É da candidatura de Francisco Louçã que têm vindo os documentos teóricos mais bem esgalhados desta pré-campanha presidencial. A Agenda para a Igualdade não desmerece dos anteriores em clareza e concisão, e constitui, mais importantemente, um documento relevante para seguir a evolução ideológica do BE.
Todo o texto é atravessado pela tensão entre o princípio de «igualdade» e o valor da «diversidade»; ou seja, (indirectamente) entre a herança iluminista que vem do século 18 e os despojos da esquerda comunitarista pós-1968. (Sendo a novidade, evidentemente, a presença muito assumida da primeira.) É nítido que se tentou alcançar o equilíbrio entre os princípios referidos, o que se escancara em expressões como «garantir a igualdade e acarinhar a diversidade» ou «república defensora da igualdade e promotora da diversidade».
Subindo para a superfície das propostas concretas, a Agenda para a Igualdade fica porém mais próxima dos princípios republicanos do que dos valores comunitaristas: defende-se uma lei de nacionalidade fundada no direito de solo; exige-se o direito de voto baseado na residência (citando mesmo uma divisa da Revolução norte-americana, o que deve fazer corar de raiva os anti-anti-americanos mais primários); proclama-se a igualdade de tratamento das religiões; não se esquece a alteração da lei do aborto; finalmente, só no parágrafo sobre «orientação sexual» se mistura a defesa da igualdade no casamento com um «combate à homofobia» mal explicado, e a «acção positiva» (eufemismo de «discriminação positiva») só aparece no penúltimo parágrafo, com concretizações oscilando entre o inapelável (pessoas com deficiência) e o discutível (as «quotas» para mulheres na actividade políticas estão lá, embora de forma críptica).
Tudo somado, e pese contudo a mania (algo irritante) de navegar entre Sila e Caríbdis («a integração de pessoas oriundas de diferentes partes do mundo (...) não será conseguida optando entre os extremos do assimilacionismo “à francesa” ou do multiculturalismo e comunitarismo “à americana”»), e sendo o passado deste movimento um conjunto de estalinismos(*) com hífens diferenciados que se juntaram fazendo uma secante ao pós-modernismo, o BE (perdão, Francisco Louçã) põe-se como futuro, cada vez mais, ser a ala radical da social-democracia.
(*) Um leitor atento assinalou-me que o PSR e a FER não são «estalinistas», no que tem razão. Fica a correcção.
7 comentários :
Que "estalinismo" (com ou sem hifén) há no passado do PSR ou da FER?
Miguel Madeira,
é evidente que tens razão: nenhum.
Ora, ainda bem que o Miguel esclareceu logo a questão, Ricardo!
"o BE (perdão, Francisco Louçã) põe-se como futuro, cada vez mais, ser a ala radical da social-democracia."
Ainda bem que há mais um liberal que abre os olhos. Isto é evidente desde que o BE se formou. No BE encontram-se todas as correntes da esquerda alternativa ao compromisso com e a submissão ao Poder instituído (PS). Entre essas correntes encontra-se fortemente representada o Socialismo Libertário, ou Anarquismo, digamos que inimiga fidagal do Estalinismo (vide Guerra Civil Espanhola, onde uma parte substancial da derrota Republicana se deve ao facto da facção estalinista-comunista ter resolvido perseguir e dizimar em pleno conflicto os seus inicialmente aliados anarquistas - que tinham implantação históricamente importante por ex. na Catalunha). Esta corrente de Socialismo Libertário, fortemente representada no PSR e Política XXI, para a qual o indivíduo não pode nunca ser sacrificado perante o grupo, nunca aceitaria que o BE se tornasse numa réplica do PCP, típico representante do Comunismo/Comunitarismo (de que o Estalinismo se pode considerar uma forma extrema, apesar de duvidar que Estaline ou Mao tivessem qualquer interesse em defender os seus cidadãos, mas apenas a si próprios e à sua "clique") onde o que conta é o grupo, mesmo que para isso seja necessário sacrificar indivíduos.
Ora, o Socialismo Libertário não é mais do que uma forma radical de social-democracia, onde se tem como objectivo final a redistribuição de poder (político, económico e social) na sociedade, de modo a todo o indivíduo poder em liberdade maximizar todas as potencialidades com que nasceu. O objectivo primeiro e último do Socialismo Libertário é maximizar a liberdade (entendida como capacidade efectiva de ser, decidir e fazer) somada de todos os membros duma sociedade.
Pedro.
Em primeiro lugar, não me considero «liberal». Pelo menos, no sentido que a maioria das pessoas *hoje* atribui ao termo.
Em segundo lugar, desconheço a existência de uma corrente «Socialista Libertária» no BE, pelo menos de forma organizada. Que eu saiba, existe um grupo dominante (a confederação PSR/UDP/PXXI/FER) e um grupo minoritário (onde estão os «otelistas»), que apesar de tudo creio já ter chegado aos 20% numa Convenção.
Finalmente, penso que seria melhor distinguir o socialismo democrático do socialismo autoritário pela prioridade que o primeiro dá aos direitos cívicos, enquanto o segundo aceita colocá-los em suspenso em nome dos direitos sociais.
pedro,
se é libertário não pode ser partidário e almejar o poder. É uma contradição nos termos. Seria bom que essas pessoas se definisem de outra forma porque do ponto de vista anarquista o BE não é diferente de qualquer outro partido.
pessoalmente acho que essas pessoas que descreves com tendências libertárias são sacrificadas à primeira curva que aproxime o BE do poder. É a lógica básica de qualquer hierarquia.
panurgio
caro ricardo alves,
penso que seria mais correcto falar em socialismo autoritário e em socialismo libertário que são conceitos que se opõem integralmente. Mas claro, isto dentro de uma perspectiva crítica de democracia que a considera ainda demasiado autoritária para deixar de levar com esse rótulo.
poderia dizer que a democracia é o equivalente político ao agnosticismo na questão religiosa. um espécie de equilibrismo em cima do muro... :)
panúrgio
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