fim de semana, a campanha contra esse Ministro chegou mesmo ao Independente e ao Expresso. Mas o que disse Mário Lino de tão grave? O seguinte:
«Soy iberista confeso. Tenemos una historia común, una lengua común y una cultura común. Hay unidad histórica y cultural e Iberia es una realidad que persigue tanto el Gobierno español como el portugués. Y si hay algo importante para estas relaciones son las infraestructuras de transporte.»
Considerando que as declarações foram proferidas em Vigo, o mais provável é que a «língua comum» a que Lino se referia fosse o galego-português. De resto, são as amabilidades diplomáticas da praxe.

No entanto, imagine-se, imagine-se apenas, que dissera o seguinte:
«Sou um europeísta confesso. Temos uma história comum e uma cultura comum. Há unidade histórica e cultural e a Europa unida é uma realidade perseguida tanto pelo Governo estoniano como pelo português.»

Será que nesta situação haveria escândalo? Talvez sim, porque os mais indignados são quase tão anti-europeus quanto anti-espanhóis. Mas o que não falta são políticos que se orgulham de defender a alienação da nossa soberania a favor de uma entidade não democrática como a União Europeia, e com a qual aliás temos muito menos «cultura comum» (já sem falar em «língua comum»...). Chamam-se «europeístas». O problema real é esse, e não o fantasmático «iberismo».

quinta-feira, 4 de maio de 2006

Revista de blogues (4/5/2006)

  1. «Os paradoxos do sindicalismo», n´o Avesso do Avesso: «Os números não enganam: nos países nórdicos há menos greves e menos conflitualidade social. Os sindicatos são mais fortes e conseguem mais frequentemente os seus objectivos».
  2. «Será que Jesus existiu?», no Geosapiens: «Luigi Cascioli, um militante ateísta e autor do livro “A Fábula de Cristo”, trouxe finalmente o seu caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de Estrasburgo. (...) Luigi Cascioli argumenta que não há nem provas independentes nem realistas que de alguma maneira provem que Jesus tenha sequer tido uma existencia histórica e acusa a Igreja Católica e Apostólica Romana (I.C.A.R.) de ter enganado as pessoas com a fábula de Cristo desde há dois mil anos para cá e de ter tido com isso ganhos financeiros».
  3. «Faith=Illness. Why I've had it with religious tolerance», no blogue de Douglas Rushkoff: «Maybe I'm just getting old, but I no longer see the real value in being tolerant of other people's beliefs. (...) When religions are practiced, as they are by a majority of those in developed nations, today, as a kind of nostalgic little ritual -a community event or an excuse to get together and not work- it doesn't really screw anything up too badly. But when they radically alter our ability to contend with reality, cope with difference, or implement the most basic ethical provisions, they must be stopped».

terça-feira, 2 de maio de 2006

Hélio Schwartsman: «Todos os homens são roxos»

«A Câmara dos Deputados está prestes a aprovar o Estatuto da Igualdade Racial (PL 6.264/05), uma das mais estúpidas iniciativas legislativas que eu já tive ocasião de apreciar.
(...)
Chocaram-me sobremaneira os vários dispositivos (artigos 12, 17, 24 e 67) que tornam obrigatório o registro da "cor" do indivíduo numa série de documentos oficiais, como assento de nascimento, carteira de saúde, de trabalho, formulários de admissão e demissão, etc.
(...)
ao acatar a autodeclaração --a única forma não autoritária de classificar alguém-- e, ao mesmo tempo, acenar com vantagens para quem se afirmar negro, como o faz o Estatuto, a norma já introduz um viés que distorce o fenômeno que pretendia aferir. "Mutatis mutandis", é como se o funcionário de um instituto de pesquisas qualquer oferecesse um brinde a quem responder à pergunta da forma desejada pelo patrocinador da sondagem.
(...)
Cidadãos são cidadãos, não importando se brancos, negros, amarelos ou roxos. Aliás, a título de protesto, vou me declarar roxo todas as vezes que tiver de declinar minha "raça".
(...)
Além da classificação racial, vejo problemas graves nas cotas, que poderão ser estabelecidas para quase tudo, desde lugares nas universidades até postos na administração, e mesmo em empresas privadas, que receberiam incentivos fiscais.
Como já tive ocasião de afirmar em outras colunas, oponho-me à reserva de vagas principalmente por razões filosóficas. O pressuposto da ação afirmativa é o de que os erros do passado podem e devem ser compensados pela chamada discriminação positiva. Para resolver injustiças cometidas às vezes séculos atrás, suspendemos momentaneamente a igualdade jurídica entre os cidadãos --elemento fundamental da República-- e passamos a favorecer alguns dentre os milhões de descendentes do núcleo originalmente prejudicado. A idéia é que, ao patrocinar a ascensão social de uns poucos, acabamos por melhorar a auto-imagem do grupo, o que contribui para promover toda a comunidade.
(...)
Para não dizer que não falei de flores, vejo umas poucas virtudes no Estatuto. Parece-me correta a disposição de conceder às comunidades quilombolas a propriedade definitiva das terras que ocupam (capítulo VI do Estatuto), a exemplo do que a Carta de 88 já fizera com os índios.
(...)
Outro dispositivo que aplaudo é o que consta do artigo 28 e explicitamente assegura o direito à assistência religiosa a pacientes praticantes de credos de matrizes africanas. Com efeito, são vários os hospitais, principalmente os ligados a instituições religiosas cristãs, que impedem pais-de-santo e assemelhados de prestar auxílio a doentes. Só que, de novo, esse é muito mais um caso de polícia do que de lei, pois a Constituição já garante o exercício dessa prerrogativa para todas as religiões, sem distinção.
(...)
Bem mais difícil, para não dizer impossível, é elaborar normas capazes de acabar com atitudes segregacionistas, que estão firmemente plantadas na subjetividade dos indivíduos, na forma como cada um de nós pensa.
Podemos e devemos tentar demonstrar desde as primeiras séries escolares que o racismo é um erro, que não encontra base racional e já produziu algumas das piores catástrofes da história da humanidade. Mas, para o bem e para o mal, ninguém jamais encontrou uma fórmula eficaz para regular pensamentos
(Hélio Schwartsman na Folha de São Paulo; ler na íntegra.)

segunda-feira, 1 de maio de 2006

O anonimato como atitude aristocrática

O meu artigo sobre o anonimato suscitou um número de comentários pouco vulgar. Esclareço que acho injusto que JPP tenha misturado anónimos inocentes e anónimos indecentes na mesma enumeração, atingidos portanto pelos mesmos adjectivos. Garanto que não defendo a proibição do anonimato ou a intervenção estatal na blogo-esfera. Simplesmente, acho que este media poderá ser melhor se determinados comportamentos forem abertamente repudiados ou (auto)controlados. E mais, tem que ser dito que há colaboradores que desistem de escrever, e comentadores que se afastam das caixas de comentários e dos seus debates devido ao que lá se escreve (ao contrário do que afirma JPP, ninguém frequentaria um café em que se ouvissem os comentários que coligi mais abaixo...).
Deve acrescentar-se que JPP se engana também, no seu artigo, quando se refere aos comentadores anónimos como «igualitários absolutos». Na realidade, no caso dos insultadores compulsivos trata-se de uma aristocracia parasitária, que se permite aquilo que não permite aos autores dos blogues, pois explora a vida pública (e até privada...) dos comentados mas resguarda cuidadosamente a sua identidade. O facto mais significativo, e que deve ser retido da leitura deste artigo, é que os insultos mais violentos e rasteiros vêm, sem excepção, de anónimos que não teriam a coragem de escrever o que escrevem se tivessem que assinar com o nome por que são conhecidos na emprego-esfera ou na socialo-esfera.
Aponto estes exemplos também para que se perceba que não me refiro propriamente à Sabine ou à Maloud. A minha pergunta fundamental é esta: alguém acredita que comentários destes teriam sido escritos se os autores os tivessem que assinar com o nome real?
  1. «tu cantas cantas e fazes fitinhas mas se um dia te cruzares comigo na rua vais ter motivos para te queixar. E olha que a rasteira ou biqueirada não será anónima. Precisas que te vão ao pelo velho bode estalinista. Depois sim, depois ficam com a cruzada completa e com mártir.» Esta ameaça de agressão física aconteceu no Diário Ateísta.
  2. Também no Diário Ateísta, há um ou mais anónimos que já publicaram dados pessoais de alguns dos colaboradores. Num dos casos, chegou-se à ameaça de escrever para o emprego de um ateu, denunciando-o por postar em horário de serviço. Noutro, só falta publicarem a morada de um outro ateu, mas já indicaram em que bairro (crêem que...) vive e insinuaram observá-lo no dia-a-dia. Prefiro não usar linques neste caso.
  3. Novamente no Diário Ateísta, esta linguagem do mais ordinário aparenta pertencer a uma católica anónima: «uma rata?"??" vossência está a imaginar uma musaranha saudável a apanhar uma carga de percevejos ou outras alimárias que essa carcaça velha há-de alojar, só para lhe ir ao lombo?!?
    mas que ideia mais tolinha... há-de estar a confundir com a rata da sua mãezinha, por certo».
  4. Um caso curioso é o exemplo seguinte (tirado do Blasfémias) em que a autora dos comentários, que era anónima, pretendia enviar para o Ministério da Educação intervenções realizadas por autores do Diário Ateísta numa caixa de comentários: «quanto ao orgulho ateu dos 7 ateuzinhos militantes não sei se querem que coloque também aqui uma boa peça que até tinha para enviar para o ministério».
  5. Aqui no Esquerda Republicana, as caixas de comentários permitem, geralmente, conversas pacatas. Uma excepção importante aconteceu quando me lembrei de escrever sobre o debate Soares-Cavaco, e um indivíduo chamado João Caetano Dias usou o Pulo do Lobo para instigar um grupo de cavaquistas arruaceiros, todos anónimos, que me vieram aqui insultar (exemplo: acusarem-me de «[me achar tão incompetente que só acredito] singrar mentindo, conspirando e roubando»). O picante da estória é que o JPP era um dos colaboradores do dito Pulo do Lobo e não recordo que se tenha demarcado do açular de cães que por lá se fazia...
  6. A concluir, o espírito da aristocracia anónima: «tenho pois todo o direito de insultar quem quer que seja. E só não o faço ao vivo porque eles se cortam». Este comentário no Blasfémias evidencia a mentalidade corsária de alguns anónimos: quem insulta tem o direito de o fazer; e se o faz anonimamente, isso não apenas prova a «nobreza» do carácter do insultador, mas também a «cobardia» dos insultados, que nem sequer querem encontrar-se com a anónima para serem «insultados ao vivo»! (Confusos?)