- «(...) Que atracção mórbida têm os homens para inventar, ao longo dos tempos, religiões terríveis a que logo se escravizam? Que paixão aturdiu a humanidade levando--a a impor-se a si mesma códigos e proibições canalhas, ameaçar-se com fogos eternos, condenar-se absurdamente por toda a vida, centrar a existência em tabus alheios ao sentido comum e fazer de normas desumanas guias de conduta e de condenação? (...) Deus é de fiar? Deus não existe fora das cabeças dos homens, logo são os homens os que não são de fiar, nem eles nem as suas obras. Filhos de dogmas e preconceitos, herdeiros de tradições sem sentido, de superstições e de medos, os homens não souberam aproveitar a modernidade para combater o descaramento do irracional. Inclusive, o homem ocidental, o que se crê centro do mundo e dono dos melhores conceitos, revolve-se intranquilo se alguém, como Saramago, e não só, questiona supostas verdades reveladas. (...)» (Pilar del Rio no Diário de Notícias)
sábado, 31 de outubro de 2009
Saramago: a favor e contra
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Erica Fontes e a salivação da blogosfera
Câncio sobre Saramago
- «É que das duas uma: ou vemos aquilo como "a palavra de Deus" e portanto pode ser interpretado e decomposto por Saramago como lhe aprouver (só o tal deus sabe o que queria dizer) ou vemos aquilo como um conjunto de textos escritos por gentes diversas e Saramago pode interpretar e decompor como lhe apetecer (só quem escreveu sabe o que queria dizer e já cá não está para explicar). Alegar autoridade, eclesiástica ou académica, a propósito das opiniões de um escritor sobre textos escritos por pastores, pedreiros e soldados que têm sido apresentados durante séculos como ventríloquos de divindade é que é uma coisa um bocadinho disparatada.»
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
A pós-modernidade no gulag
- «Segundo Badiou (...) um acontecimento (...) é uma ruptura efémera e inédita (sem precedentes) na situação existente, inicialmente indiscernível por isso apelando à adesão subjectiva (e férrea) do sujeito, sendo o seu ineditismo inalcançável pelo conhecimento e não justificável».
- «(...) é óbvio que Gorbatchov, o “manchinhas”, veio interromper a sequência “existência do estado socialista soviético”. E não se sabe bem por que carga de água».
- «Que fez Soares? Sublinhe-se: colocou o futuro empírico da sequência acima da vivência da sua singularidade, fantasiou e manipulou o desfecho do “acontecimento 25 de Abril”, e fê-lo antidemocraticamente».
- «Porque é que temos de nos estar sempre a penitenciar pelo gulag?».
terça-feira, 27 de outubro de 2009
A raiz do problema
A "praxe" é, sobretudo, um negócio
Os caloiros do ensino superior, em Viseu, estão a ser "usados para aumentar o negócio de alguns bares". As denúncias são dos próprios alunos que acusam os elementos do Conselho de Viriato, o órgão académico que deve zelar pelo cumprimento das regras da praxe, de organizarem festas com os caloiros "pelas quais recebem percentagens do consumo feito nos bares".
Alguns alunos, que também já denunciaram a situação junto da presidência do Instituto Politécnico de Viseu (IPV), acusam Ana Pinto, presidente do conselho, de "organizar iniciativas da praxe em bares, para onde são levados os caloiros, recebendo depois percentagem pela despesa feita", contaram ao DN vários destes elementos, que temendo represálias, preferem ficar no anonimato.
A presidente do Conselho de Viriato, que para além de ser estudante no IPV, trabalha num bar de diversão nocturna na zona de Jugueiros, ao lado do instituto e onde funcionam mais de uma dúzia de bares, desvaloriza as acusações. "Os alunos praxados têm um percurso, vão aos bares, onde ouvem pessoas a falar sobre diversos temas. Se tiverem dúvidas são retiradas e depois seguem para outro bar", revela a estudante.
A presidente do Conselho de Viriato refere que as denúncias surgem de "guerras entre as casas de diversão nocturna que lutam ferozmente pela presença dos estudantes do ensino superior. E viram-se para mim porque eu oriento mais de 700 alunos e sou um alvo mais fácil", adianta. Embora considere as denúncias "difamatórias" Ana Pinto, que é estudante no Politécnico de Viseu há dez anos, garante que o Conselho de Viriato "vai tomar mais cuidado com as iniciativas que envolvem os caloiros".
Sam Harris
Mas na página 189, mais ou menos, este Sam Harris desata a defender a tortura (de "terroristas") e a louvar as palavras do sociopata mais mau e mais odioso que vive presentemente nos EUA: Alan Dershowitz, sobre quem Woody Allen escreveu em "Deconstructing Harry": (no elevador para o inferno) "Floor six: Right-wing extremists, serial killers, and lawyers who appear on television".
Acho que me vou ficar por aquela página e começar a ler outra coisa qualquer.
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
República e transitoriedade
Revista de blogues (26/10/2009)
- «A propósito das declarações de Saramago, que a Bíblia é um «manual de maus costumes», teólogos e sacerdotes têm apontado que ler a Bíblia é uma coisa muito complicada. Como disse Carreira das Neves em debate com Saramago, a Bíblia tem infinitas leituras (1). Mas isso quase tudo tem e, retorquiu Saramago, por muitas interpretações que se dê a um texto não se pode esquecer o que lá está escrito. (...) E há episódios que nenhuma (re)interpretação pode safar. Moisés desce da montanha e manda chacinar uma data de gente por ter um deus diferente. Deus manda matar cidades inteiras, destrói Sodoma e Gomorra por causa de preferências sexuais, transforma uma mulher em sal só porque olhou para trás, mata os primogénitos no Egipto só porque o Faraó era teimoso e assim por diante. Se os lermos como obra humana, estes relatos explicam-se pelo contexto cultural. Eram pessoas menos esclarecidas, intolerantes, sem respeito pela liberdade religiosa, privacidade e outros direitos fundamentais. Mas se é um livro inspirado por um deus então esse deus é horrível. (...) Muito pouco na Bíblia é compatível com os valores da civilização moderna. Quem preza a liberdade e a justiça não pode concordar nem com o antigo testamento, com um deus tirano que castiga e tortura só porque lhe apetece, nem com o novo testamento, em que o mesmo deus se faz inocente e se finge matar para nos dar esperança ou mostrar que morrer na cruz é amor.» (Treta da semana: Leitura simbólica)
- «Para VPV as ideias de Saramago são “de trolha ou tipógrafo semi-analfabeto”, produto da senilidade dos seus “80 e tal anos”. O Nobel foi atribuído como a “vários camaradas que não valiam nada” e é lido por milhões de pessoas “acéfalas que nem distinguem a mão esquerda da mão direita.” VPV não reconhece “a Saramago a mais remota autoridade para dar a sua opinião sobre a bíblia ou sobre qualquer outro assunto”. Essa suposta autoridade só lhe deve ser concedida porventura a ele próprio que opina acerca de tudo dizendo pouco mais do que nada, mantendo porém sempre o indelével traço da arrogância e altivez. Depois vem a velha lenga-lenga do PREC e do DN há muito desmentida, quer por Saramago, quer por quem o acusava, mas parece que tal não teve eco nas masmorras do séc. XIX onde VPV está agrilhoado. Mas a sobranceria e desdém não acabam aqui: “Saramago está mesmo entre as pessoas que nenhum indivíduo inteligente em princípio ouve” e a pérola final diz tudo sobre o carácter do seu autor: “D. Manuel Clemente conhece com certeza a dificuldade de explicar a mediocridade a um medíocre e a impossibilidade prática de suprir, sobre o tarde, certos dotes de nascença e de educação.” Ou seja, resume tudo à falta de berço, argumento tão querido à nata da sociedade que passados quase 100 anos sobre a fundação da República ainda não entendeu (apesar de todas as obras e teses por ele publicadas) nem o seu significado, nem sequer a premissa de que somos Homens iguais a quem se devem dar iguais direitos e iguais oportunidades. E é por isso que destila diariamente o ódio a tudo e a todos que vêm de baixo, aos que sobem a pulso, aos que não se deixam vencer pela sua condição social, aos que indo da “província” para Lisboa não se intimidam pelas elites que ainda se julgam aristocráticas por viverem das rendas que os negócios do estado proporcionam, bem mais lesivas para o país do que os supostos milhões perdidos para os pobres preguiçosos do RSI a quem todos culpam.» (O ódio de Vasco Pulido Valente)
domingo, 25 de outubro de 2009
O dilema do historiador - V
Nota- É possível encontrar várias diferenças entre este mito inventado por mim, e a história em relação à qual muitos acreditarão que me estou a referir, para fazer uma analogia.
Na verdade não pretendo fazer uma analogia.
Pretendo realmente saber o que pensariam neste caso em concreto.
Consoante a resposta, poderei perguntar quais as diferenças relevantes entre as situações, e nessa altura será interessante conhecer e discutir as diferenças fundamentais entre as duas situações. Para já, esta pergunta que faço não é um argumento. É mesmo curiosidade wm saber o que diferentes leitores pensam sobre esta questão.
O dilema do historiador - IV
«Seja por magia ou não, a verdade é que podemos assumir que recuperar um braço é um evento extremamente improvável.
Existem inúmeras explicações possíveis para os três textos com os quais tomei contacto, bem como para a tradição oral. É comum que mitos sem fundamento sejam passados de geração em geração, e existem inúmeras formas em relação às quais uma história falsa pode ser tomada como verdadeira. Os alguns líderes Flubos poderiam querer incentivar a auto-confiança dos seus aldeões na luta contra um inimigo poderoso como os Astecas espalhando rumores a respeito da magia muito poderosa dos seus curandeiros, ou os membros da aldeia de Tui poderiam ter espalhado essa história depois da morte do seu líder para ganhar mais respeito por parte de outras aldeias, etc...
Cada uma destas várias possíveis explicações é altamente improvável, mas ainda assim muito mais provável que a recuperação do braço que, com magia ou sem ela, é algo tão raro e improvável que seria mais extraordinário que qualquer destas explicações.
No seu conjunto, que exista magia ou não, e face aos indícios a que temos acesso, é biliões de vezes mais provável que Tui não tenha recuperado o seu braço. Biliões é uma força de expressão, a diferença entre ordens de grandeza é muito superior a isso.
É possível dar como certo que Tui não perdeu o braço.
Em termos históricos é possível afirmar que Tui não perdeu o braço, e quem em finais do século XIV um mito surgiu entre os Flubos. Seria interessante investigar porquê.»
O dilema do historiador - III
«Os textos descrevem factos que parecem impossíveis à luz da ciência. Tanto quanto sabemos é impossível que alguém consiga recuperar um braço que perdeu anos antes. Muito menos com a ciência e tecnologia presentes vários séculos atrás.
No entanto, os textos não alegam que o fenómeno ocorrido tenha sido um fenómeno natural. Pelo contrário, os textos sugerem que se tratou de magia, a qual viola as leis naturais.
Mas existirá magia? Não cabe à história responder a essa pergunta. Pode existir magia ou não, depende das convicções de cada um. E como a plausibilidade dos relatos depende da possibilidade de existir magia - a qual está fora do domínio da ciência em geral e da história em particular - saber se Tui recuperou o braço ou não também está fora do domínio da história.
É uma pergunta interessante sobre a qual a história não tem nada a dizer. Depende da convicção de cada um.»
O dilema do historiador - II
«Estou perante três testemunhos diferentes, mas que concordam no essencial (Não necessariamente por esta ordem: Tui tornou-se chefe da aldeia, Fuka que era curandeiro ensinou-lhe muita coisa, Tui perdeu o braço numa batalha contra os Astecas, foi conhecido como "o chefão maneta", passados anos Tui recuperou o seu braço). Além disto, existe uma tradição oral que sobrevive até hoje e concorda no facto essencial: o "chefão maneta" perdeu e recuperou o braço.
Pelas leis naturais é praticamente impossível que algo deste género se suceda. Não existe nenhum outro caso registado de alguém que tenha perdido o braço e recuperado. No entanto, a magia viola as leis naturais, e os textos fazem referência a magia.
Se "Tui" não tivesse de facto perdido e recuperado o seu braço, como explicar estes três textos? Eles discordam em detalhes, pelo que são fontes diferentes e independentes a relatar os mesmos eventos, com as disparidades que seriam de esperar. Que uma fonte estivesse equivocada ou simplesmente a relatar uma mentira parece bizarro, mas três?
Pior ainda, a tradição oral. Se este facto não tivesse ocorrido, como explicar que ele fosse convincente para tanta gente, e esta história sobrevivesse até aos dias de hoje?
A explicação mais plausível para estes textos e esta tradição oral, de um ponto de vista histórico, é que no essencial os factos que descrevem são verdadeiros. Provavelmente ocorreram. Tui perdeu o braço, e devido a poderes mágicos, recuperou-o.»
O dilema do historiador - I
Na sua procura por conhecer mais profundamente a história dos Flubos, José encontra vários textos que descrevem, com algumas diferenças, um evento extraordinário. A investigação de José leva-o à conclusão que os textos datam do ano de 1390 (d.C.), 1420 e 1430 respectivamente, mais ano menos ano. A história descrita tomou lugar, alegadamente, em 1350.
O primeiro texto conta a história de um camponês chamado Tui, que, por feitos extraordinários, acabou por se tornar chefe da aldeia. Como chefe da aldeia, Tui quis aprender mais e mais segredos mágicos com o curandeiro, Fuka. Um dia, numa batalha contra os Astecas, Tui perdeu o braço.
Durante 2 anos, Tui foi conhecido por todos como "o chefão maneta". Durante esses anos, Tui explorou mais e mais os segredos da magia, e um dia apareceu perante os aldeões novamente com dois braços. Acabou por ser um líder muito amado pelos aldeões, e muitos diziam que também era amado pelos deuses.
No segundo texto Tui é filho de Gra, o chefe da aldeia. Tui é curioso e quer aprender com Fuka - o curandeiro - os segredos mágicos e a arte da cura. Um dia, numa batalha contra os Astecas, Tui perdeu o braço e Gra morreu. Como sendo o primogénito de Gra, Tui torna-se o chefe da aldeia.
Durante 2 anos, Tui foi conhecido por todos como "o chefão maneta". Durante esses anos, Tui explorou mais e mais os segredos da magia, e um dia apareceu perante os aldeões novamente com dois braços.
No terceiro texto Tui é um camponês. Um dia, numa batalha contra os Astecas, Tui perdeu o braço, e Gra - o chefe da aldeia - morreu. Devido aos actos heróicos na batalha, Tui torna-se o novo chefe da aldeia.
Tui conhece então Fuka, que é o curandeiro, e procura aprender com ele as artes mágicas. Ele é conhecido como "o chefão maneta", e é muito amado pelos aldeões. Durante esses anos, Tui explorou mais e mais os segredos da magia, e um dia apareceu perante os aldeões novamente com dois braços.
Por outro lado, José Matias sabe que esta história ainda vive na tradição oral. Existe quem ainda fale de um indivíduo que era apelidado de "chefão maneta", num passado distante, o qual tinha perdido o braço, mas depois este voltou a crescer.
Que conclusões vai tirar José Matias da leitura destes dados?
Deverá acreditar que Tui conseguiu por artes mágicas recuperar o seu braço?
Existem três possibilidades.
sábado, 24 de outubro de 2009
Ateísmo e anti-teísmo
Já li e ouvi muitos católicos dizerem isto. Acontece que estão a incorrer numa confusão. Não é por fazer um juízo de valor (ético) sobre o Deus da Bíblia que eu sou ateu. É por fazer um juízo de facto (científico) sobre as alegações da existência de «Deus», sobre a origem do universo, sobre a «vida depois da morte» e sobre a «ressurreição», que sou ateu. E comigo muitos outros, que fundamentam (quando necessário) o seu ateísmo em Bertrand Russell, Carl Sagan ou Richard Dawkins, e na ciência em geral. Somos ateus porque temos a certeza quase total de que aquele «Deus» não pode existir no universo que conhecemos. A questão de saber se o «Deus» da Bíblia e das suas múltiplas interpretações é justo, cruel ou tirânico, é uma questão separada, e que não nos torna mais ou menos ateus.
Efectivamente, eu rejeito que o «Deus» da Bíblia possa ser considerado justo, amoroso ou misericordioso. Mas isso não tem nada a ver com a questão da existência. É por saber (com um grau de certeza maior do que saber se vai chover amanhã) que não existe, que sou ateu. Se eu estivesse convencido da existência de «Deus», a questão seria outra. Em primeiro lugar, não seria ateu. Mas, por rejeitar as suas crueldades e ensinamentos imorais, não lhe prestaria culto e revoltar-me-ia contra os seus actos. Seria, então, anti-teísta. O que é outra coisa.
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
O novo Governo
Alegre sobre Saramago
- «(...) não se perdoa a Saramago ser um grande escritor da língua portuguesa, ser um Prémio Nobel e não ser um homem religioso» (A Bola).
Ainda sobre Saramago
Jovem pertencente a uma seita entra no Parlamento
- «- Concorda com o modelo que está a ser seguido na China pelo PCC?
- Pessoalmente, não tenho que concordar nem discordar, não sou chinesa. Concordo com as linhas de desenvolvimento económico e social que o PCP traça para o nosso país. Nós não nos imiscuímos na vida interna dos outros partidos.
- Mas se falarmos de atropelos aos direitos humanos, e a China tem sido condenada, coloca-se essa não ingerência na vida dos outros partidos?
- Não sei que questão concreta dos direitos humanos...
- O facto de haver presos políticos.
- Não conheço essa realidade de uma forma que me permita afirmar alguma coisa.»
Comentário: ela não sabe que há presos políticos na China. Mesmo que haja, não se mete na vida interna de outro partido (comunista), mesmo que esse partido seja capaz de mandar gente para a prisão por razões políticas. A fidelidade é muito bonito.
«- Como encara os campos de trabalhos forçados, denominados gulags, nos quais morreram milhares de pessoas?
- Não sou capaz de lhe responder porque, em concreto, nunca estudei nem li nada sobre isso.
- Mas foi bem documentado...
- Por isso mesmo, admito que possa ter acontecido essa experiência.»
Comentário: ela não leu nada sobre os gulags (como os católicos não lêem sobre a Inquisição). Mas admite que possam ter existido enquanto «experiência»(!). Sem que isso a preocupe muito, aparentemente.
Fascinante. A realidade, no fundo, é o que nós quisermos. Basta querer, como dizia o outro.
Pat Condell
Um clássico da anti-religiosidade portuguesa
Deus muitissimo padre e muito pouco eterno,
Teve uma ideia suja, uma ideia infeliz:
Poz-se a esgaravatar co-o dedo no nariz,
Tirou d'esse nariz o que um nariz encerra,
Deitou depois isso cá baixo, e fez a terra.
Em seguida tirou da cabeça o chapeu,
Pol-o em cima da terra, e zás, formou o céo.
Mas o chapéu azul do Padre Omnipotente
Era um velho penante, um penante indecente,
Já muito carcomido e muito esburacado,
E eis ahi porque o céo ficou todo estrellado.
Depois o Creador (honra lhe seja feita!)
Achou a sua obra uma obra imperfeita,
Mundo serrafaçal, globo de fancaria,
Que nem um aprendiz de Deus assignaria,
E furioso escarrou no mundo sublumar,
E a saliva ao cahir na terra fez o mar.
Depois, para que a Egreja arranjasse entre os povos
Com bulas da cruzada alguns cruzados novos,
E Tartufo podesse inda d'essa maneira
Jejuar, sem comer de carne á sexta feira,
Jehovah fez então para a crença devota
A enguia, o bacalhau e a pescada marmota.
Em seguida metteu a mão pelo sovaco,
Mais profundo e maior que a caverna de Caco,
E arrancando de lá parasitas extranhos,
De toda a qualidade e todos os tamanhos
Lançou sobre a terra, e d'este modo insonte
Fez elle o megatheiro e fez o mastodonte.
Depois, para provar em summa quanto póde
Um Creador, tirou dois pellos do bigode,
Cortou-os em milhões e milhões de bocados,
(Obra em que elle estragou quatrocentos machados)
Dispersou-os no globo, e foi d'esta maneira
Que nasceu o carvalho o platano e a palmeira.
###
..................................................
Por fim com barro vil, assombro da olaria!
O que é que imaginaes que o Creador faria?
Um pote? não; um bicho, um bipede com rabo,
A que uns chamam Adão e outros Simão. Ao cabo
O pobre Creador sentindo-se já fraco.
(Coitado, tinha feito o universo e um macaco
Em seis dias!) pensou: — Deixem-nos de asneiras.
Trago já uma dôr horrivel nas cadeiras,
Fastio... Isto dá cabo até d'uma pessoa...
Nada, toca a dormir uma sonata boa!
Descalçou-se, tirou os oc'los e chinó,
Pitadeou com delicia alguns trovões em pó,
Abriu, para cahir n'um somno repentino,
O alfarrabio chamado o livro do Destino.
E enflanelando bem a carcassa caduca,
Com o barrete azul celeste até á nuca,
Fez ortodoxamente o seu signal da cruz
Como qualquer de nós, tossiu, soprou á luz,
E de pança p'ro ar, n'um repoiso bemdicto,
Espojou-se, estirou-se ao longe do infinito
N'um immenso enxergão de nevoa e luz doirada.
E até hoje, que eu saiba, inda não fez mais nada.»
Agradecimentos ao Viseu Esquerda.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
6013
Na sexta-feira da Criação, depois do almoço, Deus sentou-se um bocadinho a descansar, fumou uma broca à sombra duma árvore (criada dois dias antes) e deitou a beata para o chão. Poucas horas depois viu que a planta da canabis se tinha espalhado por toda a Criação e exclamou: "Valha-me eu próprio! O que é que eu fui fazer! Agora tenho de criar os republicanos!"
E foi assim que foram criados os fundadores do partido republicano e do partido popular europeu.
Viva Saramago!
terça-feira, 20 de outubro de 2009
O país que temos
A grande dúvida sobre o próximo governo
Saramago tem razão
Republicanos pro-violação
A ser verdade
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
domingo, 18 de outubro de 2009
A Idade Média
Numa das fotografias de um dos jornais há um grupo de meninas muito bonitas com cartazes, que me lembraram imediatamente uma amiga minha, que há uns anos se foi manisfestar contra o aborto em Lisboa, com a mãe e um grupo de amigos católicos, e no dia a seguir foi fazer um aborto a uma clínica da margem sul (que já estava marcado).
Para além da hipocrisia, do ódio à sexualidade e à emancipação das mulheres, e da natureza simplista de se querer manter uma lei que absolutamente ninguém cumpre, acho inacreditável que sejam os bispos - homens que supostamente (e uso a palavra com cuidado) levam uma vida casta - a querem legislar sobre o corpo das mulheres.
Volta e meia gostava de ver a Igreja fazer uma proposta que um humanista pudesse aceitar. Parece que desde que morreu o papa Paulo VI nunca mais se elegeu um bispo com empatia pela espécie humana...
Burca: mais vozes islâmicas pela proibição
- «(...) The Muslim Canadian Congress (MCC) is now adding its voice to Sheikh Tantawi’s, and all the others who demand an end to this insult to the female gender. The MCC, an organization that I once led, has asked Ottawa to introduce legislation that will “ban the wearing of masks, burkas and niqabs in public.”
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
Sobre o "caso Maitê Proença"
- chamar "vilazinha" a Sintra? No português do Brasil, o diminutivo não é depreciativo (ao contrário de, por vezes, em Portugal). Pensem por exemplo nos jogadores de futebol - acaba tudo em "inho". Não há ofensa nenhuma (muito menos ignorância) em um brasileiro referir-se à "vilazinha" de Sintra;
- dizer que em frente a Belém está "o mar"? Bem, se foi dali que Vasco da Gama partiu, a confusão é legítima. Ninguém sabe muito bem onde acaba o rio e começa o mar naquela zona - a estação de comboio da linha de Cascais chama-se "Alcântara-Mar" e não "Alcântara-Rio". De resto, logo no próprio vídeo a correcção é feita;
- não saber que o 3 ao contrário é "místico"? Eu também não sabia. E acho que ela tem todo o direito a gozar com o misticismo;
- a afirmação "o ditador Salazar esteve no poder mais de 20 anos" é matematicamente verdadeira. Sabemos que na linguagem comum "mais de 20 anos" quer dizer "menos de 30", o que relativamente a Salazar é errado. Mas mais grave seria não saber história portuguesa - Maitê tem, pelo menos, noções. Quantos dos que a criticam têm noções de história brasileira? E, já agora, quantos dos que a criticam sabiam que o padrão dos Descobrimentos é uma obra do salazarismo, como Maitê afirmou?
- Maitê aproveitou para referir-se (num tom jocoso) aos portugueses que elegeram Salazar como "o melhor português de sempre". Creio que a irritação de muito boa gente vem daqui. Apostaria que os críticos mais indignados de Maitê que por aí vemos concordam que Salazar é o melhor português de sempre. Este episódio não pode ser totalmente compreendido sem considerar esta parte do vídeo.
Outro republicano
- «O Rei sou Eu, caro leitor. E não tenha inveja, que o leitor também é. É essa a maravilha de tornar os Estados numa coisa pública, tirando-os da mão de um senhor - normalmente é um senhor, não há quotas na genética - que o herdou apenas porque os concidadãos dos seus antepassados não se importaram de abdicar do direito a escolher o seu líder máximo, delegando tal competência à madrasta natureza. E que madrasta, tantas vezes. Dizem que o monárquico é regime de muita virtude. Que os países mais ricos da Europa são Monarquias. Pois são. Mas falta dizer que se tornaram os mais ricos e poderosos muito antes de se pensar na ideia de uma República. Ou no século XIX a Inglaterra e a Holanda não eram muito mais ricas que esta nossa praia mal amparada? Pois é. Estas faláciazinhas só enganam quem se quer deixar enganar. (...)» (Expresso)
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
O fim do ateísmo tranquilo
Espero que nos próximos anos as pessoas lhes percam o medo progressivamente e os questionem sobre a fonte da autoridade moral que lhes permite chamar assassinas de bébés às mulheres desesperadas que têm de recorrer ao aborto.
O fim do ateísmo tranquilo
- «Às insolências reaccionárias da Igreja Católica há que responder com a insolência da inteligência viva, no bom sentido, da palavra responsável. Não podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias pelos presumíveis representantes de Deus na terra, a quem na realidade só interessa o poder» (Público).
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Peritos querem que o Estado cobre 20% sobre lucros na bolsa
E mais, no Público.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Espinho
Margem Sul do Tejo
Alentejo
Lisboa
Tal como (quase que aposto!) Carlos do Carmo e muitos outros lisboetas, tenho pena que a CDU tenha perdido um vereador, mas não me arrependo de nada. Principalmente porque creio que votei (convictamente) num grande presidente de câmara, mas também porque, como se comprovou, o risco de vitória de Santana Lopes era real. E havia que não dispersar votos, para não voltar a suceder como em 2001. Já da não-eleição de vereadores do Bloco de Esquerda não tenho pena nenhuma. Em qualquer dos casos, o sectarismo foi penalizado.
Tal como (quase que aposto!) Carlos do Carmo e muitos outros lisboetas, votei na CDU para a Junta de Freguesia. Considero os meus votos muito bem empregues. Nenhum deles foi perdido.
Santana Lopes tinha razão ao apontar o "voto útil" em Costa (para a vereação) por parte dos eleitores mais à esquerda, principalmente da CDU, como se comprova com o muito melhor resultado que a coligação teve nas eleições para as freguesias. Já não tem razão nenhuma (e soa a delírio) falar num "acordo secreto" entre PS e CDU ou numa intenção deliberada do PCP em votar no PS para a vereação. Por um lado estes resultados fortalecem Santana: este voto útil mostra que era um adversário temível para a esquerda. Mas por outro lado tornam evidente que a principal preocupação de grande parte do eleitorado era que Santana não fosse eleito. Santana divide os lisboetas quase ao meio: uma parte significativa ainda gosta muito dele, mas a maioria sente por ele uma rejeição enorme. Por muito que já haja quem afirme o contrário, Santana é um dos grandes derrotados da noite.
Guerra
HuffPo: LYNN, Ind. — An ex-Marine who served in Iraq has been charged with three counts of attempted murder of a police officer after firing on police.
Authorities say 26-year-old Andrew Ward of rural Lynn fired four shotgun blasts at three officers Friday night at a rural farm house. No officers were hurt.
After that weapon and another malfunctioned, officers used a stun gun to subdue Ward. He was being held without bond Sunday. He also faces preliminary charges of criminal recklessness, battery and intimidation.
Relatives say Ward was discharged from the Marines last month and is seeking disability veterans benefits for anxiety and post-traumatic-stress disorder. An older brother who also served in Iraq killed himself in 2003.
Lynn is about 65 miles east of Indianapolis.
Pulido Valente
Claro que estamos todos frustrados com os fracassos desta administração. Mas acho injusto culpá-lo por tudo o que acontece num país em que 100 milhões de pessoas são como o homenzinho que o abordou por causa do tabaco, ou seja, ainda não estão preparados para aceitar as ideias da "Idade da Razão".
Quase tudo na mesma
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
A minha declaração de voto em Lisboa
Debate sobre Lisboa (2) – as propostas de Santana
Debate sobre Lisboa (1) – o outro António Costa
O apoio que faltava
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Confirma-se: TV RIP
Eleições autárquicas
Caroline Fourest: laicismo e anti-racismo
- «(...) La mode consiste à organiser des face-à-face entre islamistes sulfureux et nationalistes nauséabonds. La recette a fait ses preuves : pour gonfler à la fois l'audience et les extrêmes. Avec un peu d'habileté rhétorique, les ambassadeurs d'un islam intolérant parviennent à occuper l'espace médiatique au détriment des musulmans laïques, mieux, à les faire passer pour de "faux" musulmans. Les citoyens se demandent où sont passés les esprits libres de culture musulmane. Les populistes n'ont aucun mal à les convaincre que tous les musulmans sont... des intégristes.
(...) Ce n'est pas un hasard si les partis populistes font des percées en Suisse, en Grande-Bretagne et aux Pays-Bas. Dans ces trois pays, on a trop longtemps toléré l'islam intolérant au nom du multiculturalisme. Le retour de flamme a une couleur illusoire mais rassurante : "le bon vieux temps... monoculturaliste".
Le danger ne vient pas d'une extrême droite caricaturale, mais de partis libéraux et populistes. Ils captent une inquiétude légitime envers l'islamisme, et la transforment en peur de "l'islamisation". Ces dernières années ont connu la percée de trois partis populistes européens ayant fait campagne sur ce thème : le Parti national britannique de Nick Griffin en Grande-Bretagne, le Parti de la liberté de Geert Wilders aux Pays-Bas et l'UDC de Christophe Blocher en Suisse.
(...)
Son intransigeance envers l'islam n'a d'égal que sa complaisance envers le christianisme, décrit comme porteur "de valeurs qui ont conduit à la sécularisation et à la démocratisation" caractérisant "le modèle occidental". Comme s'il n'avait jamais fallu arracher ces valeurs à l'Eglise... (...)» (Caroline Fourest)
Viva a República! (dos blogues)
- «A Revolução de 1820, o 5 de Outubro de 1910 e o 25 de Abril são os marcos históricos da liberdade, em Portugal. Foram momentos que nos redimiram da monarquia absoluta e da dinastia de Bragança; são as datas que honram e dão alento para encarar o futuro e fazer acreditar na determinação e patriotismo dos portugueses. Comemorar a República é prestar homenagem aos cidadãos que não quiseram mais ser vassalos. O 5 de Outubro de 1910 não se limitou a mudar de regime, trouxe um ideário libertador que as forças conservadoras tudo fizeram para boicotar.
Com a monarquia caíram os privilégios da nobreza, o imenso poderio da Igreja católica e os títulos nobiliárquicos. Ao poder hereditário e vitalício sucedeu o escrutínio do voto; aos registos paroquiais do baptismo, o Registo Civil obrigatório; ao direito divino, a vontade popular; à indissolubilidade do matrimónio, o direito ao divórcio; à conivência entre o trono e o altar, a separação da Igreja e do Estado.» (Diário Ateísta)
- «(...) na génese de todos os regimes republicanos há uma lógica de valor inestimável e que faz debelar qualquer esforço de cotejo com as monarquias, sejam estas as da Europa do Norte ou as de Cuba e da Coreia do Norte: o princípio republicano ensina-nos que ninguém deve adquirir nem manter de modo vitalício um cargo, posição ou direito pessoal, pelo mero facto do nascimento. Ninguém se pode tornar na primeira figura de um País por simples via urinária mas sim pelo seu mérito, pelo seu engenho e pelo reconhecimento dos seus concidadãos.
Com todos os seus múltiplos desvios (que são bem conhecidos) isto basta para que eu prefira a República a todas as demais alternativas em que o mérito e o prestígio são institucionalmente herdados e não alcançados por merecimento pessoal.» (Blasfémias)
- «A República trouxe a separação entre Estado e Igreja, laicizou e promoveu o ensino em todos os níveis e para todos os extractos sociais, deu direitos civis iguais a homens e mulheres, despenalizou o aborto e a homossexualidade e, sobretudo, aboliu os privilégios, fiscais e outros, atribuídos na base do nascimento.
Mas ainda falta República. Graças a uma revolução de mentalidades que continua por fazer, visível quer na naturalidade como os portugueses olham para o fenómeno crescente da apropriação rentista de recursos públicos, quer na promovida veneração de bem nascidos independentemente do seus méritos, a aristocracia monárquica foi substituída por uma aristocracia republicana que, embora com privilégios diferentes, continua a tê-los efectivamente e a poder transmiti-los de geração em geração.» (O País do Burro)
Purificar a Bíblia!
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Desfazendo mentiras e calúnias sobre a 1ª República portuguesa
A recém-publicada «História da Primeira República Portuguesa» (coordenação de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo) é uma obra completa e rigorosa sobre um período da nossa História sobre o qual se continuam a confrontar perspectivas ideologicamente opostas, um confronto que será, possivelmente, bastante visível no próximo ano. Na «Introdução», Fernando Rosas explica parte da motivação das mais de 600 páginas do volume.
«O centenário do regicídio, em 2008, deu lugar ao reaparecimento e à reafirmação de uma corrente a meio caminho entre a história e a política, de forte cunho ideológico monárquico-conservador, por vezes enfaticamente promovida em alguns media, que, na realidade, constitui uma reedição quase ipsis verbis do discurso propagandístico do Estado Novo sobre a Primeira República.
A Primeira República é aí apresentada, melhor dizendo, é aí demonizada, como nos tempos áureos do Secretariado de Propaganda Nacional e dos plumitivos integralistas convertidos ao salazarismo, como uma realidade simultaneamente a-histórica e anti-histórica.
A-histórica, porque era inexplicável à luz das realidades sociais e políticas do país, não tinha raízes nelas e muito menos as reflectia. Não possuía base social relevante - o alegado carácter «pequeno-burguês» da revolução republicana era uma mistificação marxizante fora de moda... -, pois o republicanismo era pouco mais do que uma conspiração maçónica-radical de alguns intelectuais urbanos subversivos, sedentos de poder e carentes de escrúpulos e de responsabilidade, a quem umas sabradas a tempo, como prometera João Franco, teriam facilmente metido na ordem. E, não sendo reconhecido um programa económico e social digno desse nome ao republicanismo, as suas aspirações - pretensamente democratizantes - já estariam realizadas pelas instituições da monarquia liberal, que era, no fundo, uma «república com rei». A República e o seu rol de prepotências e desordens não seria, afinal, senão o fruto de uma absurda conspiração de um punhado de desordeiros, tolerada pela fraqueza ou pela pusilanimidade do poder, sem apoio no país, ao arrepio da marcha pacífica e consensual da Monarquia e da governação dos seus avisados e liberais dirigentes. Uma espécie de maldição a-histórica que se abatera inopinadamente sobre o destino nacional.
E daí o seu carácter anti-histórico. A Primeira República, caricaturada com os traços grossos de uma balbúrdia terrorista e persecutória que não só desculpabilizaria como exigiria a Ditadura Militar e o Estado Novo, participava, no fundo, dessa espécie de desvio ao «verdadeiro curso» da história nacional. (...)»
Recomenda-se a leitura, em particular, ao Dorean Paxorales, ao 31 da Armada e ao Estado Sentido. Pode servir para rever certos dogmas e distorções tão estridentemente reafirmados. Mal não lhes fará.
Viva a 1ª República portuguesa!
domingo, 4 de outubro de 2009
Viva a República!
A República nos blogues
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
A tralha socrática: Augusto Santos Silva
O PS terá que tentar estabelecer pontes e acordos com os outros partidos de esquerda. Sabemos que tais pontes só serão possíveis em casos pontuais, mas o PS não pode ser acusado de não as tentar estabelecer. Por isso terá de se assistir ao afastamento de Augusto Santos Silva, o ministro dos assuntos parlamentares que assumiu que gosta de “malhar” nos partidos à sua esquerda, mas não hesitou, há três semanas, em directo, no “Prós e Contras”, a dirigir-se ao reaccionaríssimo Paulo Rangel como “o meu amigo” (algo que não fez a mais nenhum dos membros dos partidos presentes no programa). Talvez por dois tripeiros serem sempre amigos (por aqui se vê que o Porto é uma cidade pequena). Talvez, mais provavelmente, por o ex-maoísta (mas ainda bem maoísta na mentalidade) Santos Silva preferir qualquer outra alternativa a aliar-se ao PCP. É essa a cultura maoísta portuguesa, também presente em muitos sectores do Bloco de Esquerda (não todos). Convergências à esquerda assim são difíceis. Mas o PS não é o principal culpado de tal facto. Esta semana Santos Silva voltou ao “Prós e Contras”, pela enésima vez. Deve ter alguma avença. Ou então é porque a apresentadora é tripeira (também deve ser “sua amiga”). Que se mantenha como comentador, se ele e Fátima Campos Ferreira quiserem. Mas se o PS quer um mínimo de convergência à esquerda não o pode ter no governo. Muito menos nos assuntos parlamentares.
«Uma mulher é que não»
- «Nos dois anos lectivos, 1961/62 e 1962/63, coleccionei numerosos amigos e fiz três inimigos íntimos: o padre Morgadinho, que se julgava o braço armado da senhora de Fátima e me denunciou à PIDE, o tenente Gaspar que comandava a PSP e me acolheu várias noites na esquadra, para interrogatórios e conselhos, e o Director interino que regularmente vinha ameaçar-me com a demissão. (...) Fiquei em primeiro lugar nas escolas a que concorri. As femininas e mistas eram interditas a professores mas, nas masculinas, as professoras só podiam ser colocadas se não houvesse candidatos masculinos. Como havia poucos professores, a colocação era facílima para os homens. (...)Em Outubro lá fui parar à Lourinhã e logo recebi a visita do Director que me vinha felicitar por ser o director da escola masculina e anunciar que já tinha mandado para o Diário do Governo a minha nomeação de Delegado Escolar.
De facto, com vinte anos, antes de atingir a maioridade, o meu nome veio publicado na 2.ª série do Diário do Governo nomeado Delegado Escolar da Lourinhã.
Só então me dei conta de ser o melhor professor do concelho. Era o único. Mais de oitenta professoras tinham um defeito de género que superava a minha inexperiência e quaisquer defeitos de um homem.»