segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Revista de blogues (26/10/2009)

Quantos blogues defendem Saramago? Daqui a uns anos, isto parecerá espantoso, mas a verdade é que somos muito poucos.
  1. «A propósito das declarações de Saramago, que a Bíblia é um «manual de maus costumes», teólogos e sacerdotes têm apontado que ler a Bíblia é uma coisa muito complicada. Como disse Carreira das Neves em debate com Saramago, a Bíblia tem infinitas leituras (1). Mas isso quase tudo tem e, retorquiu Saramago, por muitas interpretações que se dê a um texto não se pode esquecer o que lá está escrito. (...) E há episódios que nenhuma (re)interpretação pode safar. Moisés desce da montanha e manda chacinar uma data de gente por ter um deus diferente. Deus manda matar cidades inteiras, destrói Sodoma e Gomorra por causa de preferências sexuais, transforma uma mulher em sal só porque olhou para trás, mata os primogénitos no Egipto só porque o Faraó era teimoso e assim por diante. Se os lermos como obra humana, estes relatos explicam-se pelo contexto cultural. Eram pessoas menos esclarecidas, intolerantes, sem respeito pela liberdade religiosa, privacidade e outros direitos fundamentais. Mas se é um livro inspirado por um deus então esse deus é horrível. (...) Muito pouco na Bíblia é compatível com os valores da civilização moderna. Quem preza a liberdade e a justiça não pode concordar nem com o antigo testamento, com um deus tirano que castiga e tortura só porque lhe apetece, nem com o novo testamento, em que o mesmo deus se faz inocente e se finge matar para nos dar esperança ou mostrar que morrer na cruz é amor.» (Treta da semana: Leitura simbólica)
  2. «Para VPV as ideias de Saramago são “de trolha ou tipógrafo semi-analfabeto”, produto da senilidade dos seus “80 e tal anos”. O Nobel foi atribuído como a “vários camaradas que não valiam nada” e é lido por milhões de pessoas “acéfalas que nem distinguem a mão esquerda da mão direita.” VPV não reconhece “a Saramago a mais remota autoridade para dar a sua opinião sobre a bíblia ou sobre qualquer outro assunto”. Essa suposta autoridade só lhe deve ser concedida porventura a ele próprio que opina acerca de tudo dizendo pouco mais do que nada, mantendo porém sempre o indelével traço da arrogância e altivez. Depois vem a velha lenga-lenga do PREC e do DN há muito desmentida, quer por Saramago, quer por quem o acusava, mas parece que tal não teve eco nas masmorras do séc. XIX onde VPV está agrilhoado. Mas a sobranceria e desdém não acabam aqui: “Saramago está mesmo entre as pessoas que nenhum indivíduo inteligente em princípio ouve” e a pérola final diz tudo sobre o carácter do seu autor: “D. Manuel Clemente conhece com certeza a dificuldade de explicar a mediocridade a um medíocre e a impossibilidade prática de suprir, sobre o tarde, certos dotes de nascença e de educação.” Ou seja, resume tudo à falta de berço, argumento tão querido à nata da sociedade que passados quase 100 anos sobre a fundação da República ainda não entendeu (apesar de todas as obras e teses por ele publicadas) nem o seu significado, nem sequer a premissa de que somos Homens iguais a quem se devem dar iguais direitos e iguais oportunidades. E é por isso que destila diariamente o ódio a tudo e a todos que vêm de baixo, aos que sobem a pulso, aos que não se deixam vencer pela sua condição social, aos que indo da “província” para Lisboa não se intimidam pelas elites que ainda se julgam aristocráticas por viverem das rendas que os negócios do estado proporcionam, bem mais lesivas para o país do que os supostos milhões perdidos para os pobres preguiçosos do RSI a quem todos culpam.» (O ódio de Vasco Pulido Valente)

30 comentários :

Nuno Gaspar disse...

Daniel Oliveira precisou de poucas palavras para dizer tudo:

Dão a canelada e atiram-se para o chão aos gritos.

Ricardo Alves disse...

Isso assenta que nem uma luva aos católicos. ;);)

Nuno Gaspar disse...

Como é que é?!

Alguém se lembrou de falar de Saramago antes dele debitar impropérios no lançamento do seu livro?

Nota: Não ligo ao que ele diz e gosto na mesma da maneira como escreve. Li com agrado o Evangelho segundo Jesus Cristo.

rui disse...

o saramago não precisa de ser defendido. suscitou um debate com uma frase redutora e provocatória que não pretendia outra coisa do que obter uma reacção generalizada.
reacção essa que se diga-se o que se quiser se tem mantido em níveis civilizados. um deputado pedir-lhe que renuncie à cidadania portuguesa não passa de conversa sem quaisquer consequências práticas. ainda ontem fiquei admirado por ver na tv a forma pacata como o padre da aldeia dele se referiu ao caso apagando um fogo que a julgar pelas reacções das pessoas entrevistadas na rua tinha todas as condições para ser ateado.

rui disse...

quanto ao pulido valente e povo do mesmo calibre, este caso é apenas pretexto para verter mais umas gotas de um ressentimento doloroso. é um problema que já foi suficientemente escalpelizado aqui e noutros lugares.

dorean paxorales disse...

gostei do primeiro parágrafo: realmente, os episódios de sodoma e dessa tão esquecida gomorra são lamentáveis e tiram a fé a qualquer um.

quanto ao segundo, estou siderado como o ódio a vpv consegue reunir no mesmo texto e sob o mesmo pretexto a luta de classes, centenário da república, defesa do prec, regionalixação, o rendimento mínimo, a tenebrosa icar, o complexo industrial-civil português, o arrivismo político, et c.... está visto que isto está tudo ligado.

João Moutinho disse...

Boa Gente,
Não sei se o Ricardo liga muito atenção ao que eu escrevo mas venho discordar de si em alguns pontos - caso contrário não valia a pena.
O VPV tem tanto direito a escrever o que quer como o Saramago. Mesmo que faça considerações que deixam muito a desejar.
Quanto ao nosso prémio Nobel não temos de gostar dele para lhe reconhecermos valor e muito menos de alguma vez pôr em causa a sua liberdade de escrever o que quiser.
Portanto resta saber que "defesa" é essa do Saramago.
Arrisco-me é a termos cuidado com a "Civilização Moderna". Ainda em meados do século passado ideologias ateias ou não religiosas exterminaram pessoas só por pertencerem a certa raça. E a Bíblia ou Alcorão (naqueles casos) não eram a sua fonte de inspiração.

João Vasco disse...

«Ainda em meados do século passado ideologias ateias ou não religiosas exterminaram pessoas só por pertencerem a certa raça.»

O Hitler não só não era ateu, como se afirmou várias vezes a favor da perseguição dos ateus. Tornou a oração matinal nas escolas obrigatória.

Esse mito urbano do nazismo ateu, tão profusamente desmentido pelos factos, continua a circular. É o poder da propaganda...

João Vasco disse...

Claro que Saramago tem o direito a escrever o que quiser, no tom que quiser, VPV tem o direito a escrever o que quiser no tom que quiser, e o autor do segundo texto citado tem o direito a escrever o que quiser, no tom que quiser.

Como espero que estejemos todos de acordo com isto, em vez de discutir a liberdade de expressão que ninguém razoável põe em causa, podemos discutir o conteúdo do que é dito.


É que Saramago expõe uma opinião e a resposta que lhe é dada pelos que dela discordam é "és ignorante e intolerante". São estes insultos que denunciam a falta de argumentos.
E que tal argumentar em vez de insultar? Talvez não fosse tão óbvia a falta de razão de quem o critica...

Ricardo Alves disse...

O João Vasco tem razão: já vai sendo tempo de deixarmos de discutir a liberdade de expressão e discutirmos o que cada um exprime, na sua liberdade.

João Moutinho: tenho sempre muito gosto em falar consigo.

As perseguições estalinistas não foram devidas ao ateísmo. Foram em nome do comunismo. E os nazis raramente eram ateus. O Hitler foi católico praticante, aludiu ao «Criador» no Mein Kampf, e gabava-se de perseguir o ateísmo. Aliás, o racismo de Hitler era, em parte, de origem religiosa.

Tudo dito, é verdade que a União Soviética perseguiu a Igreja Ortodoxa. Num contexto de guerra civil. Finda esta, Estaline procurou uma aliança com o poder clerical.

Ricardo Alves disse...

O artigo de VPV é abjecto. Limita-se a tentar desqualificar Saramago por ser um camponês do Ribatejo, autodidacta e que subiu na vida a pulso. VPV representa uma certa elite lisboeta que olha de soslaio para quem não vem das «boas famílias» da Lapa, e que ainda não aceitou que numa República os camponeses do Ribatejo não são menos cidadãos do que eles.

Nuno Gaspar disse...

Mais um bocadinho de propaganda, João Vasco. Mas científica. (obrigado AP)

http://www.amazon.com/reader/140397201X?_encoding=UTF8&ref_=sib%5Fdp%5Fpt#reader_1403965021

João Vasco disse...

Nuno:

Também há quem recomende livros a dizer que o holocausto é uma invenção, ou que o 11 de Setembro foi obra da CIA.

Mas existir um livro que diz algo não quer dizer nada. Se o Nuno o leu e viu lá um argumento persuasivo, partilhe-o. Se não, não vale a pena agitar a existência do livro como se isso quisesse dizer alguma coisa: há livros para tudo.

Mas eu posso desde já esclarecer uma coisa: não só Hitler não era ateu, como era criacionista. Ele não acreditava que o homem e o macaco tivessem um antepassado comum, foi muito claro a esse respeito.

João Vasco disse...

(O que mostra logo o chorrilho de disparates que deve estar nesse livro...)

rui disse...

ricardo, penso que não vale a pena "tapar o sol com a peneira" nessa história do comunismo e o ateismo. Sobretudo vocês que escrevem este blog e são gajos inteligentes. o que fazer à Albânia "proletária", auto-proclamada "estado ateu"? e onde se sabe os direitos humanos como eram tratados pelos camaradas? (direitos humanos "burgueses" no ainda e sempre folclórico léxico PC, quando não são eles a vítima)
A realidade é que efectivamente se matou muita gente em nome do comunismo que é uma ideologia da qual o ateismo é indissociável. O que não quer dizer que seja obrigatório ser-se comunista para se ser ateu e muito menos que só os comunistas o sejam.
Precisamente o Sam Harris justifica a guerra do Iraque na perspectiva do combate ao "obscurantismo"... e de comuna o SH nada tem.
o ponto único é que o ateismo é uma visão do mundo baseada em factos tangíveis. reconhecem-se nela gajos porreiros e uma multidão de filhos da mãe. Não é porque há ateus filhos da mãe dispostos a arranjar esse pretexto ou outros para exercerem a sua natureza que o ateismo deixa de ser o resultado de uma análise lúcida. já se viu que para massacrar, qualquer pretexto serve ao criminoso, mesmo o criminoso bem intencionado, e o ateismo não é excepção. nessa medida, a mim tanto se me dá como se deu que o Hitler fosse ateu ou não. O hitler tinha dois braços, duas pernas e duas cabeças, em que medida é que tenho de me diferenciar desta imagem para me não confundirem com ele mesmo que seja de longe?

João Vasco disse...

Rui:

É óbvio que mesmo que Hitler fosse ateu em vez de criacionista isso não faria com que o ateísmo fosse menos verdadeiro (quando muito poderia ser um indício de que a mentira religiosa seria socialmente desejável, e ainda assim um indício fraco dados todos os massacres ao longo da história perpetuados por líderes que eram religiosos).

Mas eu quero sempre corrigir essa mentira, pelo simples facto de o ser. Não pelas conclusões que outros dela pretendem tirar.

É que eu próprio fui enganado por essa mentira. Até quase aos 21 anos, já ateu há bastante tempo, acreditava que Hitler era um ateu que tinha perseguido os católicos. Mal sabia que o Vaticano lhe andava a celebrar missas pelos anos, e ele andava a falar em perseguir os ateus.

E senti-me tão enganado quando descobri a verdade - enganado pela Igreja e pelos meus professores de religião e moral, mas também pela ignorãncia de outros, e pela omissão de quem devia evitar que estes erros históricos fossem tão divulgados - que quero SEMPRE corrigir quando alguém espalha esse mito urbano.

rui disse...

compreendo. acho meritório corrigir mentiras e desmascarar mitos urbanos. só referi o caso porque tal como surgiu e foi discutido correu o risco de desviar a discussão.
ficando dito que "mesmo que Hitler fosse ateu em vez de criacionista isso não faria com que o ateísmo fosse menos verdadeiro", está o assunto encerrado.

M. Daniel Nicola V. disse...

Caro dorean paxorales, Em relação às tuas palavras acerca do 2º texto:

"luta de classes, centenário da república, defesa do prec, regionalixação, o rendimento mínimo, a tenebrosa icar, o complexo industrial-civil português, o arrivismo político, et c"

aqui fica a tradução:

luta de classes - condição social de Saramago que tanto incomoda VPV

centenário da república - para quem já escreveu milhares de páginas sobre o assunto parece-me que ainda não entendeu o seu significado

defesa do prec - a história do DN está MUITO mal contada, informe-se

regionalização - provincianismo das elites

o rendimento mínimo/ complexo industrial-civil português - por oposição às elites e ao rendimento máximo das rendas que ALGUNS historiadores, advogados, gestores recebem do estado só por terem um nome "chique" a adornar a encomenda

o arrivismo político - VPV brinda-nos semanalmente com várias tiradas sobranceiras acerca dos que vêm da província...

icar - ?

VPV não contra-argumentou uma única vez, limitando-se a atacar a pessoa, o seu estrato social e as suas origens. Já fiquei indiferente a muita verborreia semelhante que o caracteriza, mas não o fiz agora. De modo que a crítica à crítica do VPV seja tão violenta... já andava a acumular.

Nuno Gaspar disse...

« óbvio que mesmo que Hitler fosse ateu em vez de criacionista isso não faria com que o ateísmo fosse menos verdadeiro »

Mas que engraçado que você é, João Vasco.
Claro que o facto de você andar continuamente preocupado em atribuir-lhe alguma simpatia religiosa não tem nada a ver com a intenção de fazer com que a religião seja menos verdadeira. Não, não!

dorean paxorales disse...

caro m. daniel nicola v.,

icar é uma sigla usada neste e noutros blogues para referir a igreja católica apostólica romana.

percebi o seu exposto e agradeço a explicação. agradeceria ainda mais se se dispusesse a explicar-me porque a história do dn está mal-contada.

cumps

João Vasco disse...

Nuno:

Está mesmo enganado.

Quando muito o facto de Hitler ser religioso poderia ser um indício de que a religião - falsa ou verdadeira - seria socialmente indesejável.

Mas seria um indício fraquíssimo. Tantos e tantos líderes com sangue nas mãos ao longo da história eram crentes religiosos, que com Hitler ou sem Hitler a diferença não é grande.

E ao contrário dos crentes que consideram as vítimas de Mao e Estaline como vítimas do ateísmo; eu NÃO considero as vítimas de Hitler vítimas da religião. Nem as de Hitler, nem os Castelhanos mortos por D. Afonso Henriques, nem os Franceses mortos por Luis XIV, nem os mortos da primeira guerra e de quase todas as guerras europeias ao longo de séculos.

Para mim, não basta o líder ser crente para eu considerar que as suas vítimas são vítimas da religião. É preciso que ele mate em nome de Deus. Como aconteceu com a inquisição, com o 11 de Setembro, com as cruzadas, etc...



Mas mesmo considerando que a religião pode ser socialmente indesejável, no sentido de provocar mais sofrimento que felicidade, isso não implica que ela seja falsa.
Poderia existir um Deus mau, e por isso a religião ser socialmente indesejável.

Nesse sentido, a crença de Hitler não prova NADA.
E a minha motivação para combater esse mito urbano é mesmo a de repor a verdade dos factos.

dorean paxorales disse...

ricardo,

vpv não pertence à mesmíssima "elite urbana" (termo que os próprios preferem a "burguesia") que tomou conta do poder em 1910?

Filipe Castro disse...

"Elite urbana" é um saco muito grande, onde cabem muitas pessoas diferentes... :o)

E eu acho que o VPV é quase sempre divertido, mesmo quando não tem razão nenhuma, não faz sentido nenhum e se porta como um snob mau e repugnantemente reaccionário. Acho que no caso dele embirrar e insultar se tornou uma arte. Tenho esta fraqueza, mas acho-o divertidíssimo, mesmo quando só diz disparates.

Ricardo Alves disse...

Dorean,
em termos, vá lá, marxistas, eu diria que a natureza de classe do poder não mudou em 1910. Um marxista-leninista-qq-coisa dir-te-á, com alguma razão, que se passou de uma facção da burguesia para outra facção da burguesia.

Mas a República permitiu que um camponês do Ribatejo, ou um filho de um gasolineiro de Boliqueime, sejam o que quiserem. Por isso, é justo dizer que a implantação da República foi uma machadada no elitismo.

Ricardo Alves disse...

«eu NÃO considero as vítimas de Hitler vítimas da religião»

E está certo. Já não se pode dizer o mesmo das vítimas de Franco na guerra civil.

dorean paxorales disse...

enganaste se julgas que tenho dificuldade em concordar com este aspecto em particular da análise marxista da nossa história recente... basta olhar para a repetição sinusoidal dos apelidos das personagens.

mas não acho que tenha nada a ver uma coisa com a outra e é bastante fácil encontrar monarquias com muito maior mobilidade social (sugar e thatcher não são propriamente nomes de casta dominante) que as repúblicas portuguesa ou brasileira (para me ficar pelos braganças).

mas isto é a nossa discussão de sempre, certo?

dorean paxorales disse...

obviamente, "enganas-te" e não "enganaste"...

Ricardo Alves disse...

Dorean,
numa monarquia o Cavaco Silva nunca chegaria a Presidente da República. Ou o Eanes. Fazem parte dos nomes que se repetem sinusoidalmente?

dorean paxorales disse...

ora até que enfim que admites que o formalismo da chefia do estado é a única diferença entre a "minha" monarquia e a "tua" república... ;)

Ricardo Alves disse...

Dorean,
dois artigos mais acima dei-te duas outras diferenças. Não notaste? ;)