O responsável principal pela derrota da esquerda nesta eleição presidencial é José Sócrates. O primeiro instinto de um político quando no poder deve ser preservar esse mesmo poder. Sócrates, ou não quis auto-preservar-se (masoquismo?) ou não o soube fazer (incompetência?). Em qualquer dos casos, falhou como líder (que também é) do maior partido da esquerda, e secundariamente como líder da esquerda que poderia (e deveria) querer ser. Um verdadeiro líder sabe prever as crises e precaver-se, Sócrates com a sua maioria absoluta fresca de um ano tinha autoridade para impor uma solução ao seu partido. Porém, chegou a querer adiar a sua «solução» para a presidencial «para depois das autárquicas». Viu-se no que deu a navegação à vista: o seu Governo tem agora a espada da dissolução sobre a cabeça. (Não, não acredito que Sócrates preferisse a eleição de Cavaco à de Soares ou mesmo de Alegre.)
Manuel Alegre ficou ligeiramente abaixo de Salgado Zenha, quer em número de votos (1,13 milhões contra 1,19) quer em percentagem (20,7% contra 20,9%). No entanto, (notar que Zenha era apoiado pelas estruturas do PCP e do PRD) ficou acima do outro candidato presidencial que não foi apoiado por qualquer partido grande ou médio e que passou dos 10% (Otelo em 1976, quando teve 792 760 votos e 16,5 em percentagem). Não conseguiu evitar que os quase 700 mil eleitores que vão mudando de lado nas eleições (e que fazem de «centro») fossem para Cavaco Silva. Mas conseguiu provar que ainda há espaço político em Portugal para a social-democracia de esquerda, e que a emergência desta pode travar a ascensão do BE, como se notou nos resultados de Louçã (as picardias entre os dois mostram que queriam ambos crescer para o mesmo espaço). Alegre teve ainda o mérito de mostrar que existe quem, na esquerda democrática, não morra de amores pela UE, e foi consequentemente republicano em questões como a lei da nacionalidade ou os direitos dos imigrantes (onde foi mais longe do que o actual Governo quer ir).
Quanto a Mário Soares, errei ao não compreender que a simpatia com que era tratado pelas pessoas partia da presunção de que já estava retirado da política. Quando voltou a meter as mãos no jogo sujo da política queimou-se. Resta-lhe o exemplo cívico que deu ao tentar ser Presidente aos 81 anos. O exemplo serve de lição a muita gente no interior do PS. Mas o eleitorado deixou claro que já não conta com ele.
Jerónimo de Sousa mais do que duplicou o número de votos de António Abreu em 2001, e até subiu relativamente à eleição para a Assembleia da República do ano passado. Sendo esta a terceira eleição homóloga (parlamento, autarquias, presidencial) em que o PCP sobe, já não faz qualquer sentido falar em «declínio do PCP». Pelo contrário, é agora claro que Jerónimo não só parou a descida do PCP como a conseguiu inverter.
Garcia Pereira teve um terço dos votos que tivera em 2001, o que pode resultar de dois factores: a sua menor exposição mediática como «advogado de causas célebres» nos anos mais recentes, e o facto de esta eleição presidencial, ao contrário da anterior, não ter vencedor anunciado e por isso ser menos propícia ao voto de protesto.
9 comentários :
Faltou só especular um pouco mais nas consequências destas eleições para José Sócrates: de uma assentada, livrou-se em 6 meses de Carrilho e do clã Soares. Quanto a Alegre, se Levanta muito a voz, Sócrates antecipa o congresso e dizima-o. Ou seja, neste cenário maquiavélico, Sócrates acaba sem adversários.
PS: Mário Soares tem apenas 81 anos... os 86 seriam do segundo mandato.
Caro «Grão-Mestre Koba»,
eu não acredito que os políticos sejam tão maquiavélicos/oportunistas/calculistas como alguns comentadores imaginam. Eu até acredito no que li no «Público» de hoje: que houve unanimidade no Secretariado do PS no Domingo à tarde, no sentido de apoiar Alegre numa eventual segunda volta.
Ah, e obrigado pela chamada de atenção.
Viva,
"O primeiro instinto de um político quando no poder deve ser preservar esse mesmo poder. Sócrates, ou não quis auto-preservar-se (masoquismo?) ou não o soube fazer (incompetência?)."
Não concordo com esta frase! Se o objectivo é o poder pelo poder o legado é sempre muito mau. Sócrates tem instinto político e este deve estar-lhe a dizer que se não começa a governar já mexendo no que ninguém queria que se mexesse no Estado então o "país" não o vai perdoar daqui a tr~es anos e meio. A crise em que Portugal afundou-se não é nem de fácil resolução nem permite compassos de espera.
Mas é verdade que tem dado prioridade ao seu papel de Primeiro Ministro em detrimento do seu papel de Secretário Geral!
Quanto à restante análise estou de acordo com algumas pequenas nuances!
É um bom resumo político do que esteve em jogo!
Abraço,
Se o Secretariado do PS tivesse decidido apoiar o cavaco numa eventual segunda volta seria muito esquisito... por outro lado, se tivesse tomado a decisão de apoiar Alegre sem que houvesse unanimidade, ainda hoje os jornais andariam em busca dos que não tinham votado favoravelmente!
Ou seja: que alternativa tinha o PS após as primeiras projecções não oficiais???
Sinceramente, até acho que Sócrates queria que Soares ganhasse. Mas não evitou um suspiro de alívio quando viu que, sendo Alegre o 2º, tudo ficava resolvido à 1ª volta...
«Não concordo com esta frase! Se o objectivo é o poder pelo poder o legado é sempre muito mau.»
Ricardo,
o que eu queria dizer é que o primeiro *instinto* de um político no poder deve ser a preservação do poder. Questão de sobrevivência. Mas sobreviver não deve ser um objectivo em si, claro. Simplesmente, espantou-me a negligência (ou falta de mão no partido?) de Sócrates, em toda a questão presidencial.
Ricardo, não compreendo essa tua aversão ao BE; ainda há uns tempos qualificaste o BE, e bem, como "a ala radical da social-democracia"; agora defendes a emergência de uma "social-democracia de esquerda" que "trave o BE". Estás a contradizer-te, não podes atacar o BE por ser social-democrata e defender a social-democracia.
Pessoalmente acho que seria de todo interessante que o BE crescesse até aos 10 %, ou até que se juntasse a renovadores comunistas e alegristas do PS no sentido de fazer um grande partido social-democrata em vez desta máscara que é o PS de hoje.
Caro André Carapinha,
parece-me que estás a confundir uma constatação de facto com a expressão de um desejo. Eu limitei-me a constatar que, nestas eleições, Alegre travou o crescimento do BE e até o fez recuar ligeiramente. Se isso é bom ou mau, depende das trincheiras partidárias, e eu não tenho nenhuma. Mas considero-me um social-democrata de esquerda e por isso vejo com interesse quer a evolução do BE quer o facto de Manuel Alegre se ter «soltado» do PS.
Já disse várias vezes que acho que há um espaço (ideológico) vazio no centro da esquerda portuguesa, entre o PS e o PCP. Esse espaço tinha vindo a ser ocupado pelo BE, e agora conta com Alegre.
Se podem convergir numa única formação, como dizes, isso agora... (pigarreio).
"...mostrar que existe quem, na esquerda democrática, não morra de amores pela UE..."
Existe uma esquerda não democrática em Portugal?
Eu discordo, pode-se fazer associações ideológicas e revisionismos históricos mas na actualidade parece-me que os partidos portugueses de esquerda já cumprem as regras para poderem serem considerados democráticos.
Tenho de confessar que não gostei da campanha do Alegre, pareceu-me fraca de conteúdo, apesar de todo este movimento cívico é forçoso relembrar que isto começou com picardias pessoais.
Gostei que Alegre tenha concorrido contra Sócrates para a eleição de Secretário Geral, pareceu-me um sinal de que a esquerda estava presente no PS. Na campanha presidencial não bastava estar contra partidos, era necessário mostrar as diferenças e assim conquistar a esquerda e uni-la.
Pelo contrário vi uma campanha baseada numa imagem, muitas homenagens, hinos e actos de circunstância que pareciam apelar mais à direita do que à esquerda.
Desde já faço a ressalva de, ideologicamente, o meu pensamento estar mais próximo do PS de Alegre do que do PS de Sócrates, mas esta campanha desiludiu-me muito serviu mais os interesses de direita do que os do próprio Alegre.
Salgado Zenha, bracarense cabal
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