Andam pelo Metablog, pelo Cinco Dias, e pelo Zona Fantasma, algumas reflexões interessantes sobre ideologias (marxistas, por exemplo) e religião (judaico-cristã, pois claro). São possíveis muitos paralelos: as primeiras querem fazer descer o céu à Terra, a segunda elevar a Terra ao céu; ambas atribuem um carácter de inevitabilidade à realização das suas utopias (marxismo «científico» e messianismo religioso); e em ambos os casos se justificaram organizações autoritárias e sistemas políticos totalitários.
Mas vamos aos blogues. O percurso começa no Metablog com esta interrogação interpelante: «Haverá algum tipo de esperança que evite a lógica da promessa religiosa? Ou será que todas as narrativas políticas contém necessariamente um elemento de religiosidade?». Do Cinco Dias, vem esta resposta: «política sem um princípio da esperança é igual a tecnocracia e gestão daquilo que existe» e logo «a força de uma política revolucionária está mais dependente das esperanças que movimenta do que dos enunciados “científicos” que contém». O que nem é dogmático, de um ponto de vista marxista. Mas do Zona Fantasma vem uma resposta mais curiosa: «um edifício conceptual que tem por objectivo melhorar o mundo não pode deixar de se propagar pela esperança dos crentes», mas «o Marxismo terá em comum com o Judaísmo (...), não um "elemento de religiosidade", mas apenas o apelo a traços básicos da psique humana: querer fugir ao desespero de um universo sem sentido, sem evolução teleológica, sem promessa de sentido». Que o ser humano necessita de dar sentido ao universo, não duvido. Que essa busca de sentido o tenha que levar necessariamente para além da ciência, para os mundos perfeitos das religiões e das utopias totalitárias, já me parece mais duvidoso.
Pessoalmente, penso que o problema é justamente imaginar utopias para lá da dimensão pessoal. Quem imagina uma utopia como mero farol no final do seu projecto de vida individual, não cria problemas seja a quem for. As utopias são um problema quando passam a ser colectivas, quando alguns as imaginam universalmente desejáveis e passam a querer impô-las a todos. Todas as ideologias ou religiões que se meteram a realizar utopias para todos descambaram em pesadelos para mais do que muitos.
Supor que os outros partilham as nossas esperanças é partir do princípio que sabemos o que é melhor para eles. O papel da política não pode ser o de realizar utopias, mas sim o de manter uma sociedade em que cada um possa perseguir as suas utopias pessoais. A democracia e a laicidade protegem-nos justamente contra qualquer grupo que se queira apropriar do Estado para dirigi-lo, em permanência, para uma qualquer utopia.
3 comentários :
"As utopias são um problema quando passam a ser colectivas"
discordo. o problema não está em ter uma utopia colectiva mas no querer impô-la
no início do post havia uma boa indicação do que o que digo é verdade
"e em ambos os casos se justificaram organizações autoritárias e sistemas políticos totalitários."
é verdade, porque assentam em princípios autoritários e não libertários
a resposta à pergunta "Religião e utopias políticas: a mesma fezada?" é sim, desde que se faça essa diferença fundamental entre as autoritárias e as antiautoritárias
«A democracia e a laicidade protegem-nos justamente contra qualquer grupo que se queira apropriar do Estado para dirigi-lo, em permanência, para uma qualquer utopia.»
infelizmente, tendo a discordar. a democracia e a laicidade não nos livraram no sistema neoliberal e consumista imposto a toda a sociedade. eu não gosto mas não tenho como fugir à ditadura económica que se vive hoje. se ao menos fosse verdade as pessoas poderem livremente escolher viver de acordo com as suas utopias pessoais, mas isso não acontece. a exclusão económica e a opressão pelo trabalho escravo são os maiores entraves à realização pessoal de vidas alternativas.
Matarbustos,
tens uma certa razão. Por razões económicas, nem todos podemos escolher livremente.
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