sábado, 31 de outubro de 2009

Saramago: a favor e contra

Outra defesa de Saramago, que toca naquilo que valeria a pena discutir, e que é difícil discutir devido às reacções emocionais dos «catolicamente correctos»:
  • «(...) Que atracção mórbida têm os homens para inventar, ao longo dos tempos, religiões terríveis a que logo se escravizam? Que paixão aturdiu a humanidade levando--a a impor-se a si mesma códigos e proibições canalhas, ameaçar-se com fogos eternos, condenar-se absurdamente por toda a vida, centrar a existência em tabus alheios ao sentido comum e fazer de normas desumanas guias de conduta e de condenação? (...) Deus é de fiar? Deus não existe fora das cabeças dos homens, logo são os homens os que não são de fiar, nem eles nem as suas obras. Filhos de dogmas e preconceitos, herdeiros de tradições sem sentido, de superstições e de medos, os homens não souberam aproveitar a modernidade para combater o descaramento do irracional. Inclusive, o homem ocidental, o que se crê centro do mundo e dono dos melhores conceitos, revolve-se intranquilo se alguém, como Saramago, e não só, questiona supostas verdades reveladas. (...)» (Pilar del Rio no Diário de Notícias)
Para ler um texto de alguém que não compreendeu nada,  ver aqui.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Erica Fontes e a salivação da blogosfera

Na blogosfera política, sentiu-se durante as últimas semanas uma exagerada excitação em torno de declarações  avulsas de Carolina Patrocínio, Maitê Proença e Rita Rato, excitação essa que dificilmente se compreende pela (pouca) relevância das ditas declarações, e que é mais explicável como um subproduto da salivação masculina. (Eu sei, ninguém resiste a uma carinha laroca...)
Não entendo, portanto, como está a ser praticamente ignorada a emergência da nova estrela do cinema português, Erica Fontes, e as suas francamente revolucionárias declarações: «Estou a fazer o que gosto, de livre vontade e não ligo ao que os outros pensam, se não o País não avança. O corpo é meu».
Seria mais honesto/explícito salivar com a Erica. Ela não engana ninguém: afinal, o trabalho dela é mesmo fazer salivar.

Câncio sobre Saramago

No Diário de Notícias:
  • «É que das duas uma: ou vemos aquilo como "a palavra de Deus" e portanto pode ser interpretado e decomposto por Saramago como lhe aprouver (só o tal deus sabe o que queria dizer) ou vemos aquilo como um conjunto de textos escritos por gentes diversas e Saramago pode interpretar e decompor como lhe apetecer (só quem escreveu sabe o que queria dizer e já cá não está para explicar). Alegar autoridade, eclesiástica ou académica, a propósito das opiniões de um escritor sobre textos escritos por pastores, pedreiros e soldados que têm sido apresentados durante séculos como ventríloquos de divindade é que é uma coisa um bocadinho disparatada.»

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A pós-modernidade no gulag

No blogue Cinco Dias, um grande momento intelectual:
  • «Segundo Badiou (...) um acontecimento (...) é uma ruptura efémera e inédita (sem precedentes) na situação existente, inicialmente indiscernível por isso apelando à adesão subjectiva (e férrea) do sujeito, sendo o seu ineditismo inalcançável pelo conhecimento e não justificável».
Uma pessoa estremece a ler uma coisa destas. Digo «estremece» porque chega a pensar que não sabe ler e que tem que voltar à escola primária. Depois pensa trinta segundos e chega à conclusão que não é dito nada de especial. O autor só quer dizer, de forma rebuscada, que há revoluções. As crianças que morrem não vêm ao caso. Mais adiante:
  • «(...) é óbvio que Gorbatchov, o “manchinhas”, veio interromper a sequência “existência do estado socialista soviético”. E não se sabe bem por que carga de água».
Pois. Talvez as pessoas não estivessem satisfeitas, sei lá. Talvez quisessem viajar e comprar coisas. Penso eu. Perdão: não foram as pessoas, «as massas». Foi o timoneiro. Mil perdões humildes.
  • «Que fez Soares? Sublinhe-se: colocou o futuro empírico da sequência acima da vivência da sua singularidade, fantasiou e manipulou o desfecho do “acontecimento 25 de Abril”, e fê-lo antidemocraticamente».
Ganhou as eleições. Se isso importa para alguma coisa. Provavelmente, não. Mas «colocar o futuro empírico da sequência acima da vivência» é bestialmente chato. Até porque, sabe-se lá, as pessoas podem ter coisas melhores para fazer do que a política.
E, para terminar:
  • «Porque é que temos de nos estar sempre a penitenciar pelo gulag?».
Não se penitencie, Carlos. Defenda o Gulag. Celebre o gulag. Planeie novos gulags. Que mil gulags floresçam! (Sobretudo, se forem gulags pós-modernos...)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A raiz do problema

No Diário de Notícias, e talvez sem se aperceber, João Miguel Tavares (JMT) vai à raiz do problema levantado por Saramago. E a raiz do problema é esta: «só quem acredita que a Bíblia tem alguma relação com a palavra de Deus está habilitado para sobre ela fazer considerações éticas». JMT, note-se, não põe em causa a liberdade de expressão: o que ele reprova é que quem não tem fé se pronuncie sobre a Bíblia. Na sua opinião, «um ateu (...) tem de olhar para a Bíblia como olha para outro livro qualquer: estética e nada mais». Mais concretamente: «faz tanto sentido o ateu Saramago dizer que "a Bíblia é um manual de maus costumes" como faria dizer que "as obras de Shakespeare são um catálogo de barbaridades"».
Acontece que eu desconfio (e com boas razões) que quando alguém diz a JMT que as obras de Shakespeare retratam o pior da natureza humana, ele concorda e encolhe os ombros. Pelo contrário, quando  Saramago disse o mesmo da Bíblia, ele deu um pulo e foi escrever um artigo de jornal. É justamente por a Bíblia ser a «palavra de Deus» para tanta gente que não a podemos tratar como as obras completas de Shakespeare. Ninguém se apoiou nas obras de Shakespeare para defender a Inquisição, a escravatura, ou a ditadura de Salazar. Ninguém fica indignado por se dizer que há episódios hediondos na dramaturgia shakespeareana. Pelo contrário, muita gente utilizou (e utiliza) a Bíblia para transformar a «palavra» (más palavras) em «acção» (más acções).
Como ateus, é evidente que sabemos que a Bíblia é literatura (geralmente da má, mas essa é apenas a minha opinião «estética»). Mas enquanto tanta gente a considerar como um livro «especial», não podemos tratá-la como se fosse mera literatura inconsequente.
[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

A "praxe" é, sobretudo, um negócio

Notícia do DN:
Os caloiros do ensino superior, em Viseu, estão a ser "usados para aumentar o negócio de alguns bares". As denúncias são dos próprios alunos que acusam os elementos do Conselho de Viriato, o órgão académico que deve zelar pelo cumprimento das regras da praxe, de organizarem festas com os caloiros "pelas quais recebem percentagens do consumo feito nos bares".
Alguns alunos, que também já denunciaram a situação junto da presidência do Instituto Politécnico de Viseu (IPV), acusam Ana Pinto, presidente do conselho, de "organizar iniciativas da praxe em bares, para onde são levados os caloiros, recebendo depois percentagem pela despesa feita", contaram ao DN vários destes elementos, que temendo represálias, preferem ficar no anonimato.
A presidente do Conselho de Viriato, que para além de ser estudante no IPV, trabalha num bar de diversão nocturna na zona de Jugueiros, ao lado do instituto e onde funcionam mais de uma dúzia de bares, desvaloriza as acusações. "Os alunos praxados têm um percurso, vão aos bares, onde ouvem pessoas a falar sobre diversos temas. Se tiverem dúvidas são retiradas e depois seguem para outro bar", revela a estudante.
A presidente do Conselho de Viriato refere que as denúncias surgem de "guerras entre as casas de diversão nocturna que lutam ferozmente pela presença dos estudantes do ensino superior. E viram-se para mim porque eu oriento mais de 700 alunos e sou um alvo mais fácil", adianta. Embora considere as denúncias "difamatórias" Ana Pinto, que é estudante no Politécnico de Viseu há dez anos, garante que o Conselho de Viriato "vai tomar mais cuidado com as iniciativas que envolvem os caloiros".

Sam Harris

"The End of Faith". Nunca tinha ouvido falar. Deram-me este livro ontem de manhã e li quase 200 páginas durante a viajem para casa. Achei-o interessante, com excepção do Capítulo III, salvo erro, em que ele insulta todos os árabes e todos os muçulmanos, sem excepção, e quase que sugere que eles são todos bombistas em potência...

Mas na página 189, mais ou menos, este Sam Harris desata a defender a tortura (de "terroristas") e a louvar as palavras do sociopata mais mau e mais odioso que vive presentemente nos EUA: Alan Dershowitz, sobre quem Woody Allen escreveu em "Deconstructing Harry": (no elevador para o inferno) "Floor six: Right-wing extremists, serial killers, and lawyers who appear on television".

Acho que me vou ficar por aquela página e começar a ler outra coisa qualquer.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

República e transitoriedade

Ao contrário do Tiago Moreira Ramalho, a mim não me parece decisivo para o carácter republicano do regime a eleição directa do chefe de Estado. Embora seja essa a minha preferência, são possíveis outros modelos, como a eleição pelo Parlamento e Senado, ou a chefia de Estado colegial (à suíça). Na Assembleia Constituinte de 1911, discutiu-se demoradamente esta última hipótese. Optou-se pela penúltima.
O fundamental, numa República, é que os cargos políticos sejam exercidos por mandatos de duração bem definida e limitada, e que, ponto em que a nossa República pode bem ser aperfeiçoada, se possa destituir o titular de qualquer cargo electivo. O poder tem que se assumir transitório e limitado.
A monarquia consegue ter todos os defeitos: nem a chefia do Estado é exercida durante um mandato limitado, nem qualquer um pode atingi-la, nem se pode remover o chefe de Estado por via legal.

Revista de blogues (26/10/2009)

Quantos blogues defendem Saramago? Daqui a uns anos, isto parecerá espantoso, mas a verdade é que somos muito poucos.
  1. «A propósito das declarações de Saramago, que a Bíblia é um «manual de maus costumes», teólogos e sacerdotes têm apontado que ler a Bíblia é uma coisa muito complicada. Como disse Carreira das Neves em debate com Saramago, a Bíblia tem infinitas leituras (1). Mas isso quase tudo tem e, retorquiu Saramago, por muitas interpretações que se dê a um texto não se pode esquecer o que lá está escrito. (...) E há episódios que nenhuma (re)interpretação pode safar. Moisés desce da montanha e manda chacinar uma data de gente por ter um deus diferente. Deus manda matar cidades inteiras, destrói Sodoma e Gomorra por causa de preferências sexuais, transforma uma mulher em sal só porque olhou para trás, mata os primogénitos no Egipto só porque o Faraó era teimoso e assim por diante. Se os lermos como obra humana, estes relatos explicam-se pelo contexto cultural. Eram pessoas menos esclarecidas, intolerantes, sem respeito pela liberdade religiosa, privacidade e outros direitos fundamentais. Mas se é um livro inspirado por um deus então esse deus é horrível. (...) Muito pouco na Bíblia é compatível com os valores da civilização moderna. Quem preza a liberdade e a justiça não pode concordar nem com o antigo testamento, com um deus tirano que castiga e tortura só porque lhe apetece, nem com o novo testamento, em que o mesmo deus se faz inocente e se finge matar para nos dar esperança ou mostrar que morrer na cruz é amor.» (Treta da semana: Leitura simbólica)
  2. «Para VPV as ideias de Saramago são “de trolha ou tipógrafo semi-analfabeto”, produto da senilidade dos seus “80 e tal anos”. O Nobel foi atribuído como a “vários camaradas que não valiam nada” e é lido por milhões de pessoas “acéfalas que nem distinguem a mão esquerda da mão direita.” VPV não reconhece “a Saramago a mais remota autoridade para dar a sua opinião sobre a bíblia ou sobre qualquer outro assunto”. Essa suposta autoridade só lhe deve ser concedida porventura a ele próprio que opina acerca de tudo dizendo pouco mais do que nada, mantendo porém sempre o indelével traço da arrogância e altivez. Depois vem a velha lenga-lenga do PREC e do DN há muito desmentida, quer por Saramago, quer por quem o acusava, mas parece que tal não teve eco nas masmorras do séc. XIX onde VPV está agrilhoado. Mas a sobranceria e desdém não acabam aqui: “Saramago está mesmo entre as pessoas que nenhum indivíduo inteligente em princípio ouve” e a pérola final diz tudo sobre o carácter do seu autor: “D. Manuel Clemente conhece com certeza a dificuldade de explicar a mediocridade a um medíocre e a impossibilidade prática de suprir, sobre o tarde, certos dotes de nascença e de educação.” Ou seja, resume tudo à falta de berço, argumento tão querido à nata da sociedade que passados quase 100 anos sobre a fundação da República ainda não entendeu (apesar de todas as obras e teses por ele publicadas) nem o seu significado, nem sequer a premissa de que somos Homens iguais a quem se devem dar iguais direitos e iguais oportunidades. E é por isso que destila diariamente o ódio a tudo e a todos que vêm de baixo, aos que sobem a pulso, aos que não se deixam vencer pela sua condição social, aos que indo da “província” para Lisboa não se intimidam pelas elites que ainda se julgam aristocráticas por viverem das rendas que os negócios do estado proporcionam, bem mais lesivas para o país do que os supostos milhões perdidos para os pobres preguiçosos do RSI a quem todos culpam.» (O ódio de Vasco Pulido Valente)

domingo, 25 de outubro de 2009

O dilema do historiador - V

É chegada a altura de lançar esta pergunta ao leitor. Qual das atitudes possíveis para José Matias é mais sensata e adequada. Qual delas é mais condicente com as boas práticas de um historiador. A boa epistemologia recomendaria qual destas atitudes?




Nota- É possível encontrar várias diferenças entre este mito inventado por mim, e a história em relação à qual muitos acreditarão que me estou a referir, para fazer uma analogia.
Na verdade não pretendo fazer uma analogia.
Pretendo realmente saber o que pensariam neste caso em concreto.

Consoante a resposta, poderei perguntar quais as diferenças relevantes entre as situações, e nessa altura será interessante conhecer e discutir as diferenças fundamentais entre as duas situações. Para já, esta pergunta que faço não é um argumento. É mesmo curiosidade wm saber o que diferentes leitores pensam sobre esta questão.

O dilema do historiador - IV

Por fim, José Matias pode pensar assim:

«Seja por magia ou não, a verdade é que podemos assumir que recuperar um braço é um evento extremamente improvável.

Existem inúmeras explicações possíveis para os três textos com os quais tomei contacto, bem como para a tradição oral. É comum que mitos sem fundamento sejam passados de geração em geração, e existem inúmeras formas em relação às quais uma história falsa pode ser tomada como verdadeira. Os alguns líderes Flubos poderiam querer incentivar a auto-confiança dos seus aldeões na luta contra um inimigo poderoso como os Astecas espalhando rumores a respeito da magia muito poderosa dos seus curandeiros, ou os membros da aldeia de Tui poderiam ter espalhado essa história depois da morte do seu líder para ganhar mais respeito por parte de outras aldeias, etc...

Cada uma destas várias possíveis explicações é altamente improvável, mas ainda assim muito mais provável que a recuperação do braço que, com magia ou sem ela, é algo tão raro e improvável que seria mais extraordinário que qualquer destas explicações.


No seu conjunto, que exista magia ou não, e face aos indícios a que temos acesso, é biliões de vezes mais provável que Tui não tenha recuperado o seu braço. Biliões é uma força de expressão, a diferença entre ordens de grandeza é muito superior a isso.
É possível dar como certo que Tui não perdeu o braço.

Em termos históricos é possível afirmar que Tui não perdeu o braço, e quem em finais do século XIV um mito surgiu entre os Flubos. Seria interessante investigar porquê.»

O dilema do historiador - III

Por outro lado, José Matias pode pensar assim:

«Os textos descrevem factos que parecem impossíveis à luz da ciência. Tanto quanto sabemos é impossível que alguém consiga recuperar um braço que perdeu anos antes. Muito menos com a ciência e tecnologia presentes vários séculos atrás.

No entanto, os textos não alegam que o fenómeno ocorrido tenha sido um fenómeno natural. Pelo contrário, os textos sugerem que se tratou de magia, a qual viola as leis naturais.

Mas existirá magia? Não cabe à história responder a essa pergunta. Pode existir magia ou não, depende das convicções de cada um. E como a plausibilidade dos relatos depende da possibilidade de existir magia - a qual está fora do domínio da ciência em geral e da história em particular - saber se Tui recuperou o braço ou não também está fora do domínio da história.

É uma pergunta interessante sobre a qual a história não tem nada a dizer. Depende da convicção de cada um.»

O dilema do historiador - II

O nosso José Matias pode pensar de três maneiras diferentes. Aqui está a primeira:

«Estou perante três testemunhos diferentes, mas que concordam no essencial (Não necessariamente por esta ordem: Tui tornou-se chefe da aldeia, Fuka que era curandeiro ensinou-lhe muita coisa, Tui perdeu o braço numa batalha contra os Astecas, foi conhecido como "o chefão maneta", passados anos Tui recuperou o seu braço). Além disto, existe uma tradição oral que sobrevive até hoje e concorda no facto essencial: o "chefão maneta" perdeu e recuperou o braço.

Pelas leis naturais é praticamente impossível que algo deste género se suceda. Não existe nenhum outro caso registado de alguém que tenha perdido o braço e recuperado. No entanto, a magia viola as leis naturais, e os textos fazem referência a magia.

Se "Tui" não tivesse de facto perdido e recuperado o seu braço, como explicar estes três textos? Eles discordam em detalhes, pelo que são fontes diferentes e independentes a relatar os mesmos eventos, com as disparidades que seriam de esperar. Que uma fonte estivesse equivocada ou simplesmente a relatar uma mentira parece bizarro, mas três?

Pior ainda, a tradição oral. Se este facto não tivesse ocorrido, como explicar que ele fosse convincente para tanta gente, e esta história sobrevivesse até aos dias de hoje?

A explicação mais plausível para estes textos e esta tradição oral, de um ponto de vista histórico, é que no essencial os factos que descrevem são verdadeiros. Provavelmente ocorreram. Tui perdeu o braço, e devido a poderes mágicos, recuperou-o.»

O dilema do historiador - I

José Matias é um historiador que está a estudar as interacções entre o império Asteca e os Flubos, um dos vários povos subjugados e dominados por este império.

Na sua procura por conhecer mais profundamente a história dos Flubos, José encontra vários textos que descrevem, com algumas diferenças, um evento extraordinário. A investigação de José leva-o à conclusão que os textos datam do ano de 1390 (d.C.), 1420 e 1430 respectivamente, mais ano menos ano. A história descrita tomou lugar, alegadamente, em 1350.

O primeiro texto conta a história de um camponês chamado Tui, que, por feitos extraordinários, acabou por se tornar chefe da aldeia. Como chefe da aldeia, Tui quis aprender mais e mais segredos mágicos com o curandeiro, Fuka. Um dia, numa batalha contra os Astecas, Tui perdeu o braço.
Durante 2 anos, Tui foi conhecido por todos como "o chefão maneta". Durante esses anos, Tui explorou mais e mais os segredos da magia, e um dia apareceu perante os aldeões novamente com dois braços. Acabou por ser um líder muito amado pelos aldeões, e muitos diziam que também era amado pelos deuses.

No segundo texto Tui é filho de Gra, o chefe da aldeia. Tui é curioso e quer aprender com Fuka - o curandeiro - os segredos mágicos e a arte da cura. Um dia, numa batalha contra os Astecas, Tui perdeu o braço e Gra morreu. Como sendo o primogénito de Gra, Tui torna-se o chefe da aldeia.
Durante 2 anos, Tui foi conhecido por todos como "o chefão maneta". Durante esses anos, Tui explorou mais e mais os segredos da magia, e um dia apareceu perante os aldeões novamente com dois braços.

No terceiro texto Tui é um camponês. Um dia, numa batalha contra os Astecas, Tui perdeu o braço, e Gra - o chefe da aldeia - morreu. Devido aos actos heróicos na batalha, Tui torna-se o novo chefe da aldeia.
Tui conhece então Fuka, que é o curandeiro, e procura aprender com ele as artes mágicas. Ele é conhecido como "o chefão maneta", e é muito amado pelos aldeões. Durante esses anos, Tui explorou mais e mais os segredos da magia, e um dia apareceu perante os aldeões novamente com dois braços.

Por outro lado, José Matias sabe que esta história ainda vive na tradição oral. Existe quem ainda fale de um indivíduo que era apelidado de "chefão maneta", num passado distante, o qual tinha perdido o braço, mas depois este voltou a crescer.

Que conclusões vai tirar José Matias da leitura destes dados?
Deverá acreditar que Tui conseguiu por artes mágicas recuperar o seu braço?
Existem três possibilidades.

sábado, 24 de outubro de 2009

Ateísmo e anti-teísmo

No seu artigo de hoje no Diário de Notícias, o padre católico Anselmo Borges distingue o Caim de Saramago das declarações do escritor sobre a Bíblia. Gostou do livro, classifica as declarações como «ignorância arrogante». E afirma que «perante o Deus de Saramago, só haveria uma atitude digna para o crente: ser ateu».

Já li e ouvi muitos católicos dizerem isto. Acontece que estão a incorrer numa confusão. Não é por fazer um juízo de valor (ético) sobre o Deus da Bíblia que eu sou ateu. É por fazer um juízo de facto (científico) sobre as alegações da existência de «Deus», sobre a origem do universo, sobre a «vida depois da morte» e sobre a «ressurreição», que sou ateu. E comigo muitos outros, que fundamentam (quando necessário) o seu ateísmo em Bertrand Russell, Carl Sagan ou Richard Dawkins, e na ciência em geral.  Somos ateus porque temos a certeza quase total de que aquele «Deus» não pode existir no universo que conhecemos. A questão de saber se o «Deus» da Bíblia e das suas múltiplas interpretações é justo, cruel ou tirânico, é uma questão separada, e que não nos torna mais ou menos ateus.

Efectivamente, eu rejeito que o «Deus» da Bíblia possa ser considerado justo, amoroso ou misericordioso. Mas isso não tem nada a ver com a questão da existência. É por saber (com um grau de certeza maior do que saber se vai chover amanhã) que não existe, que sou ateu. Se eu estivesse convencido da existência de «Deus», a questão seria outra. Em primeiro lugar, não seria ateu. Mas, por rejeitar as suas crueldades e ensinamentos imorais, não lhe prestaria culto e revoltar-me-ia contra os seus actos. Seria, então, anti-teísta. O que é outra coisa.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O novo Governo

Já está: oito novos ministros, dos quais dois socialistas de carreira (Jorge Lacão e Alberto Martins), uma escritora e cinco ilustres desconhecidos do grande público.
Novidades mais relevantes: Santos Silva passa a Ministro da Defesa (vai dar guerra...), Vieira da Silva passa a Ministro da Economia (sai do Trabalho...), e Isabel Alçada, a escritora de livros para crianças, vai ter que lidar com os professores das crianças (talvez as tenha do lado dela; as crianças).
Saída para lamentar: Severiano Teixeira.
Ah, e o Mariano Gago continua. Deve ter pilhas Duracell.

Alegre sobre Saramago

Manuel Alegre sobre José Saramago:
  • «(...) não se perdoa a Saramago ser um grande escritor da língua portuguesa, ser um Prémio Nobel e não ser um homem religioso» (A Bola).

Ainda sobre Saramago

Acho que vale a pena ver o video de Dawkins, de 2002, sobre a necessidade de afirmar o ateísmo como uma qualidade louvável e útil (93% dos membros da National Academy of Sience não são religiosos).

Jovem pertencente a uma seita entra no Parlamento

Lê-se no Correio da Manhã. As palavras são da jovem deputada comunista Rita Rato.
  • «- Concorda com o modelo que está a ser seguido na China pelo PCC?
    - Pessoalmente, não tenho que concordar nem discordar, não sou chinesa. Concordo com as linhas de desenvolvimento económico e social que o PCP traça para o nosso país. Nós não nos imiscuímos na vida interna dos outros partidos. 
    - Mas se falarmos de atropelos aos direitos humanos, e a China tem sido condenada, coloca-se essa não ingerência na vida dos outros partidos?

    - Não sei que questão concreta dos direitos humanos...
    - O facto de haver presos políticos.
    - Não conheço essa realidade de uma forma que me permita afirmar alguma coisa.»

    Comentário: ela não sabe que há presos políticos na China. Mesmo que haja, não se mete na vida interna de outro partido (comunista), mesmo que esse partido seja capaz de mandar gente para a prisão por razões políticas. A fidelidade é muito bonito.

    «- Como encara os campos de trabalhos forçados, denominados gulags, nos quais morreram milhares de pessoas?
    - Não sou capaz de lhe responder porque, em concreto, nunca estudei nem li nada sobre isso.
    - Mas foi bem documentado...
    - Por isso mesmo, admito que possa ter acontecido essa experiência.»

    Comentário: ela não leu nada sobre os gulags (como os católicos não lêem sobre a Inquisição). Mas admite que possam ter existido enquanto «experiência»(!).  Sem que isso a preocupe muito, aparentemente.

    Fascinante. A realidade, no fundo, é o que nós quisermos. Basta querer, como dizia o outro.

Pat Condell

A propósito da intolerância taliban do eurodeputado que quer que Saramago renuncie à cidadania portuguesa, vale imenso ver o último vídeo de Pat Condell, sobre religião organizada.

Um clássico da anti-religiosidade portuguesa

José Saramago foi o único português a conseguir gerar o debate que aconteceu, nos últimos anos, e com muita fúria e ruído, em França (pela mão de Michel Onfray), no Reino Unido (com Richard Dawkins), e nos EUA (graças a Sam Harris e Cristopher Hitchens). As frases que causaram tanta polémica são, aliás, mais suaves do que o primeiro parágrafo do capítulo 2 do The God Delusion. Mas foi necessário um português com o peso do Nobel para trazer este debate para Portugal. Por, merece respeito e consideração. Há quem não seja capaz de o dizer porque Saramago é comunista. Podiam recordar que já se demarcou de Cuba (com veemência), mas não interessa.
De qualquer modo: a anti-religiosidade já produziu boas obras de arte em Portugal. Fiquemos com um clássico: «A Velhice do Padre Eterno», de Guerra Junqueiro.
«Jehovah, por alcunha antiga o Padre Eterno
Deus muitissimo padre e muito pouco eterno,
Teve uma ideia suja, uma ideia infeliz:
Poz-se a esgaravatar co-o dedo no nariz,
Tirou d'esse nariz o que um nariz encerra,
Deitou depois isso cá baixo, e fez a terra.
Em seguida tirou da cabeça o chapeu,
Pol-o em cima da terra, e zás, formou o céo.
Mas o chapéu azul do Padre Omnipotente
Era um velho penante, um penante indecente,
Já muito carcomido e muito esburacado,
E eis ahi porque o céo ficou todo estrellado.
Depois o Creador (honra lhe seja feita!)
Achou a sua obra uma obra imperfeita,
Mundo serrafaçal, globo de fancaria,
Que nem um aprendiz de Deus assignaria,
E furioso escarrou no mundo sublumar,
E a saliva ao cahir na terra fez o mar.
Depois, para que a Egreja arranjasse entre os povos
Com bulas da cruzada alguns cruzados novos,
E Tartufo podesse inda d'essa maneira
Jejuar, sem comer de carne á sexta feira,
Jehovah fez então para a crença devota
A enguia, o bacalhau e a pescada marmota.
Em seguida metteu a mão pelo sovaco,
Mais profundo e maior que a caverna de Caco,
E arrancando de lá parasitas extranhos,
De toda a qualidade e todos os tamanhos
Lançou sobre a terra, e d'este modo insonte
Fez elle o megatheiro e fez o mastodonte.
Depois, para provar em summa quanto póde
Um Creador, tirou dois pellos do bigode,
Cortou-os em milhões e milhões de bocados,
(Obra em que elle estragou quatrocentos machados)
Dispersou-os no globo, e foi d'esta maneira
Que nasceu o carvalho o platano e a palmeira.

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Por fim com barro vil, assombro da olaria!
O que é que imaginaes que o Creador faria?
Um pote? não; um bicho, um bipede com rabo,
A que uns chamam Adão e outros Simão. Ao cabo
O pobre Creador sentindo-se já fraco.
(Coitado, tinha feito o universo e um macaco
Em seis dias!) pensou: — Deixem-nos de asneiras.
Trago já uma dôr horrivel nas cadeiras,
Fastio... Isto dá cabo até d'uma pessoa...
Nada, toca a dormir uma sonata boa!
Descalçou-se, tirou os oc'los e chinó,
Pitadeou com delicia alguns trovões em pó,
Abriu, para cahir n'um somno repentino,
O alfarrabio chamado o livro do Destino.
E enflanelando bem a carcassa caduca,
Com o barrete azul celeste até á nuca,
Fez ortodoxamente o seu signal da cruz
Como qualquer de nós, tossiu, soprou á luz,
E de pança p'ro ar, n'um repoiso bemdicto,
Espojou-se, estirou-se ao longe do infinito
N'um immenso enxergão de nevoa e luz doirada.
E até hoje, que eu saiba, inda não fez mais nada.»

Agradecimentos ao Viseu Esquerda.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

6013

No dia 23 o Mundo faz 6013 anos e nós vamos comemorar aqui no departamento de antropologia. :o) Eu não vou estar cá, mas vou contar uma história piedosa aos meus alunos, que ouvi a um comediante / teólogo, chamado Bill Hicks.

Na sexta-feira da Criação, depois do almoço, Deus sentou-se um bocadinho a descansar, fumou uma broca à sombra duma árvore (criada dois dias antes) e deitou a beata para o chão. Poucas horas depois viu que a planta da canabis se tinha espalhado por toda a Criação e exclamou: "Valha-me eu próprio! O que é que eu fui fazer! Agora tenho de criar os republicanos!"

E foi assim que foram criados os fundadores do partido republicano e do partido popular europeu.

Viva Saramago!

O meu projecto de vida, a partir de hoje, será chegar à provecta idade que Saramago tem - uns meros 86 anos - com capacidade para colocar um país inteiro à bulha com meia dúzia de frases inteligentes, certeiras, e sobretudo justas. Ah, muito justas. Porque Saramago tem a razão: toda. A Bíblia é aquilo tudo que ele diz e muito pior. E, na idade que tem, já não vale a pena estar com paninhos quentes. O melhor é mesmo mandar a «aposta de Pascal» dar uma real volta ao bilhar grande e dizer tudo o que se pensa. Ganhamos nós e, mais importante, ganha ele.
Todavia, é confrangedor assistir ao espectáculo lastimável de uma certa «esquerda» que tem respeitinho a mais pelas comunidades religiosas (as que promovem a obediência), e convicção a menos pela liberdade (a de criticar a autoridade, a de defender a igualdade entre homens e mulheres, a de ser contra a pena de morte por práticas sexuais consentidas). Vinte anos de infecção «multiculturalista», e quarenta de aliança táctica com o «catolicismo progressista» pró-caridade, deram nisto.
Vergonhoso é saber que há um deputado - portanto, um representante da República - que pede a Saramago que renuncie à cidadania portuguesa. Se o deputado coloca a questão nesses termos, pode ele ir pedir asilo político ao Vaticano. Senão, que convença alguém, sei lá, género o Cavaco, a pedir ao Saramago que deixe de ser português. Quando chegarmos a esse extremo, eu irei pagar impostos para outra República. Mas temos que agradecer ao excelentíssimo deputado do PPE: desconfio que, na quarta-feira, os mesmos que atacaram Saramago na terça vão virar. Há indícios.
Tudo somado, há pouca gente (a excepção é Ferreira Fernandes) que aprecie que se trata de um velho, o último ateu da era comunista. E que, apesar do seu comunismo nominal, já estará mais próximo, hoje, de Jean Jaurés e Afonso Costa do que de Lenine e Cunhal. Porque antes dos bolcheviques havia outra esquerda, nem centrista nem autoritária. Bons tempos.
A única esquerda que vale a pena não esqueceu que a opressão não é só económica - também é (tantas vezes) clerical.
NEM DEUS NEM SENHOR


(Lisboa, bairro da Graça, 2009.)
De toda esta discussão - que devemos a Saramago - o que mais importa é decidir o que vamos fazer daqui para a frente. Continuamos fixados em livros e mitos anacrónicos, ou vamos assumir que o mais importante da nossa civilização, da democracia à laicidade, passando pela liberdade de expressão e pela igualdade entre homens e mulheres, foi conseguido, não pela religião, mas contra a religião (sobretudo a abraâmica)? Vamos continuar a misturar necessidades espirituais (o medo da morte, por exemplo) com mitos historicamente situados (a «ressurreição») e com o poder de instituições masculinas e autoritárias (como a ICAR ou o Islão)?

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O país que temos

Eurodeputado pede a Saramago que renuncie à cidadania portuguesa. E se eu pedir ao senhor Mário David para renunciar ao mandato em Bruxelas?

A grande dúvida sobre o próximo governo

Que professor do Instituto Superior Técnico é que vai ser o futuro ministro da Ciência e Ensino Superior?

Saramago tem razão

Andam-se a acender novas fogueiras (desta vez, espera-se que «simbólicas») para queimar o ateu Saramago. O seu delito? Ter dito, alto e bom som, que a Bíblia é «um manual de maus costumes», que «está cheia de horrores, incestos, traições, carnificinas» e que «sem a Bíblia seríamos outras pessoas. Provavelmente melhores».

Surpreendentemente, até alguma esquerda o critica, talvez por ter acreditado na versão do cristianismo que alguns «católicos progressistas» lhe impingiram. Deveriam saber que «catolicismo progressista» é um oxímoro, como o são «comunismo de mercado» ou «fascismo democrático». Não se pode ser livre e cultuar a obediência. Não se pode ser pela igualdade de direitos e promover a desigualdade.

Acontece que Saramago tem razão. A Bíblia tem dois livritos, o Levítico e o Deuteronómio, de onde se extrai um código penal que mesmo há dois mil anos era bárbaro e desumano. Nele se defende a pena de morte para tudo o que os progressistas, penso eu, defendem poder ser feito livremente, do adultério à blasfémia, passando pela homossexualidade. Será que castigar desta forma a liberdade individual é um «bom costume»? É isso que queremos que as crianças aprendam? Onde fica o «progressismo»?

Saramago entendeu escrever sobre o mito de Caim. Não vou criticá-lo, mas tenho pena que não se tenha dedicado àquele que, na minha modesta opinião de ateu, é o mais atroz e mais relevante dos mitos bíblicos: o de Abraão. Aí, vemos um pai que conduz o próprio filho ao altar para ser sacrificado, por mera ordem de «Deus». Só não há infanticídio porque «Deus» decide suspender o teste. Porque de um teste se tratava e Abraão passou no teste, é recompensado com uma «descendência numerosa». O sentido do episódio é cristalino: «Deus» exige obediência, e recompensa quem obedece ao ponto de aceitar matar os próprios filhos. A essência da religião abraâmica está aqui, na obediência incondicional e acrítica. Não admira que o episódio de Abraão seja tão querido do Islão.

Os candidatos a novos inquisidores têm duas estratégias. A primeira: dizer-nos, como sempre, que o essencial é «o amor». O que é treta. Nada no Novo Testamento revela uma insistência especial no «amor». Em Lucas (17,2), Cristo chega a defender que quem atrapalhe o caminho dos seus discípulos seja atirado ao mar com uma pedra atada ao pescoço (será isto «amor»?). E o episódio central do Novo Testamento, o sacrifício de Jesus Cristo, não é sobre o amor: é sobre a obediência. Pois em Marcos (14,36), prevendo a sua prisão e condenação à morte, Cristo diz: «Pai, todas as coisas te são possíveis; afasta de mim este cálice; não seja, porém, o que eu quero, mas o que tu queres». Ou seja, depois de nos dar como modelo um pai que mata o seu filho, no episódio de Abraão, quando chegamos ao fim do conjunto de mitos reunidos na Bíblia, temos um filho que aceita que o pai não o salve da morte. Há quem ache isto bonito. Eu acho horrendo. Como acho moralmente criticável que alguém morra pelos erros e crimes dos outros. Cada um de nós deve assumir a responsabilidade pelos seus erros e crimes, e não transferir a responsabilidade para outrém. Enfim, somos melhores pessoas quando aceitamos a responsabilidade dos nossos actos, não quando fugimos à dita responsabilidade. Digo eu, que sou ateu.

A outra estratégia dos herdeiros dos inquisidores é discutir «interpretações». Dizer-nos que as defesas da morte são «simbólicas», e que as partes do «amor» (ou do «perdão») são literais. Ou que o sentido real é o contrário do que lá está escrito. Quem tiver pachorra que entre nesse debate, no qual não abunda a honestidade intelectual. Eu não a tenho. A pachorra.

Bruxaria na Nigéria, e religião em geral

Republicanos pro-violação

Aqui pode-se ver as caras dos senadores que votaram na semana passada contra a lei de Al Franken, que proibe o estado de contratar empresas que não defendem os empregados e empregadas contra violações.

A ser verdade

As anotações à mão dizem o que o respectivo cérebro quiser - e portanto a última noticiazinha da TVI não acrescenta muito à tese da conspiração/suborno de alguém no Ministério do Ambiente de Sócrates para aprovação do Freeport. E no entanto, a ser verdade que houve efectivamente suborno, e especulando que este envolveu tanto o Ministro da época - Sócrates - como o Secretário de Estado - Silva Pereira - essa tese permitira explicar a inquebrantável amizade que desde aí une os dois políticos, um dos quais - Silva Pereira - não encaixa muito bem, digamos assim, no retrato do típico militante socialista. A ser verdade, claro.

domingo, 18 de outubro de 2009

A Idade Média

O clero espanhol e o Partido Popular organizaram em Madrid uma super manifestação com 250 mil pessoas, que incluíu excursões de pro-vidas de vários países da Europa, contra a revisão da lei do aborto por Zapatero.

Numa das fotografias de um dos jornais há um grupo de meninas muito bonitas com cartazes, que me lembraram imediatamente uma amiga minha, que há uns anos se foi manisfestar contra o aborto em Lisboa, com a mãe e um grupo de amigos católicos, e no dia a seguir foi fazer um aborto a uma clínica da margem sul (que já estava marcado).

Para além da hipocrisia, do ódio à sexualidade e à emancipação das mulheres, e da natureza simplista de se querer manter uma lei que absolutamente ninguém cumpre, acho inacreditável que sejam os bispos - homens que supostamente (e uso a palavra com cuidado) levam uma vida casta - a querem legislar sobre o corpo das mulheres.

Volta e meia gostava de ver a Igreja fazer uma proposta que um humanista pudesse aceitar. Parece que desde que morreu o papa Paulo VI nunca mais se elegeu um bispo com empatia pela espécie humana...

Burca: mais vozes islâmicas pela proibição

Cada vez mais vozes islâmicas se levantam pela proibição da burca. Depois de uma xíita, uma sunita:
  • «(...) The Muslim Canadian Congress (MCC) is now adding its voice to Sheikh Tantawi’s, and all the others who demand an end to this insult to the female gender. The MCC, an organization that I once led, has asked Ottawa to introduce legislation that will “ban the wearing of masks, burkas and niqabs in public.”

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Sobre o "caso Maitê Proença"

Eu nem queria acreditar quando assisti ao abespinhado apresentador Pedro Pinto, do "Jornal Nacional" da TVI, que constantemente referia a "ignorância" de Maitê Proença, numa apresentação "engajada" (Manuela Moura Guedes fez mesmo escola naquela casa). Em que é que consistia essa ignorância?
  • chamar "vilazinha" a Sintra? No português do Brasil, o diminutivo não é depreciativo (ao contrário de, por vezes, em Portugal). Pensem por exemplo nos jogadores de futebol - acaba tudo em "inho". Não há ofensa nenhuma (muito menos ignorância) em um brasileiro referir-se à "vilazinha" de Sintra;
  • dizer que em frente a Belém está "o mar"? Bem, se foi dali que Vasco da Gama partiu, a confusão é legítima. Ninguém sabe muito bem onde acaba o rio e começa o mar naquela zona - a estação de comboio da linha de Cascais chama-se "Alcântara-Mar" e não "Alcântara-Rio". De resto, logo no próprio vídeo a correcção é feita;
  • não saber que o 3 ao contrário é "místico"? Eu também não sabia. E acho que ela tem todo o direito a gozar com o misticismo;
  • a afirmação "o ditador Salazar esteve no poder mais de 20 anos" é matematicamente verdadeira. Sabemos que na linguagem comum "mais de 20 anos" quer dizer "menos de 30", o que relativamente a Salazar é errado. Mas mais grave seria não saber história portuguesa - Maitê tem, pelo menos, noções. Quantos dos que a criticam têm noções de história brasileira? E, já agora, quantos dos que a criticam sabiam que o padrão dos Descobrimentos é uma obra do salazarismo, como Maitê afirmou?
  • Maitê aproveitou para referir-se (num tom jocoso) aos portugueses que elegeram Salazar como "o melhor português de sempre". Creio que a irritação de muito boa gente vem daqui. Apostaria que os críticos mais indignados de Maitê que por aí vemos concordam que Salazar é o melhor português de sempre. Este episódio não pode ser totalmente compreendido sem considerar esta parte do vídeo.
O que eu achei mesmo de muito mau gosto foi a cuspidela na fonte do Mosteiro dos Jerónimos. Mas é uma atitude que só a desqualifica a ela, Maitê Proença. (Compreendo a indignação se se tratar da defesa do património - que péssimo exemplo!) Desqualifica-a a ela e às quatro apresentadoras do programa de televisão, que se riram acefalamente da coisa. Aliás, o vídeo é uma tonteria sem grande ponta por onde se lhe pegue. Não estou aqui a defendê-lo, e até acho bem que se mostre aos brasileiros que essa atitude de se queixarem de Portugal por tudo tem muito de infantil. Mas a quem protagoniza telenovelas como a "Dona Beija" tem que se desculpar muita coisa...

Outro republicano

  • «O Rei sou Eu, caro leitor. E não tenha inveja, que o leitor também é. É essa a maravilha de tornar os Estados numa coisa pública, tirando-os da mão de um senhor - normalmente é um senhor, não há quotas na genética - que o herdou apenas porque os concidadãos dos seus antepassados não se importaram de abdicar do direito a escolher o seu líder máximo, delegando tal competência à madrasta natureza. E que madrasta, tantas vezes. Dizem que o monárquico é regime de muita virtude. Que os países mais ricos da Europa são Monarquias. Pois são. Mas falta dizer que se tornaram os mais ricos e poderosos muito antes de se pensar na ideia de uma República. Ou no século XIX a Inglaterra e a Holanda não eram muito mais ricas que esta nossa praia mal amparada? Pois é. Estas faláciazinhas só enganam quem se quer deixar enganar. (...)» (Expresso)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O fim do ateísmo tranquilo

Antes de ontem vi o filme "The Invention of Lying" e ontem vi o DVD de "Religulous" à venda numa loja de vídeos. Dez por cento dos americanos abandonaram a religião durante os anos Bush e cada vez mais figuras públicas se declaram sem religião. Embora a direita não pare de crescer, creio que este movimento é muito positivo e espero que as palavras de Saramago sejam proféticas. Parece-me importantíssimo acabar com o espírito da Contra-Reforma e questionar a autoridade do clero em matérias morais. Não foram eles que encobriram mais de 5.000 casos de ataques pedófilos durante os últimos 25 anos? Não foram eles que rezaram missas por Hitler, Mussolini e Pinochet? Não são eles que aparecem sempre do lado dos fortes, contra os fracos, sempre que são obrigados a escolher?

Espero que nos próximos anos as pessoas lhes percam o medo progressivamente e os questionem sobre a fonte da autoridade moral que lhes permite chamar assassinas de bébés às mulheres desesperadas que têm de recorrer ao aborto.

O fim do ateísmo tranquilo

José Saramago já entendeu que isto não vai lá com «pacifismo intelectual»:
  • «Às insolências reaccionárias da Igreja Católica há que responder com a insolência da inteligência viva, no bom sentido, da palavra responsável. Não podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias pelos presumíveis representantes de Deus na terra, a quem na realidade só interessa o poder» (Público).

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Peritos querem que o Estado cobre 20% sobre lucros na bolsa

«As mais-valias obtidas nos mercados de capitais devem ser mais tributadas, sugere o grupo de trabalho para o estudo da política fiscal, nomeado pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. O relatório é hoje apresentado no Ministério das Finanças.»

E mais, no Público.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Espinho

Foi finalmente concretizado um projecto muito antigo: o túnel da linha do comboio, que passou a ser subterrânea e deixou de dividir esta cidade em duas. Só que os responsáveis só se preocuparam com o soterramento da linha, e não com o planeamento do que fazer à supefície. Onde antes estavam as linhas de comboio (e uma estação bem bonita), agora está um descampado com vedações, que continua a dividir a cidade, é mais feio, e ninguém sabe bem o que vai lá ser feito. Creio que terá sido esta desorientação que custou ao PS este antigo bastião no conservador distrito de Aveiro.

Margem Sul do Tejo

O Bloco de Esquerda teve derrotas assinaláveis ao não eleger vereadores em Lisboa e no Porto. Só nalguns municípios da margem sul do Tejo atingiu tal desiderato, sendo que em Almada roubou mesmo a maioria absoluta à CDU, que desce à custa do crescimento do Bloco de Esquerda (não do PS). Vai ser um laboratório político interessante, Almada. Falta um vereador à CDU para a maioria absoluta. Elegeram vereadores PS, PSD e Bloco. Não me admiriaria se o acordo mais fácil fosse entre a CDU e o PSD.

Alentejo

No Alentejo, o PS é o voto útil da direita para derrotar a CDU. Já fora assim com Évora há doze anos. Foi agora com Beja e Aljustrel, onde a direita desaparece, sendo que no primeiro caso a CDU perde ganhando votos.

Lisboa

Tal como Carlos do Carmo e tantos outros lisboetas, costumava votar na CDU para as autárquicas. Desta vez votei no PS (e apoiei publicamente a candidatura de António Costa).
Tal como (quase que aposto!) Carlos do Carmo e muitos outros lisboetas, tenho pena que a CDU tenha perdido um vereador, mas não me arrependo de nada. Principalmente porque creio que votei (convictamente) num grande presidente de câmara, mas também porque, como se comprovou, o risco de vitória de Santana Lopes era real. E havia que não dispersar votos, para não voltar a suceder como em 2001. Já da não-eleição de vereadores do Bloco de Esquerda não tenho pena nenhuma. Em qualquer dos casos, o sectarismo foi penalizado.
Tal como (quase que aposto!) Carlos do Carmo e muitos outros lisboetas, votei na CDU para a Junta de Freguesia. Considero os meus votos muito bem empregues. Nenhum deles foi perdido.
Santana Lopes tinha razão ao apontar o "voto útil" em Costa (para a vereação) por parte dos eleitores mais à esquerda, principalmente da CDU, como se comprova com o muito melhor resultado que a coligação teve nas eleições para as freguesias. Já não tem razão nenhuma (e soa a delírio) falar num "acordo secreto" entre PS e CDU ou numa intenção deliberada do PCP em votar no PS para a vereação. Por um lado estes resultados fortalecem Santana: este voto útil mostra que era um adversário temível para a esquerda. Mas por outro lado tornam evidente que a principal preocupação de grande parte do eleitorado era que Santana não fosse eleito. Santana divide os lisboetas quase ao meio: uma parte significativa ainda gosta muito dele, mas a maioria sente por ele uma rejeição enorme. Por muito que já haja quem afirme o contrário, Santana é um dos grandes derrotados da noite.

Guerra

Uma das coisas mais tristes no sul profundo dos EUA é a cultura militarista. Quase todos os amigos dos meus filhos querem ser "marines". Eu pergunto-lhes sempre se não preferiam ter montes de namoradas. Em vão. Querem todos ser "heróis" e ir à guerra. E depois descobrem que a guerra não é como nos filmes:

HuffPo: LYNN, Ind. — An ex-Marine who served in Iraq has been charged with three counts of attempted murder of a police officer after firing on police.

Authorities say 26-year-old Andrew Ward of rural Lynn fired four shotgun blasts at three officers Friday night at a rural farm house. No officers were hurt.

After that weapon and another malfunctioned, officers used a stun gun to subdue Ward. He was being held without bond Sunday. He also faces preliminary charges of criminal recklessness, battery and intimidation.

Relatives say Ward was discharged from the Marines last month and is seeking disability veterans benefits for anxiety and post-traumatic-stress disorder. An older brother who also served in Iraq killed himself in 2003.

Lynn is about 65 miles east of Indianapolis.

Pulido Valente

Volta e meia leio a coluna do Pulido Valente no Público. Raras vezes, já que nunca leio o Público (que considero um jornal repugnantemente estúpido e reaccionário). Mas esta semana li dois textos dele. O primeiro era divertidíssimo, sobre os zelotas anti-tabaco. Depois dum jantar numa esplanada à beira duma falésia, longe das outras mesas todas, VPV e a mulher acenderam uma cigarrilha cada um e foram imediatamente insultados por um americano, a espumar de ódio, que lhes disse que esperava que eles morressem de morte lenta a dolorosa. E eu aposto que o energúmeno tem um SUV e deixa o motor ligado e o ar condicionado no máximo quando vai ao supermercado. O segundo texto era contra a atribuição do Nobel a Obama e enumerava todas as coisas que ele não fez, oito meses depois de ter sido eleito. VPV é um historiador competente e inteligente e devia saber que Obama sózinho não pode fazer nada e que os congressistas e senadores do Partido Democrata - uns porque são são corruptos e amorais, outros porque são racistas e outros porque são criminosamente estúpidos - lhe têm tirado o tapete todos os dias.

Claro que estamos todos frustrados com os fracassos desta administração. Mas acho injusto culpá-lo por tudo o que acontece num país em que 100 milhões de pessoas são como o homenzinho que o abordou por causa do tabaco, ou seja, ainda não estão preparados para aceitar as ideias da "Idade da Razão".

Quase tudo na mesma

As eleições autárquicas não trazem grandes mudanças. Creio (sem saber, a esta hora, os resultados finais) que terão mudado de mãos pouco mais de 10% das presidências de câmara. Apenas a aplicação da lei de limitação de mandatos, na próxima eleição autárquica, forçará a que mais de metade das câmaras municipais mudem de mãos. Aí, sim: 2013 será uma revolução. Por enquanto, fica quase tudo na mesma.
De significativo, à hora a que escrevo, há um reforço ligeiro do PS, principalmente à custa do PSD mas também da CDU. Nas capitais de distrito, o PS tira Leiria ao PSD e Beja à CDU; por outro lado, o PSD tira Faro ao PS (o imbatível Macário Correia!). O PS vence o PSD na Figueira da Foz, em Tavira e em Ourém (entre outros), e vence a CDU em Viana do Alentejo e Aljustrel. O PSD vence o PS em Monchique. Tudo junto, o que muda é pouco.
Vergonhosamente, Isaltino Morais é reeleito, Mesquita Machado é reeleito, Valentim Loureiro é reeleito. Fátima Felgueiras perde. Como cidadão, mal posso esperar pela «limpeza» que será 2013.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A minha declaração de voto em Lisboa

Voto em António Costa. Porque foi o único candidato que fez um esforço efectivo para unir a esquerda. Porque a eleição de Santana Lopes (que seria muito má para a cidade – o triunfo do automóvel privado) é um perigo real, que não se deve subestimar, pelo que não deve haver votos perdidos ou dispersados. Acima de tudo, porquje creio que Costa mostrou, nestes dois anos, que é um excelente Presidente. E, queira-se ou não, é Costa que tem marcado a agenda destas autárquicas lisboetas (o que, contra um adversário como Santana, é notável). Uma pequena mas significativa demonstração deste facto é o desmascarar definitivo das intenções políticas da corporação do automóvel (ao que este clube, que já foi respeitável, chegou!). Independentemente das óbvias motivações políticas do seu presidente, o ACP quer eleger os ciclistas como inimigos. E quem quiser esta guerra perde (é isso que eu tenho costumo dizer aos meus amigos do Menos Um Carro – defender os peões e os ciclistas, mas sem declarar guerra aberta aos automobilistas: convencê-los). Por uma Lisboa sustentável e plural, o meu voto só pode ser em António Costa.

Debate sobre Lisboa (2) – as propostas de Santana

Não tenho a mínima saudade dos tempos de Santana Lopes à frente do município (enm fdo governo) e tudo farei para impedir o regresso ao poder do candidato que quer transformar Lisboa num imenso túnel. Mesmo assim, há duas propostas suas que vale a pena reter (e foram objecto de discussão no debate). Uma dessas propostas é a venda, por parte da Câmara, das habitações por esta detidas aos inquilinos que para isso se mostrarem interessados. Só é pena que Santana não estenda tal proposta a todos os senhorios e todos os inquilinos, mas somente à Câmara (após muitos anos de permanência numa casa um inquilino deveria ter a opção de a comprar e o senhorio a obrigação de a vender – por que não?). A proposta de Santana tem o mérito de ir contra o politicamente correcto (muitas vezes defendido por uma “esquerda”) de que a culpa pelo mau estado das casas é dos inquilinos que pagam rendas baixas. A outra é a não desactivação do Aeroporto da Portela (muito embora seja indispensável a construção de um novo aeroporto na região de Lisboa). Nesta proposta Santana junta-se aos outros candidatos de esquerda, contra António Costa. O que vale é que esta não é uma questão que dependa da Câmara Municipal de Lisboa (depende sobretudo do governo). Haveremos de voltar a ela.

Debate sobre Lisboa (1) – o outro António Costa

O debate de anteontem na RTP foi muito alargado. Excessivamente. Ficámos a conhecer candidatos que preferíamos desconhecer, como o do PNR (que se limitou a defender o uso do carro e a queixar-se da retirada dos cartazes xenófobos do seu partido – o que não é uma questão autárquica) e o do MMS (que por coincidência também se chama António Costa). Este último não sabe que o verbo “intervir” se conjuga como “vir” e não como “ver” (tendo proferido um “intervimos” em vez de “interviemos”). Que falta de mérito! A meio do debate, este António Costa armou-se em Santana Lopes e abandonou a sala (onde nunca deveria ter entrado). Terá ido para a “Conchichina” (uma espécie de China em forma de concha, que também só o seu partido conhece)?

O apoio que faltava

Digna de destaque é a “declaração de apoio que não é uma declaração de apoio” de Manuel Carvalho da Silva a António Costa. Apesar de tudo, o coordenador da CGTP afirmou que é muito importante a vitória de Costa, o que é muito diferente da posição oficial do PCP, para quem “não há diferenças” entre o PS e o PSD. Só é pena que a posição de Carvalho da Silva seja estritamente “autárquica” e não envolva o governo do país. Seria interessante ver Carvalho da Silva afirmar, por exemplo, que a avaliação de professores é necessária (mesmo se em moldes diferentes dos propostos pelo governo), em contraste com mais esta posição lamentável do PCP. Como se pode pensar em coligações de governo entre o PS e o PCP quando este partido defende posições destas?

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Confirma-se: TV RIP

O principal media da actualidade é este onde escrevo: a internet. A certidão de óbito da TV já estava a ser escrita, desde que se soube que já passamos (na Europa), mais tempo em frente ao ecrã do computador do que em frente ao ecrã do televisor. Agora, a secundarização da televisão já faz manchetes de jornais. Em breve, os televisores só interessarão se já forem vendidos preparados para se aceder facilmente à internet.

Eleições autárquicas

O sistema eleitoral autárquico português é particularmente bem pensado. Porque nos permite votar três vezes. Para a Presidência da Câmara e vereação, votamos para o governo da cidade (poder executivo). Para a Assembleia Municipal, votamos para a fiscalização e regulamentação (poder «legislativo»). Finalmente, para as Juntas de Freguesia votamos para os serviços públicos de proximidade. Se este modelo existisse também para o poder político de nível nacional, poderíamos votar para Primeiro Ministro e Parlamento em boletins separados. O que teria muitas vantagens (desde logo, a de não nos chatearem com o «voto útil»).
Há quem argumente que votar de modo diferenciado para a Presidência e a para a Assembleia pode ter efeitos perversos. Principalmente, porque legitimamos um governo e a oposição a esse governo. Mas a substância da política é mesmo a negociação. E é para isso que servem as assembleias.

Caroline Fourest: laicismo e anti-racismo

Reproduzo em baixo parte de um artigo de Caroline Fourest sobre a polarização, que se deve evitar, entre nacionalistas europeus («civilizacionistas») e fundamentalistas islâmicos.
  • «(...) La mode consiste à organiser des face-à-face entre islamistes sulfureux et nationalistes nauséabonds. La recette a fait ses preuves : pour gonfler à la fois l'audience et les extrêmes. Avec un peu d'habileté rhétorique, les ambassadeurs d'un islam intolérant parviennent à occuper l'espace médiatique au détriment des musulmans laïques, mieux, à les faire passer pour de "faux" musulmans. Les citoyens se demandent où sont passés les esprits libres de culture musulmane. Les populistes n'ont aucun mal à les convaincre que tous les musulmans sont... des intégristes.



    (...) Ce n'est pas un hasard si les partis populistes font des percées en Suisse, en Grande-Bretagne et aux Pays-Bas. Dans ces trois pays, on a trop longtemps toléré l'islam intolérant au nom du multiculturalisme. Le retour de flamme a une couleur illusoire mais rassurante : "le bon vieux temps... monoculturaliste".
    Le danger ne vient pas d'une extrême droite caricaturale, mais de partis libéraux et populistes. Ils captent une inquiétude légitime envers l'islamisme, et la transforment en peur de "l'islamisation". Ces dernières années ont connu la percée de trois partis populistes européens ayant fait campagne sur ce thème : le Parti national britannique de Nick Griffin en Grande-Bretagne, le Parti de la liberté de Geert Wilders aux Pays-Bas et l'UDC de Christophe Blocher en Suisse.

    (...)
    Son intransigeance envers l'islam n'a d'égal que sa complaisance envers le christianisme, décrit comme porteur "de valeurs qui ont conduit à la sécularisation et à la démocratisation" caractérisant "le modèle occidental". Comme s'il n'avait jamais fallu arracher ces valeurs à l'Eglise... (...)» (Caroline Fourest)


Viva a República! (dos blogues)

  1. «A Revolução de 1820, o 5 de Outubro de 1910 e o 25 de Abril são os marcos históricos da liberdade, em Portugal. Foram momentos que nos redimiram da monarquia absoluta e da dinastia de Bragança; são as datas que honram e dão alento para encarar o futuro e fazer acreditar na determinação e patriotismo dos portugueses. Comemorar a República é prestar homenagem aos cidadãos que não quiseram mais ser vassalos. O 5 de Outubro de 1910 não se limitou a mudar de regime, trouxe um ideário libertador que as forças conservadoras tudo fizeram para boicotar.
    Com a monarquia caíram os privilégios da nobreza, o imenso poderio da Igreja católica e os títulos nobiliárquicos. Ao poder hereditário e vitalício sucedeu o escrutínio do voto; aos registos paroquiais do baptismo, o Registo Civil obrigatório; ao direito divino, a vontade popular; à indissolubilidade do matrimónio, o direito ao divórcio; à conivência entre o trono e o altar, a separação da Igreja e do Estado.» (Diário Ateísta)

  2. «(...) na génese de todos os regimes republicanos há uma lógica de valor inestimável e que faz debelar qualquer esforço de cotejo com as monarquias, sejam estas as da Europa do Norte ou as de Cuba e da Coreia do Norte: o princípio republicano ensina-nos que ninguém deve adquirir nem manter de modo vitalício um cargo, posição ou direito pessoal, pelo mero facto do nascimento. Ninguém se pode tornar na primeira figura de um País por simples via urinária mas sim pelo seu mérito, pelo seu engenho e pelo reconhecimento dos seus concidadãos.
    Com todos os seus múltiplos desvios (que são bem conhecidos) isto basta para que eu prefira a República a todas as demais alternativas em que o mérito e o prestígio são institucionalmente herdados e não alcançados por merecimento pessoal.
    » (Blasfémias)

  3. «A República trouxe a separação entre Estado e Igreja, laicizou e promoveu o ensino em todos os níveis e para todos os extractos sociais, deu direitos civis iguais a homens e mulheres, despenalizou o aborto e a homossexualidade e, sobretudo, aboliu os privilégios, fiscais e outros, atribuídos na base do nascimento.

    Mas ainda falta República. Graças a uma revolução de mentalidades que continua por fazer, visível quer na naturalidade como os portugueses olham para o fenómeno crescente da apropriação rentista de recursos públicos, quer na promovida veneração de bem nascidos independentemente do seus méritos, a aristocracia monárquica foi substituída por uma aristocracia republicana que, embora com privilégios diferentes, continua a tê-los efectivamente e a poder transmiti-los de geração em geração.
    » (O País do Burro)

Purificar a Bíblia!

Parece que a Bíblia não é um texto suficientemente conservador, pelo menos para um grupo de conservadores americanos. Assim, inspirados por Deus, estes conservadores propõem-se editar o texto e extirpá-lo de coisas "liberais". Eu acho a ideia óptima, porque o Novo Testamento está cheio de propaganda comunista.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Desfazendo mentiras e calúnias sobre a 1ª República portuguesa


A recém-publicada «História da Primeira República Portuguesa» (coordenação de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo) é uma obra completa e rigorosa sobre um período da nossa História sobre o qual se continuam a confrontar perspectivas ideologicamente opostas, um confronto que será, possivelmente, bastante visível no próximo ano. Na «Introdução», Fernando Rosas explica parte da motivação das mais de 600 páginas do volume.

«O centenário do regicídio, em 2008, deu lugar ao reaparecimento e à reafirmação de uma corrente a meio caminho entre a história e a política, de forte cunho ideológico monárquico-conservador, por vezes enfaticamente promovida em alguns media, que, na realidade, constitui uma reedição quase ipsis verbis do discurso propagandístico do Estado Novo sobre a Primeira República.

A Primeira República é aí apresentada, melhor dizendo, é aí demonizada, como nos tempos áureos do Secretariado de Propaganda Nacional e dos plumitivos integralistas convertidos ao salazarismo, como uma realidade simultaneamente a-histórica e anti-histórica.

A-histórica, porque era inexplicável à luz das realidades sociais e políticas do país, não tinha raízes nelas e muito menos as reflectia. Não possuía base social relevante - o alegado carácter «pequeno-burguês» da revolução republicana era uma mistificação marxizante fora de moda... -, pois o republicanismo era pouco mais do que uma conspiração maçónica-radical de alguns intelectuais urbanos subversivos, sedentos de poder e carentes de escrúpulos e de responsabilidade, a quem umas sabradas a tempo, como prometera João Franco, teriam facilmente metido na ordem. E, não sendo reconhecido um programa económico e social digno desse nome ao republicanismo, as suas aspirações - pretensamente democratizantes - já estariam realizadas pelas instituições da monarquia liberal, que era, no fundo, uma «república com rei». A República e o seu rol de prepotências e desordens não seria, afinal, senão o fruto de uma absurda conspiração de um punhado de desordeiros, tolerada pela fraqueza ou pela pusilanimidade do poder, sem apoio no país, ao arrepio da marcha pacífica e consensual da Monarquia e da governação dos seus avisados e liberais dirigentes. Uma espécie de maldição a-histórica que se abatera inopinadamente sobre o destino nacional.

E daí o seu carácter anti-histórico. A Primeira República, caricaturada com os traços grossos de uma balbúrdia terrorista e persecutória que não só desculpabilizaria como exigiria a Ditadura Militar e o Estado Novo, participava, no fundo, dessa espécie de desvio ao «verdadeiro curso» da história nacional. (...)»

Recomenda-se a leitura, em particular, ao Dorean Paxorales, ao 31 da Armada e ao Estado Sentido. Pode servir para rever certos dogmas e distorções tão estridentemente reafirmados. Mal não lhes fará.

Viva a 1ª República portuguesa!


Registo Civil obrigatório
Laicização do ensino 

Igualdade de direitos civis entre homens e mulheres

Criação de Universidades fora de Coimbra
Fomento do ensino primário e secundário
Equilíbrio das contas públicas

Tudo isto devemos à 1ª República Portuguesa.

domingo, 4 de outubro de 2009

Viva a República!

«Mandou-me procurar?
Passe, cidadão!»(*)

Há exactamente 99 anos, a República já estava proclamada em localidades como Grândola, Almada, Moita ou Loures. A sorte das armas ainda não se decidira em Lisboa, onde houve violentos combates durante o dia de 4 de Outubro. A vitória em Lisboa só chegaria no dia 5 de Outubro pela manhã. Ao contrário do 25 de Abril, o triunfo não se deveu ao Exército, mas a esse autêntico povo em armas que foi a Carbonária.
(*) Senha e contra-senha dos revolucionários de 1910.

A República nos blogues

Alguns blogues sobre a 1ª República.
Ver também na Associação República e Laicidade.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A tralha socrática: Augusto Santos Silva



O PS terá que tentar estabelecer pontes e acordos com os outros partidos de esquerda. Sabemos que tais pontes só serão possíveis em casos pontuais, mas o PS não pode ser acusado de não as tentar estabelecer. Por isso terá de se assistir ao afastamento de Augusto Santos Silva, o ministro dos assuntos parlamentares que assumiu que gosta de “malhar” nos partidos à sua esquerda, mas não hesitou, há três semanas, em directo, no “Prós e Contras”, a dirigir-se ao reaccionaríssimo Paulo Rangel como “o meu amigo” (algo que não fez a mais nenhum dos membros dos partidos presentes no programa). Talvez por dois tripeiros serem sempre amigos (por aqui se vê que o Porto é uma cidade pequena). Talvez, mais provavelmente, por o ex-maoísta (mas ainda bem maoísta na mentalidade) Santos Silva preferir qualquer outra alternativa a aliar-se ao PCP. É essa a cultura maoísta portuguesa, também presente em muitos sectores do Bloco de Esquerda (não todos). Convergências à esquerda assim são difíceis. Mas o PS não é o principal culpado de tal facto. Esta semana Santos Silva voltou ao “Prós e Contras”, pela enésima vez. Deve ter alguma avença. Ou então é porque a apresentadora é tripeira (também deve ser “sua amiga”). Que se mantenha como comentador, se ele e Fátima Campos Ferreira quiserem. Mas se o PS quer um mínimo de convergência à esquerda não o pode ter no governo. Muito menos nos assuntos parlamentares.

PS-CDS?

O Público de hoje especula sobre a possível entrada de ministros do CDS no próximo governo (é referido  o nome de Basílio Horta). Regresso ao governo «contra natura» de finais dos anos 70? Para já, a especulação pode ser apenas uma provocação com o objectivo de provocar reacções.

«Uma mulher é que não»

Carlos Esperança no Diário Ateísta:
  • «Nos dois anos lectivos, 1961/62 e 1962/63, coleccionei numerosos amigos e fiz três inimigos íntimos: o padre Morgadinho, que se julgava o braço armado da senhora de Fátima e me denunciou à PIDE, o tenente Gaspar que comandava a PSP e me acolheu várias noites na esquadra, para interrogatórios e conselhos, e o Director interino que regularmente vinha ameaçar-me com a demissão. (...) Fiquei em primeiro lugar nas escolas a que concorri. As femininas e mistas eram interditas a professores mas, nas masculinas, as professoras só podiam ser colocadas se não houvesse candidatos masculinos. Como havia poucos professores, a colocação era facílima para os homens. (...)Em Outubro lá fui parar à Lourinhã e logo recebi a visita do Director que me vinha felicitar por ser o director da escola masculina e anunciar que já tinha mandado para o Diário do Governo a minha nomeação de Delegado Escolar.
    De facto, com vinte anos, antes de atingir a maioridade, o meu nome veio publicado na 2.ª série do Diário do Governo nomeado Delegado Escolar da Lourinhã.

    Só então me dei conta de ser o melhor professor do concelho. Era o único. Mais de oitenta professoras tinham um defeito de género que superava a minha inexperiência e quaisquer defeitos de um homem.»

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Era tudo a brincar

Aquela história das vigilâncias, o dossiê passado ao jornalista, das escutas, a comunicação ao país, a demissão do Lima, as «manipulações», etc, foi tudo uma grande brincadeira. No fundo, eles dão-se muito bem.

Les jeux sont faits

Resultado do concurso proposto aqui: a vitória foi para o/a(?) SMP (ver comentários), com um desvio médio de 0.94%. Parabéns!
(A medalha de prata foi para um anónimo).