Uma grande parte da esquerda portuguesa à esquerda do PS deseja a «Brexit». Simplificando, o argumento é que a União Europeia não merece ser defendida, e que da saída do Reino Unido só poderá resultar algo de bom.
Pois convém notar que o voto pela saída do Reino Unido será um voto por uma «saída pela direita»: motivada pela rejeição dos imigrantes e dos refugiados, contra a solidariedade económica com a Europa do Sul, contra a existência de instâncias judiciais a nível europeu. Na sexta-feira, e a vencer a saída, a cultura política num dos países chave da cultura política europeia ficará mais à direita do que esteve com Thatcher - e o governo será entregue a Johnson e Farage. Pior, não me parece que as instituições da União Europeia, a aceitarem sem pestanejar a saída de um dos maiores países europeus (o que não é certo), tirem a conclusão de que a União Europeia foi monetarista demais ou insuficientemente solidária. É mais provável que tirem a conclusão contrária, e em particular que a liberdade de circulação deve ser restringida. Haverá menos espaço para uma política progressista e cosmopolita na Europa, dentro ou fora da UE.
Convém considerar também as consequências para Portugal de uma saída do Reino Unido da União Europeia: vivem nos territórios britânicos uns 150 mil emigrantes portugueses. Não serão com certeza todos forçados a voltar imediatamente, mas se existir um efeito dominó com a saída de outros países europeus de Schengen e/ou uma radicalização à direita na França ou noutros países, poderemos estar a olhar para uma nova vaga de retornados.
Nos anos 30, a esquerda marxista não quis, em muitos casos, defender a democracia realmente existente (dita «burguesa»). Arrependeram-se. E afinal a história pode repetir-se: a alternativa à União Europeia pode bem ser a barbárie. Cuidado com o que se deseja.
Nos anos 30, a esquerda marxista não quis, em muitos casos, defender a democracia realmente existente (dita «burguesa»). Arrependeram-se. E afinal a história pode repetir-se: a alternativa à União Europeia pode bem ser a barbárie. Cuidado com o que se deseja.
5 comentários :
Cuidado com o que se deseja e com quem são os nossos companheiros de viagem... Tem toda a razão, Ricardo. Mas quando olho para o cinismo e o sarcasmo com que a Esquerda à esquerda do PS olha para o projeto europeu, pergunto-me se não desejam secretamente que rebente tudo. Mesmo uma saída do Euro, que seria na minha opinião desejável, não pode ser discutida de ânimo leve, porque a acontecer de forma desordenada iria provocar hiper-inflação e derreter as poupanças da classe média, o sustentáculo da Democracia. Como diz, já vimos bem o que isto deu nos anos 30...
Eu não desejo nada uma saída do Reino Unido, e desejo que votem para ficar.
Dito isto, consigo encontrar, apesar de tudo, algumas razões especulativas para optimismo. O Reino Unido foi, dentro da UE, um dos maiores obstáculos a uma maior coesão, um maior respeito pelo princípio da solidariedade, uma maior agilidade nos processos de decisão, e até à criação de uma "cultura europeia" de respeito e apreciação mútuos. Se as consequências de uma saída forem muito prejudiciais para o Reino Unido (começando pela desagregação, e adesão de países agora independentes como a Escócia à UE), isso pode levar uma nova fase de aprofundamento e democratização da UE.
Note-se que não estou a dizer que estas sejam consequências previsíveis. Apenas que são possíveis, e que pensar nessas possibilidades será o meu "prémio de consolação" caso receba as más notícias de uma vitória do sim à saída no referendo.
Essas consequências são possíveis, mas não seriam a curto prazo. O RU terá dois anos para sair, a Escócia teria um ano para fazer outro referendo, outro ano para sair, e sabe-se lá quantos para reentrar na UE.
O meu ponto é mesmo esse: o desejo secreto de rebentar com tudo é uma «pulsão de morte».
E quem nos diz que um Parlamento de Westminster controlado por populistas de Direita iria conceder à Escócia o seu referendo? No final, os escoceses poderiam optar pela via catalã, mas não sem que isso causasse ainda mais confusão e sofrimento à classe baixa britânica que já foi atingida que chegue pela austeridade. Gosto mesmo muito do RU, apesar do snobismo bife, e não só não gostaria que saísse da UE, como não gostaria que se desfizesse, mesmo considerando a ideia de ver a pátria de Adam Smith e David Hume transformada numa República como francamente excelente...
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