Tal como eu, inúmeros portugueses estão a seguir com enorme atenção as eleições primárias norte-americanas.
Do lado dos Republicanos, a postura, atitude, discurso e acções de Donald Trump explicam muita da atenção que tem sido dispensada. Do lado dos Democratas a razão é mais inspiradora: Bernie Sanders é um líder fora de série - corajoso, genuíno, íntegro, e com propostas verdadeiramente transformadoras, tem cativado não apenas os jovens americanos, mas também os progressistas em todo o mundo.
Acontece que Bernie Sanders enfrenta uma batalha difícil. O "establishment" do partido democrata não simpatiza com a sua independência, e colocou-se quase completamente do lado de Hillary Clinton. Como a integridade de Sanders limita o acesso a financiamento para a sua campanha, é extraordinário que tenha tido os resultados que tem tido, e mesmo que a sua vitória nas eleições primárias seja improvável, não é certamente uma expectativa irrealista ou absurda. É possível que Sanders saia vitorioso neste processo, e desejo ardentemente que isso aconteça.
No partido Democrata o candidato do partido é decidido em convenção, e o processo de primárias permite determinar a escolha dos "delegados sob juramento" (pledge delegates) que constituem cerca de 80% dos delegados que votarão na convenção. Neste momento Sanders conta com 1099 delegados e Clinton com 1305 delegados. Com 1647 delegados por apurar, não é impossível superar esta diferença.
No entanto, existem 712 delegados cujo voto não é determinado pelo processo de primárias - eles representam o "establishment" do partido democrata e podem votar livremente na convenção. Sem grande surpresa a esmagadora maioria dos super-delegados que já fizeram declarações de voto, pronunciaram-se a favor de Hillary Clinton (469 vs 31). Se os super-delegados não alterarem suas intenções expressas, Bernie Sanders não terá qualquer hipótese de ser o nomeado.
Em resposta a esta situação, tenho visto muitos portugueses indignados com este sistema, e o défice democrático que implica. «Como é possível que 20% dos delegados não sejam determinados pelos eleitores mas sim pelas elites partidárias? É uma pouca vergonha, um escândalo!» Vejo muitas pessoas revoltadas com a ideia de um directório partidário poder calar um movimento popular como aquele que é liderado por Bernie Sanders, em favor do status quo, violando a Democracia que queremos ver nos partidos. Sobre essa reacção, tenho duas observações a fazer.
A primeira é que existem boas razões para acreditar que os super-delegados «não se atreverão» a alterar o resultado da votação: quem quer que consiga a maioria dos delegados «sob juramento» vai conduzir à alteração do sentido de voto dos super-delegados suficientes para que as bases do partido democrata não se sintam ultrajadas com aquilo que poderiam considerar «uma eleição roubada». Na verdade, existem vários precedentes nesse sentido, sendo o mais recente o do confronto entre Hillary e Obama, onde vários super-delegados trocaram o sentido de voto declarado perante as crescentes evidências da popularidade de Obama.
A segunda prende-se com o panorama político português. A esmagadora maioria das pessoas indignadas com estes «20% de democracia a menos» parece desconhecer a realidade nacional. Em Portugal, com excepção do LIVRE, nenhum partido faz primárias. Todos os partidos portugueses estão organizados de acordo com o sistema «100% super-delegados»: o «establishment» do partido escolhe o candidato, e os militantes/simpatizantes/eleitores não têm nenhuma palavra a dizer até à eleição «geral».
Ao contrário do partido democrata, o LIVRE não tem super-delegados - os votantes escolhem os seus candidatos sem distorções, e um «Bernie Sanders» não seria travado pelas «elites» do partido, já que estas estão despidas desse poder. Ao contrário do partido democrata, os restantes partidos portugueses não têm nada análogo a delegados «sob juramento»: um Bernie Sanders nunca teria qualquer hipótese porque os «directórios partidários» limitar-se-iam a não o escolher.
O escândalo com estes «20% de Democracia a menos» parece-me mesmo muito saudável: é a manifestação de um «instinto democrata» que encaro como positivo. Mas é de lamentar a inconsistência: onde está a mesma exigência para com os partidos nacionais com «100% de Democracia a menos»?
Do lado dos Republicanos, a postura, atitude, discurso e acções de Donald Trump explicam muita da atenção que tem sido dispensada. Do lado dos Democratas a razão é mais inspiradora: Bernie Sanders é um líder fora de série - corajoso, genuíno, íntegro, e com propostas verdadeiramente transformadoras, tem cativado não apenas os jovens americanos, mas também os progressistas em todo o mundo.
Acontece que Bernie Sanders enfrenta uma batalha difícil. O "establishment" do partido democrata não simpatiza com a sua independência, e colocou-se quase completamente do lado de Hillary Clinton. Como a integridade de Sanders limita o acesso a financiamento para a sua campanha, é extraordinário que tenha tido os resultados que tem tido, e mesmo que a sua vitória nas eleições primárias seja improvável, não é certamente uma expectativa irrealista ou absurda. É possível que Sanders saia vitorioso neste processo, e desejo ardentemente que isso aconteça.
No partido Democrata o candidato do partido é decidido em convenção, e o processo de primárias permite determinar a escolha dos "delegados sob juramento" (pledge delegates) que constituem cerca de 80% dos delegados que votarão na convenção. Neste momento Sanders conta com 1099 delegados e Clinton com 1305 delegados. Com 1647 delegados por apurar, não é impossível superar esta diferença.
No entanto, existem 712 delegados cujo voto não é determinado pelo processo de primárias - eles representam o "establishment" do partido democrata e podem votar livremente na convenção. Sem grande surpresa a esmagadora maioria dos super-delegados que já fizeram declarações de voto, pronunciaram-se a favor de Hillary Clinton (469 vs 31). Se os super-delegados não alterarem suas intenções expressas, Bernie Sanders não terá qualquer hipótese de ser o nomeado.
Em resposta a esta situação, tenho visto muitos portugueses indignados com este sistema, e o défice democrático que implica. «Como é possível que 20% dos delegados não sejam determinados pelos eleitores mas sim pelas elites partidárias? É uma pouca vergonha, um escândalo!» Vejo muitas pessoas revoltadas com a ideia de um directório partidário poder calar um movimento popular como aquele que é liderado por Bernie Sanders, em favor do status quo, violando a Democracia que queremos ver nos partidos. Sobre essa reacção, tenho duas observações a fazer.
A primeira é que existem boas razões para acreditar que os super-delegados «não se atreverão» a alterar o resultado da votação: quem quer que consiga a maioria dos delegados «sob juramento» vai conduzir à alteração do sentido de voto dos super-delegados suficientes para que as bases do partido democrata não se sintam ultrajadas com aquilo que poderiam considerar «uma eleição roubada». Na verdade, existem vários precedentes nesse sentido, sendo o mais recente o do confronto entre Hillary e Obama, onde vários super-delegados trocaram o sentido de voto declarado perante as crescentes evidências da popularidade de Obama.
A segunda prende-se com o panorama político português. A esmagadora maioria das pessoas indignadas com estes «20% de democracia a menos» parece desconhecer a realidade nacional. Em Portugal, com excepção do LIVRE, nenhum partido faz primárias. Todos os partidos portugueses estão organizados de acordo com o sistema «100% super-delegados»: o «establishment» do partido escolhe o candidato, e os militantes/simpatizantes/eleitores não têm nenhuma palavra a dizer até à eleição «geral».
Ao contrário do partido democrata, o LIVRE não tem super-delegados - os votantes escolhem os seus candidatos sem distorções, e um «Bernie Sanders» não seria travado pelas «elites» do partido, já que estas estão despidas desse poder. Ao contrário do partido democrata, os restantes partidos portugueses não têm nada análogo a delegados «sob juramento»: um Bernie Sanders nunca teria qualquer hipótese porque os «directórios partidários» limitar-se-iam a não o escolher.
O escândalo com estes «20% de Democracia a menos» parece-me mesmo muito saudável: é a manifestação de um «instinto democrata» que encaro como positivo. Mas é de lamentar a inconsistência: onde está a mesma exigência para com os partidos nacionais com «100% de Democracia a menos»?
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