quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

«Por dentro do Chega» (Miguel Carvalho, 2025)

Este livro cumpre o que promete: leva-nos numa viagem ao interior do CHEGA, essencialmente guiada pelos dissidentes do partido. Conta-nos como o partido tem origem na gigantesca ambição de notoriedade de André Ventura, e num caldo de cultura que vai dos fascistas tradicionais ao comentariado do futebol, passando pelos evangélicos e por católicos fundamentalistas (infelizmente, não aborda as ligações aos grupos da missa em latim). Relata as irregularidades, aldrabices e crimes já mais ou menos conhecidos, das assinaturas falsificadas na legalização à criação massiva de perfis falsos nas redes sociais, passando pela convocação de congressos ao arrepio dos estatutos, pelo uso de programas de espionagem para entrar nos perfis de redes sociais de militantes do partido, e por encenações de agressões contra Ventura.

Há dois sentimentos que o livro provoca facilmente pelas pessoas envolvidas: o nojo e a pena. Nojo porque o lema interno do CH parece ser «tudo de mau que os outros partidos fazem, nós faremos pior» (cunhas, nepotismo, ameaças físicas a militantes, zero filtros sobre o nazismo ou o cadastro de novos militantes, despesas pessoais com o cartão bancário do partido, instrumentalização de pessoas, propostas políticas impossíveis de cumprir); pena porque o CH consegue captar o Portugal mais pobre e excluído, que não consegue subir o seu nível de vida e encontrou ali o veículo que promete resolver as suas frustrações restaurando a hierarquia «natural» entre homens e mulheres, entre brancos e ciganos, entre heteros e homos.

Fica claro o génio de Ventura, da capacidade de comunicar e criar uma ligação com as pessoas comuns à provocação, eficaz para disputar o espaço público mas geralmente inconsequente.

Fica também o mistério, que vamos resolver nos próximos anos, de saber se o futuro do CH será a implosão pela experiência do poder, ou antes disso pelos excessos em que o partido está viciado, ou ainda se se tornará um partido mais institucional (o desfecho que me parece menos provável).

Finalmente: a esquerda que quer recuperar os votos perdidos para a extrema direita deveria reflectir sobre (pelo menos) três aspetos.

Primeiro, se há realmente algo a ganhar com algumas causas identitárias (tão propensas a exageros e tiques de superioridade moral), que mobilizam minorias e alienam maiorias. Não me alargo neste ponto por já o ter feito noutras ocasiões.

Segundo, se face ao ataque ao Islão e à defesa do cristianismo pela extrema direita, vale realmente a pena responder reflexivamente com o exacto contrário. Não seria melhor defender a igualdade de tratamento de todas as comunidades religiosas, ou seja, a laicidade? (Eu sei que é a minha colherada habitual, mas tornou-se mais premente do que nunca.)

Terceiro, o que tem realmente a esquerda para dizer aos trabalhadores sem qualificações e aos pequenos comerciantes que constituem boa parte do voto de protesto no CH. Bandeiras como a semana de quatro dias fazem zero sentido para captar o voto de quem trabalha sete dias por semana sem contrato e não vê a sua vida progredir. Farão sentido, claro, para a elite urbana que tem emprego com contrato ou até carreiras estruturadas. A esquerda já não tem propostas para os deserdados da Terra?