sexta-feira, 22 de julho de 2005

Este blogue fica suspenso...

...com a publicação deste artigo. Até ao final de Agosto, já será muito se conseguir ir colocando um artigo por semana, pois duvido que tenha disponibilidade para tanto.
Em jeito de balanço...
Desde o início, em Março, este blogue teve o seu melhor momento (refiro-me ao gozo pessoal do autor), na polémica sobre a lei francesa contra os símbolos religiosos ostentatórios, mantida em Junho com o Rui Fernandes do Leileteia (o que é feito desse blogue e do seu autor?). A outra polémica de nota, esta logo em Março, foi com o Vital Moreira, sobre a ausência da laicidade no Tratado Constitucional europeu.
Como evito restringir-me a ecoar as «actualidades» portugas (para isso existem os jornais e dezenas de outros blogues), e nem sempre há imaginação, tenho aqui transcrito, desavergonhada e abundantemente, artigos inteiros de laicistas militantes que admiro, como Henri Peña-Ruiz, Salman Rushdie, Ayaan Hirsi Ali, Polly Toynbee, Christopher Hitchens, Richard Dawkins ou Taslima Nasreen. As Revistas de imprensa (que não sei se aproveitam a alguém...) têm constituído outra «rubrica» frequente.
De resto, até agora os temas habituais foram: a laicidade, o «não» ao Tratado constitucional europeu, defesas da APF e da despenalização da IG, o combate aos fascismos lusitano e islâmico, e política de esquerda em geral, com algumas concessões aos meus impulsos mais rigoristas em dois artigos que a muita boa gente devem parecer extravagantes: «Soundbytes ou sound bites?» e «O politicamente correcto nunca existiu».
De qualquer modo, o Esquerda Republicana não terminará aqui, apesar de o número de leitores regulares (que deverá andar entre as duas e as três dezenas) ser pouco entusiasmante.
Entretanto, aconselho a leitura do Diário Ateísta (que não vai de férias).

Disparar a matar

A polícia britânica, com a sua civilidade lendária (na luta contra o IRA chegou a fabricar provas para deter suspeitos) abateu, com cinco tiros, um indivíduo asiático numa estação de metro de Londres.
Comentário: a degradação das relações entre a polícia e as pessoas de «minorias étnicas» (o que inclui qualquer cara mais escura do que o inglês «de cepa», e portanto os portugueses) está a agravar-se. Espera-se para ver qual foi o crime deste jovem: ou era bombista, ou carteirista, ou simplesmente destravado. Nos dois últimos casos, teremos crime policial. No primeiro, um dilema ético muito difícil. Em qualquer dos casos, a notícia não é boa.

quinta-feira, 21 de julho de 2005

Mais atentados em Londres, hoje

Registaram-se cerca de quatro explosões em Londres há cerca de duas horas (três em estações de metro e uma num autocarro). Ainda não é claro se haverá vítimas mortais, mas as bombas seriam mais artesanais do que há duas semanas (uma seria uma bomba de pregos e os detonadores terão explodido sem detonar as bombas). Um dos bombistas poderá ter sido capturado.
The Guardian Newsblog (Actualizações permanentes)
Nota: este blogue não é exclusivamente sobre terrorismo nem pretende cobrir todos os acontecimentos quotidianos.

sexta-feira, 15 de julho de 2005

O que fazer?

O que fazer face ao terrorismo islâmico?

A resposta à pergunta necessita de um esforço prévio de compreensão dos objectivos dos jihadistas, um exercício que constitui, para estalinistas de direita como Pacheco Pereira, nem mais nem menos do que uma «traição» (sic!). Mas quem não compreende aquilo que combate arrisca-se a errar o alvo...

Xavier Arzalluz (o líder histórico do Partido Nacionalista Basco) dizia, a propósito do terrorismo da ETA, que «uns abanam as àrvores e outros recolhem os frutos». Referi anteriormente que a Al-Qaida não se assumia como o braço armado de uma organização civil com a qual se pudesse negociar. Isto é só parte da verdade, pois a Al-Qaida partilha os seus objectivos e ideologia, genericamente, com a Irmandade Muçulmana, uma organização pela qual passaram muitos dos seus militantes. Portanto, teoricamente a Irmandade poderia fornecer interlocutores civis para uma negociação.

A primeira reivindicação dos terroristas poderia ser satisfeita: a retirada das tropas «ocidentais» do Iraque e restantes países muçulmanos. Evidentemente, tal não acontecerá, quer porque pareceria uma cedência ao terrorismo (e tanto a guerra do Afeganistão como a do Iraque foram feitas na presunção, errada, de que o terrorismo é derrotável através de guerras convencionais), quer porque há interesses petrolíferos a preservar e os regimes implantados no Iraque e no Afeganistão dificilmente sobreviverão sem apoio militar exterior. A prazo, a estratégia de confronto estado-unidense continuará a alimentar a Al-Qaida.

Seriam possíveis outras abordagens. Nomeadamente, isolar diplomaticamente os regimes teocráticos (Arábia Saudita, Estados do Golfo) e ajudar aqueles em que se registam progressos na direcção da democracia e da laicidade (aceitando a Turquia na UE e acenando a Marrocos com um estatuto de parceria, por exemplo). A dependência do petróleo impede que se efective a primeira parte desta estratégia, o que torna uma prioridade geopolítica encontrar alternativas energéticas ao petróleo.

Finalmente, o campo de acção onde se poderá avançar sem grandes constrangimentos é, obviamente, interno. É necessário induzir a criação de um islão reformado nos países europeus. Para o fazer, devem deixar-se de lado os fantasmas do «choque das civilizações» (a ideia, culturalista, de que os princípios democráticos e laicistas são «ocidentais» e intransmissíveis) e os complexos do multiculturalismo diferencialista (que afirma o mesmo, e que portanto justifica a diferença de direitos e o separatismo étnico nas cidades europeias). Estando os outros campos de acção bloqueados, a integração dos imigrantes, como cidadãos individuais que podem alterar o modo como vivem a sua religião ou mesmo abandoná-la, torna-se o processo mais eficaz de demonstrar que os muçulmanos podem viver em democracia.

Fascismo contra fascismo e limitações às liberdades

Um efeito secundário dos atentados de Londres perpetrados por fascistas islâmicos foi propiciar uma onda de ataques racistas contra imigrantes (nem sempre muçulmanos), e um crescendo da actividade dos fascistas britânicos. No espaço de uma semana, já se contaram vários ataques a mesquitas, incêndios criminosos em casas particulares e um assassinato.
O British National Party (BNP), um partido fascista, concorrerá amanhã a uma eleição autárquica em Barking (nordeste de Londres), local onde nas eleições legislativas de Maio teve 17% dos votos. O BNP produziu um panfleto com uma fotografia do autocarro que foi destruído por uma bomba e com a frase «Talvez agora seja altura de começar a dar ouvidos ao BNP».
Entretanto, continuam os ataques racistas contra portugueses na Irlanda do Norte.
Existem ingénuos que idolatram a Inglaterra como se fosse um modelo de liberdade e democracia. Estas notícias e a intenção de Tony Blair de registar todas as chamadas telefónicas e mensagens de correio electrónico no espaço da UE, assim como a lei britânica recentemente aprovada que criminaliza a blasfémia, deveriam fazê-los reflectir.

quinta-feira, 14 de julho de 2005

Sayid Qutb: a teorização do fascismo islâmico

Sayid Qutb é o teórico principal do fascismo islâmico contemporâneo. Nasceu no Egipto em 1906, foi professor e crítico literário no início da sua carreira e fez um mestrado no Colorado entre 1948 e 1950. Chocado tanto com a liberdade sexual como com a segregação racial que observara nos EUA, aderiu à Irmandade Muçulmana (que fora fundada em 1922 por Hasan Al-Bana) após regressar ao Egipto. Posteriormente, foi preso em 1954 por envolvimento numa tentativa de assassinar Nasser, e enforcado em 1966. Entretanto, escrevera na prisão as obras mais influentes nas correntes jihadistas actuais: Milestones e In the Shade of the Quran.
Transcrevo de seguida alguns excertos sgnificativos de Milestones.
  • «It is therefore necessary that Islam's theoretical foundation-belief-materialize in the form of an organized and active group from the very beginning. It is necessary that this group separate itself from the jahili society, becoming independent and distinct from the active and organized jahili society whose aim is to block Islam. The center of this new group should be a new leadership, the leadership which first came in the person of the Prophet-peace be on him- himself, and after him was delegated to those who strove for bringing people back to God's sovereignty, His authority and His laws. A person who bears witness that there is no deity except God and that Muhammad is God's Messenger should cut off his relationship of loyalty from the jahili society, which he has forsaken, and from jahili leadership, whether it be in the guise of priests, magicians or astrologers, or in the form of political, social or economic leadership, as was the case of the Quraish in the time of the Prophet-peace be on him. He will have to give his complete loyalty to the new Islamic movement and to the Muslim leadership.
  • Islam, then, is the only Divine way of life which brings out the noblest human characteristics, developing and using them for the construction of human society. Islam has remained unique in this respect to this day. Those who deviate from this system and want some other system, whether it be based on nationalism, color and race, class struggle, or similar corrupt theories, are truly enemies of mankind!
  • Islam provides a legal basis for the relationship of the Muslim community with other groups, as is clear from the quotation from Zad al-Mitad. This legal formulation is based on the principle that Islam - that is, submission to God-is a universal Message which the whole of mankind should accept or make peace with. No political system or material power should put hindrances in the way of preaching Islam. It should leave every individual free to accept or reject it, and if someone wants to accept it, it should not prevent him or fight against him. If someone does this, then it is the duty of Islam to fight him until either he is killed or until he declares his submission

O ponto central do pensamento de Qutb é que o único regime político legítimo é o Califado. Todos os outros regimes baseiam-se em leis feitas pelos homens e são, portanto, imperfeitos, injustos e ilegítimos. Teorizou sobre a necessidade de formar células militantes que ajudassem a restaurar o califado. Lendo as linhas acima, nota-se que o apelo à formação dessas unidades se aproxima, pelo ascetismo, de algumas «seitas». O termo Jahiliyyah referia-se originalmente ao estado de ignorância anterior ao Islão, mas Qutb aplicava-o às sociedades muçulmanas suas contemporâneas, o que significa que as considerava tão pervertidas que nem deveriam ser consideradas islâmicas.

Um dos irmãos de Sayd Qutb, Mohamad Qutb, foi professor de Estudos Islâmicos na Arábia Saudita, onde teve como aluno Al-Zawahiri, o braço direito de Bin Laden.

quarta-feira, 13 de julho de 2005

O bombismo suicida

Segundo as últimas notícias, os atentados de Londres foram cometidos por quatro bombistas suicidas, todos eles súbditos britânicos de origem paquistanesa com idades entre os 18 e os 30 anos. Aparentemente, nenhum tivera qualquer actividade extremista anteriormente.
Muitas pessoas, na direita religiosa e na esquerda multiculturalista, resistem a aceitar que a religião islâmica possa criar o enquadramento ideológico para o terrorismo e a motivação psicológica para o suicídio bombista.
Efectivamente, é verdade que a escolha da táctica (bombismo suicida) e dos alvos (países democráticos com tropas em «territórios ocupados») é partilhada quer por grupos islamistas (Al-Qaida, Jihad Islâmica) quer por grupos marxistas-leninistas (PKK do Curdistão, os Tigres Tamil do Sri Lanka). Em ambos os casos, o objectivo imediato será (divergindo agora do que afirmei anteriormente) impressionar as opiniões públicas dos países democráticos para que pressionem pela retirada das suas tropas. Esta linha de argumentação é desenvolvida por Robert Pape numa entrevista.
No entanto, afirmar que o factor religioso é pouco relevante, como faz Joana Amaral Dias num artigo do blogue Bichos Carpinteiros, é desvalorizar quer os objectivos finais quer as motivações individuais. Na entrevista de Robert Pape referida, pode também ler-se:
«Not every foreign occupation has produced suicide terrorism. Why do some and not others? Here is where religion matters, but not quite in the way most people think. In virtually every instance where an occupation has produced a suicide-terrorist campaign, there has been a religious difference between the occupier and the occupied community. That is true not only in places such as Lebanon and in Iraq today but also in Sri Lanka, where it is the Sinhala Buddhists who are having a dispute with the Hindu Tamils.
When there is a religious difference between the occupier and the occupied, that enables terrorist leaders to demonize the occupier in especially vicious ways. Now, that still requires the occupier to be there. Absent the presence of foreign troops, Osama bin Laden could make his arguments but there wouldn’t be much reality behind them

O arrastão nunca existiu

Dediquei já vários artigos neste blogue à inventona do arrastão. O Diário de Notícias de ontem trouxe um dossiê sobre o assunto. «O estranho caso do arrastão que morreu na praia» e «A memória futura do arrastão» são artigos que reflectem sobre as condições em que a imagem de primeira hora (a dos «500 marginais organizados») se intalou na opinião pública, e como mesmo o desmentido que a PSP fez nos dias seguintes não teve o mesmo destaque na comunicação social. Efectivamente, os media haviam cedido ao sensacionalismo, e o desmentido, sendo um anti-climax, não era mediaticamente aliciante. Eu acrescento outro factor importante na mistificação: a inventona confirmava preconceitos racistas de muita gente.
A polémica que tem causado o facto de Diana Andringa ter feito um documentário jornalístico e ser simultaneamente candidata do BE à Câmara Municipal da Amadora deveria ser de importância menor. O dossiê do DN inclui uma entrevista de Diana Andringa e outro artigo sobre as condições em que o documentário foi divulgado. A tentativa de descredibilizar o documentário porque o BE fez uma ligação para o documentário é ridícula. Entretanto, continuo à espera que algum canal de televisão, de preferência público, o transmita. Diana Andringa esteve bem como jornalista e cidadã.
Adenda: o blogue O céu sobre Lisboa transcreve excertos da entrevista do comandante da PSP.

terça-feira, 12 de julho de 2005

Revista de imprensa (12/7/2005)

  1. O grande livro do momento (na minha opinião pessoal) é «Collapse», de Jared Diamond. Trata-se de um estudo das razões para a decadência das sociedades humanas (os Maias, os habitantes da Ilha da Páscoa, os viquinges da Gronelândia, etc.). Como sabe quem leu «Guns, Germs and Steel», a especialidade de Diamond é a história comparada (a muito larga escala). A procura que faz das razões globais para a História ter acontecido como aconteceu em função de factores geográficos e ambientais é fascinante. «Guns, Germs and Steel», por exemplo, arruma com qualquer explicação racista do avanço tecnológico europeu. Jared Diamond deu uma entrevista que recomendo vivamente.
  2. Num artigo interessante, Timothy Garton Ash argumenta a favor de um G8 sem a Rússia mas com a Índia e o Brasil (o que seria um G9=G8-1+2). E ainda dois artigos sobre o futuro da democracia na Coreia do Sul e no Uganda.
  3. Adenda: um artigo (este, académico) sobre as razões do terrorismo suicida. O autor argumenta que as tácticas terroristas suicidas têm trazido resultados práticos. Factos: houve 188 ataques terroristas suicidas desde 1983; desses, 75 foram perpetrados pelos Tigres Tamil do Sri Lanka (que são hindus marxistas-leninistas); todas as campanhas de suicídios terroristas foram feitas contra Estados democráticos; os líderes dos grupos que usam esta táctica estão convencidos de que obterão concessões (e, na maior parte dos casos, conseguem-nas). A lógica parece ser, em todos os casos, provocar a retirada de forças armadas encaradas como «ocupantes».

P.S. Sim, é claro que ando a ler a Political Theory Daily Review.

segunda-feira, 11 de julho de 2005

Os objectivos da Al-Qaida

O que pretende a Al-Qaida?
  1. Derrubar os governos árabes «seculares» do Médio Oriente (e, secundariamente, de outros países muçulmanos) e substituí-los por formas de governo mais de acordo com a sua concepção, muito extremista, do Islão.
  2. Restaurar o califado, o governo com autoridade sobre todos os muçulmanos, interrompido desde a queda do Império Otomano.
  3. No limite, estender o califado a todo o planeta.

Os jihadistas concluíram, correctamente, que os regimes do Médio Oriente (e Israel) dependem em maior ou menor grau dos EUA e da Europa, e colocaram portanto como objectivos estratégicos de curto prazo a retirada das tropas estado-unidenses da península arábica, particularmente da Arábia Saudita (o que aconteceu na sequência da guerra do Iraque) e o fim de Israel (o que parece estupidamente irrealista). O passo seguinte seria a substituição das ditaduras apoiadas no exército (Síria, Egipto) ou das monarquias (Jordânia, Arábia Saudita, Estados do Golfo) por regimes islamistas. O regime dos talibã no Afeganistão permanece o melhor exemplo do tipo de regime pretendido. Deve notar-se que as motivações apresentadas são inteiramente religiosas (ler a «World Islamic Front Statement - Jihad Against Jews and Crusaders» de 1998) e que não há qualquer componente socio-económica nas reivindicações destes grupos. A esquerda europeia deveria portanto opôr-se ferozmente à ideologia islamista, que constitui hoje a pior ameaça para as liberdades individuais, para os direitos das mulheres e mesmo para o progresso material nos países de população muçulmana.

Alguns ingénuos repetem que o objectivo dos jihadistas seria «destruir as nossas liberdades e o nosso modo de vida». Na realidade, os extremistas islâmicos não têm capacidade para tal. Quando muito, poderão servir como pretexto para os nossos governos limitarem as liberdades, quer através de regimes de excepção (conforme proposto na Itália) quer controlando as interacções privadas (conforme proposto no Reino Unido). A possibilidade de as sociedades europeias serem envenenadas por ódios inter-étnicos agrava-se também a cada atentado. Os combates pela liberdade individual face ao Estado e pela integração dos imigrantes são portanto imperativos.

No entanto, são os países árabes que constituem o objectivo principal das acções jihadistas. O objectivo táctico imediato, presumivelmente, é impressionar as massas muçulmanas com atentados espectaculares, fazendo-as aceitar a sua liderança. Deste ponto de vista, esta estratégia tem-se revelado um fracasso. O apoio às suas acções restringe-se a grupos que representam a direita mais extrema dos países muçulmanos. A estratégia jihadista, apesar da ajuda prestada pelos EUA com a invasão do Iraque (que criou as condições políticas e sociológicas para aumentar o recrutamento, e as condições militares para atacar directamente soldados «ocidentais»), está cada vez mais longe de levar a um avanço espectacular do fascismo islâmico.

O irrealismo dos objectivos continuará a alimentar a brutalidade dos métodos.

Atentados de Londres: a segunda reivindicação é pouco credível

Houve um segundo grupo que reclamou como seus os atentados de Londres: as Brigadas Abu Hafs al-Masri. Esta segunda reivindicação parece pouco credível: este grupo já reclamou a autoria de um número enorme de atentados, e até de «apagões» sem origem terrorista. Além disso, não há qualquer indicação sobre os seus líderes e nem um único dos seus membros foi alguma vez preso. O atraso de 48 horas também retira credibilidade a este grupo obscuro.

sexta-feira, 8 de julho de 2005

IRA e Al-Qaida: diferenças

Os ataques terroristas do IRA são facilmente diferenciáveis dos ataques de ontem (em Londres), que presumivelmente foram da autoria de um grupo jihadista, comandado ou inspirado pela Al-Qaida.
O IRA atacava predominantemente alvos militares na Irlanda do Norte e, quando atacava na Inglaterra (nunca na Escócia nem no País de Gales...) escolhia membros das forças armadas ou do governo como alvos preferenciais. Efectuou efectivamente ataques a pubs e lojas, mas que raramente chegaram à dezena de vítimas.
Os atentados de ontem visaram exclusivamente alvos civis indiscriminados, foram programados para a hora de maior movimento e aconteceram simultaneamente em vários pontos (tudo à semelhança dos atentados de Madrid). O número de vítimas, à hora a que escrevo, anda pelas cinco dezenas.
Deve notar-se que o IRA dispunha de quantidades enormes de explosivos e de outro material militar (fornecido pela Líbia e pela OLP), o que lhe permitia organizar atentados com mais de uma tonelada de material explosivo, nos quais poderia facilmente ter matado centenas de pessoas. Aparentemente, a Al-Qaida não será apoiada por governo algum e, tanto em Madrid como em Londres, os operacionais parecem ter usado não muito mais de cinco quilogramas de explosivos transportados em mochilas.
O IRA era (e ainda é) uma estrutura centralizada, com uma liderança política clara e reconhecida, o Sinn Fein. A Al-Qaida não se assume como o braço armado de organização civil alguma com a qual se possa negociar e, apesar de existir um núcleo central (duas dezenas de pessoas?) parece ser uma estrutura em rede, em que o papel da liderança poderá ser «apenas» de treino, financiamento e aconselhamento.
Enquanto o objectivo do IRA era conseguir uma negociação (o que conseguiram), e nesse sentido aumentavam ou diminuiam o impacto das suas acções conforme o clima político, a violência jihadista parece gratuita e irracional, pelo menos na fase actual, que já dura há quase quatro anos. As acções do IRA, sem dúvida condenáveis, eram compreensíveis face aos objectivos pretendidos, que, embora permaneçam por se realizar na totalidade, eram realistas. Os objectivos conhecidos da Al-Qaida (a analisar num artigo futuro) são irrealistas, e a brutalidade dos métodos parece proporcional ao absurdo que constituem.

quinta-feira, 7 de julho de 2005

A outra atrocidade do dia

Não tenciono escrever sobre os atentados de Londres até a poeira assentar. Limitei-me a traduzir o comunicado (autêntico?) para o público fiel do Diário Ateísta.
Entretanto, no Iraque, foi executado pela Al-Qaeda (liderada localmente por Al-Zarqawi) o representante diplomático do Egipto. Também neste caso existe um comunicado, mas a linguagem é bastante mais próxima das ideias da Irmandade Muçulmana: acusa-se os dirigentes do Egipto de serem «infiéis e apóstatas», evoca-se a morte de Sayid Qutb (o verdadeiro ideólogo do jihadismo) e homenageiam-se os assassinos de Anwar Sadat.
Para compreender as motivações desta gente, há que ler o que dizem.

terça-feira, 5 de julho de 2005

O «politicamente correcto» nunca existiu

A direita portuguesa criou um dialecto do tipo novilíngua que ameaça tornar-se hegemónico. Neste dialecto, as palavras tomam o sentido contrário do seu significado original. Por exemplo, quando um usuário do dialecto afirma que o posicionamento político A ou B é «politicamente correcto», tal significa que está a criticá-lo por ser, na sua opinião, politicamente incorrecto. Coerentemente, quando os mesmos indivíduos se declaram «politicamente incorrectos», é porque pensam que são, do seu ponto de vista, politicamente correctos (chegado a este ponto, um cínico dirá que são invertidos). A trapalhada semântica agrava-se quando resolvem chamar «bem pensantes» àqueles que, na sua opinião, pensam mal. Espero com ansiedade o dia em que dêem o passo logicamente seguinte e passem a usar «mal pensado» como elogio...
Estas confusões paradoxais (mas divertidas) não teriam importância se não degradassem desnecessariamente a linguagem ao perverterem o significado original das palavras. Pessoalmente, fico sempre perplexo quando alguém é acusado de ser «politicamente correcto» («correcto» significa, segundo o dicionário, «irrepreensível; honesto; digno; apurado; emendado») e insultar alguém chamando-lhe «bem pensante» faz-me irresistivelmente reflectir no pouco esforço que quem assim insulta faz para exprimir-se e pensar bem (ou correctamente).
Curiosamente, a direita atribui a paternidade desta expressão tão sua querida («politicamente correcto»), à esquerda. Para se compreender porquê, é necessário remontar aos primórdios do seu uso.
Recordo-me de ver pela primeira vez a expressão «politicamente correcto» na revista do Expresso, sensivelmente a meio da década de 90 do século passado. Alegadamente, num país exótico do outro lado do Atlântico, existiria uma mania ideológica que consistiria em substituir expressões potencialmente insultuosas por outras que não o fossem. Até aqui, não consigo, ainda hoje, descortinar o que haveria de mal (ou de novo...), desde que essa substituição fosse inteiramente voluntária. Mas existem efectivamente alguns exemplos, quase todos de universidades norte-americanas, de imposição normativa de padrões de linguagem. No entanto, mesmo nos EUA a reacção tornou-se mais forte do que a acção, e qualquer busca no Google retorna esmagadoramente mais páginas contra o «politicamente correcto» (algumas bastante paranóicas: existe mesmo um livro que «prova» que o «plano original» do «politicamente correcto» foi concebido por Lenine, há mais de 80 anos!) do que a favor. É quase impossível encontrar alguém que defenda aquilo que é tão histericamente denunciado, o que leva a pensar que, mesmo nos EUA, o termo já denuncia outra coisa...
E no entanto, dos EUA a Portugal, a direita proclamou o dogma da existência de uma tentativa «totalitária» (mas sem exércitos nem polícia!) para asseptizar a linguagem, e começou a gritar histrionicamente contra, mesmo sendo este plano maquiavélico um fantasma.
Ora, em Portugal nunca existiu um esforço de organizações ou pessoas de esquerda, para alterar a linguagem, que justificasse a histeria da direita. Na realidade, o «politicamente correcto» nunca existiu em Portugal. (Quem não concorda comigo, fica desafiado a encontrar-me alguns textos em que se declare que esta ou aquela palavra é «politicamente incorrecta».) Este é um caso em que a caricatura não tem caricaturado, e portanto é ela própria caricaturável. O termo, porém, começou a ser usado pela direita para atacar qualquer política igualitária, e em seguida qualquer política de esquerda. A paternidade deste novilinguismo português é portanto direitista.
Numa evolução mais recente, espantosa e que creio ser exclusivamente portuguesa, «politicamente correcto» passou a ser sinónimo, no discurso jornalístico, de «politicamente cobarde», e o seu antónimo passou a sinónimo de «politicamente corajoso». Um exemplo espectacular da distorção final(?) é esta notícia, onde a intenção do jornalista seria (especulo eu...) dizer que a cimeira em causa foi politicamente sem novidades. O fenómeno ganhou uma vida própria e o simples adjectivo «correcto», mesmo quando precedido de outros advérbios, começa a ser sinónimo de cobardia: «mediaticamente correcto», por exemplo. É impossível prever onde irá parar esta degradação da língua portuguesa lançada e mantida pela direita.
Admirável novilíngua! Imagino que, dentro de alguns anos, os professores dirão aos alunos que «1+1=2» é «matematicamente incorrecto», que «distorsão» é «linguisticamente correcto» e que a coragem é «incorrecta». Será a vitória final do dialecto direitista!

segunda-feira, 4 de julho de 2005

Ainda a inventona do arrastão

O mito do «arrastão» que, no passado dia 10 de Junho, teria consistido em centenas de assaltos e agressões na praia de Carcavelos, já começara a ser desmontado. Após o documentário de Diana Andringa, exibido na quinta-feira passada (não fui ver) resta nada. Será que a RTP não quer prestar o serviço público que consistiria em exibir o documentário?

Revogar as autonomias

O meu amigo Carlos Esperança, num artigo do Ponte Europa, sugere que a solução para os desvarios económicos (e outros) de Alberto João Jardim na Madeira passa pela independência do território continental. (Existem outras pessoas indignadas.)
Discordo. Urge, isso sim, revogar a autonomia das Regiões Autónomas. Deveríamos limitarmo-nos a ter, como unidades políticas com órgãos eleitos, a República e os Municípios. A desigualdade de tratamento entre regiões tornou-se num gerador de desigualdades regionais. Em 1976, a Madeira e os Açores encontravam-se entre as regiões mais pobres de Portugal. Hoje, a Madeira fica logo a seguir à Região Metropolitana de Lisboa em riqueza. Graças ao trabalho dos madeirenses? Em parte, mas sobretudo devido às transferências do governo da República, que preterem regiões mais pobres como o Alentejo, Trás-os-Montes ou a Beira Interior.
As autonomias permitiram, em 30 anos, tirar da pobreza os arquipélagos atlânticos. Hoje, ajudam a manter na pobreza grande parte do continente. O ciclo das autonomias pode e deve terminar.

Tribunal Supremo dos EUA: O´Connor renuncia...

«Justice Sandra Day O'Connor's resignation is likely to have a dramatic effect on the future direction of the Supreme Court and her replacement must be a strong supporter of the Bill of Rights, according to Americans United for Separation of Church and State.
"Justice O'Connor was a key swing vote on church and state and many other social issues," said the Rev. Barry W. Lynn, Americans United executive director. "We must insist that President Bush replace her with a nominee who respects individual freedom.
"O'Connor was a conservative," Lynn continued, "but she saw the complexity of church-state issues and tried to choose a course that respected the country's religious diversity. Her resignation potentially opens the door to the greatest change in the court's direction in modern history."
Lynn noted that O'Connor's support for separation of church and state was not consistent. She ruled against government-sponsored religion in public schools but supported tax subsidies to private religious schools through vouchers and other forms of aid. Most recently, she opposed government display of the Ten Commandments in a pair of decisions handed down earlier this week.
O'Connor was a strong supporter of free exercise of religion and opposed efforts to give the government increased power to curb religious practices.
Lynn said Bush should avoid selecting an extreme nominee who will unleash a bitterly divisive battle over his or her confirmation.
Said Lynn, "The best way to make sure this process works is for the president to seek the advice of Senators from both parties and select a mainstream nominee who can achieve broad, bi-partisan support, just as presidents from both parties have done in the past.
"During the 2000 election, President Bush said he admires justices like Antonin Scalia," Lynn said. "Putting another Scalia on the high court would be a mistake. It would only escalate already divisive 'culture war' issues and spark a string of decisions that could fragment Americans along religious lines."
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sexta-feira, 1 de julho de 2005

Taslima Nasreen: «No progress without a secular society»

«Every day, women continue to be victims of rape, trafficking, acid-throwing, dowry deaths and other kinds of torture. At the opening of this new century, women are still not considered as equal human beings in many parts of the world. Religion and patriarchy continue to have an all-encroaching hold on their lives, maintaining and justifying their age-old oppression. In some South Asian societies, this hold is even increasing.
I do not believe that there can be real equality in a society dominated by religion. Western countries speak repeatedly about the necessity of economic development to alleviate poverty. But this is not enough. Societies such as Saudi Arabia may be economically developed, but women are deprived of all rights. The supremacy of religion is incompatible with freedom of expression, women’s rights and democracy. This is why I see religion as the main enemy of women’s development.
We have to act on several fronts at once. First of all, improving access to education. In a society like Bangladesh, 80 per cent of women are illiterate. For centuries women have been taught they are the slaves of men. It is very hard to change their minds, to make them aware of their oppression, to give them a sense of their independence. This educational effort has to go hand in hand with a secular feminist movement in society. Such movements have to start within the country and they cannot take hold when people are uneducated and unaware of their oppression. I’m not sure you can accomplish much from the outside, except to expose in the media the atrocities women in all too many countries face in their day to day lives.
In Muslim countries, this movement is emerging, but very timidly, and it has a slim margin of maneuver. It has the uphill task of fighting for the repeal of religious laws and the introduction of a uniform civil code. So far, it tends to be constituted by a few individual feminists who are forced to be diplomatic, to compromise with fundamentalists, be they men or women. But they are trying to change the system, step by step, and it will take a very long time. People are not yet ready to do away with religious laws that impact upon every aspect of society, from education and health to the workplace and the home.
For women’s status to change, we also need enlightened leaders who believe in equality. In countries such as mine, women with a strong voice do not have the support of political leaders, whether they be men or women. Look at the countries in which women are in politics, or even heads of state. Does it follow that women in those countries are emancipated? Because of long-standing vested interests, such leaders continue to back measures that oppress women. They are not ideologically committed to changing these conditions. In South Asia, most of the women who become heads of state are religious, and like men, they adhere to the religious objectives of the Establishment. I am the victim of a country where the prime minister is a woman. Because I went one step too far in denouncing religion and the oppression that it keeps women under, I had to leave my country.
I have seen women oppose me when I talked about women’s rights. They said straight out that God did not believe that women should have so many rights. And I have met men in my country who are against what is said in the religious scriptures and believe in equality between men and women. It does not depend on gender. It depends on one’s conscience. Muslim women who are wearing the veil and glorifying their subservience are obviously not going to better the lives of the oppressed.
Until a society is not based on religion and women are considered equal to men before the law, I do not think that politics will advance the cause of women. In Western countries, women are educated, they are treated equally, they have access to jobs. In these conditions, their participation in politics has a meaning. Education, a secular feminist movement, and leaders–both men and women–committed to equality and justice. This is what it will take to change the dire conditions which too many women still face today. It will take a very long time, but we are here to work towards that end.»

Revista de imprensa (1/7/2005)

  1. Na Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman só escreveu, o mês passado, sobre a desilusão que é o governo do PT. No desespero de ser eleito, Lula aproximou-se tanto do centro que abandonou todas as veleidades de reforma social. Quem alimentava sonhos de ver o Brasil constituir uma alternativa global ao consenso neoliberal que se tornou hegemónico desde Tatcher e Reagan, terá que procurar alhures. (Artigos: 2/6/2005, 16/6/2005, 30/6/2005.)
  2. O Tratado de Ateologia de Michel Onfray já está traduzido no Brasil (que inveja...), e este filósofo ateísta deu uma entrevista em que aborda o «renascimento da religião» da seguinte forma: «o desaparecimento do marxismo como ideologia que poderia resolver todos os problemas deixou um grande vazio. Ninguém mais acredita nas soluções políticas. O liberalismo que tomou conta do planeta e gera uma pobreza crescente dos mais pobres, ao mesmo tempo que gera o enriquecimento permanente dos mais ricos, produz angústia, medo, temor, sofrimentos e dores aqui na Terra».
  3. Numa entrevista, Chico Buarque define-se como «um democrata que ainda crê na possibilidade de um socialismo democrático (...) sou ateu» e fala dos livros, da ditadura e da família.
  4. Está disponível o número de Junho/Julho da Free Inquiry, com artigos sobre o Irão e sobre B16.
  5. E, depois do artigo de Polly Toynbee, mais uma reflexão muito documentada sobre a liberdade de expressão no Reino Unido.
  6. E ainda a descrição (feita por Michael Shermer) da «Conferência Mundial sobre a Evolução», que se realizou nas ilhas Galápagos entre 8 e 12 de Junho de 2005.

Boas leituras!

Bingo!

A minha capacidade para prever o futuro foi, uma vez mais, comprovada. Na sexta-feira passada, chegara à conclusão de que Mário Soares seria o candidato ganhador lógico da esquerda para a eleição de Janeiro de 2006. Ora, o jornal A Capital, na sua edição de hoje, noticia que o PS está a considerar lançar Mário Soares como candidato à Presidência da República.
Declaro, para que não haja confusões, que não usei a astrologia, não consultei os orixás nem estripei nenhum animal de sangue quente. Foi tudo obra da Razão.