quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Feminismo e anti-sexismo

Quem acredita que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos, as mesmas oportunidades, o mesmo valor, quem está contra as imposições sociais impostas pelos papeis de género, e ainda mais contra qualquer lei que não seja cega perante o género e o sexo de cada cidadão é anti-sexista.

Quem acredita que as mulheres têm menos direitos e oportunidades do que deviam ter é feminista.

As definições não são iguais, mas têm uma relação profunda. Numa sociedade onde as mulheres são descriminadas ou injustiçadas das mais variadas formas (muito mais do que os homens), quem tenha a lucidez de compreender essa realidade só é anti-sexista se for feminista. Numa sociedade que injustiça as mulheres, querer mais justiça e igualdade de oportunidades implica querer aumentar os direitos e oportunidades das mulheres.




E se é verdade que a implicação inversa não é necessariamente verdadeira, é fácil constatar que a esmagadora maioria das/dos feministas são-no por serem antes de mais anti-sexistas. Só uma ínfima minoria de feministas não é anti-sexista.



Por outro lado, é possível ser-se anti-sexista sem ser feminista, mas isso exige um enorme grau de desconhecimento da realidade: uma imagem muito distorcida/equivocada a respeito da sociedade actual. Já tomei contacto com pessoas nesta categoria: dizem-se anti-sexistas e afirmam querer um mundo justo onde os homens não são privilegiados -  e eu acredito nelas - mas não se consideram feministas pois não consideram que as mulheres sejam significativamente mais injustiçadas/prejudicadas que os homens no contexto em que vivemos. Nalguns casos reconhecem algumas injustiças para com as mulheres, mas contrapõem outras injustiças sexistas para com os homens (por exemplo, em relação à custódia dos filhos) e alegam que as injustiças num sentido e noutro têm uma importância e gravidade semelhante, ou resultam apenas das escolhas livres feitas pelas mulheres.



Importa pois desfazer este profundo equívoco. Independentemente de pequenos rituais de etiqueta para os quais pode existir uma pressão social mais forte ou mais fraca consoante o contexto, ou algumas situações extremas (e raras) onde as diferentes expectativas sociais podem ser mais ou menos favoráveis a um sexo/género que outro, devemos centrar a discussão sobre a desigualdade naqueles aspectos que determinam grande parte dos recursos (em tempo e dinheiro) da esmagadora maioria da população: as tarefas domésticas e os ordenados.

Sobre a primeira questão, os dados são claros (para Portugal: 17h de diferença; para vários países da União Europeia: cerca de 14h de diferença; para os EUA: cerca de 10h de diferença) - em média as mulheres passam muito mais horas que os homens a realizar trabalho doméstico. A discrepância é elevada o suficiente para que não a possamos atribuir exclusivamente a alegadas diferenças relativas a gostos ou preferências. Os indícios a respeito de uma pressão social inescapável e consequente são significativamente claros. Não posso deixar de destacar que estes são valores médios, e que existirão casos onde a discrepância será muito superior a esta. Vale a pena também destacar que os valores apresentados correspondem à carga semanal - cerca de 750h anuais é algo com um impacto tremendo na vida de qualquer um.

Já no que diz respeito aos salários, sabe-se que existem disparidades salariais significativas (na UE podem oscilar entre os 3.2% na Eslovénia, 13% em Portugal ou 29.9% na Estónia, para uma média geral de 16.3%; nos EUA rondam os 22%), e mesmo que algumas delas possam ser atribuíveis a diferentes escolhas pessoais ou características físicas, é bastante clara a existência de uma discriminação sexista que não dá as mesmas oportunidades a todos.
A este respeito não posso deixar de falar de três estudos elucidativos (entre muitos outros):


Perante o conhecimento destes factos (e muitos outros), qualquer indivíduo que mantenha a convicção de que não existe um desequilíbrio na nossa sociedade que desfavorece as mulheres ao nível dos direitos e oportunidades está simplesmente em negação. Se continua sem ser feminista, não é certamente anti-sexista.

Post também publicado no Espaço Àgora.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Os irmãos Koch

Alguns filmes americanos mais populares exasperam-me com o seu maniqueísmo infantil. Em particular, alguns vilões destes filmes são personagens bidimensionais, sem qualquer grau de ambiguidade/complexidade, com um passado negro, um aspecto físico que reflecte a sua falta de empatia ou crueldade, e uma falta de escrúpulos caricaturesca.

A realidade, bem mais rica, tem de tudo. Se a esmagadora maioria dos indivíduos está muito distante desta caracterização, existem alguns que constantemente me recordam os "vilões de Hollywood". Os casos mais flagrantes de que me recordo são o criminoso de guerra Dick Cheney, e Bento XVI, envolvido no encobrimento dos escândalos de abuso de menores, entre outras questões.

Outros, menos conhecidos, são os sinistros irmãos Koch. A sua fortuna tem origem também na colaboração com os regimes nazi e a repressão estalinista, e é hoje usada para destruir a democracia nos EUA (correspondendo à origem de uma fatia significativa das contribuições de campanha que transformam o regime norte-americano numa oligarquia), enquanto promovem na cultura popular mentiras em relação às alterações climáticas e à economia, tentando até corromper o mundo académico e destruir o empreendimento científico.

A este respeito, não posso deixar de partilhar este vídeo, que foca também alguns aspectos mais pessoais e igualmente escabrosos:



Post também publicado no Espaço Àgora.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

A quinta coluna portuguesa (na feliz expressão de Ana Sá Lopes)

Esboço do Orçamento do Estado - Diário de um sobrevivente

Esboço do Orçamento do Estado - Diário de um sobreviventeDedicado a todos os jornalistas e comentadores que pereceram nesta tragédia sem sentido.

Publicado por Portugal Não Pode Mais em Sexta-feira, 5 de Fevereiro de 2016

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Abstenção: a oficial e a real

Irrita-me bastante a conversa dos media sobre a «subida da taxa de abstenção» - que se repete a cada eleição - e ainda mais as consequentes dissertações do comentariado mediático sobre o «desinteresse dos cidadãos pela política», e as conclusões do género «metade dos cidadãos não votaram».

No gráfico abaixo, pode verificar-se como o número absoluto de votantes nem tem descido dramaticamente nas eleições presidenciais, enquanto (pelo contrário) quer o número de adultos (residentes em Portugal) quer o número de recenseados têm subido.

As taxas de abstenção oficiais usam a curva de cima (a dos recenseados) como denominador da curva de baixo (a dos votantes). Acontece que o número de recenseados está fortemente exagerado: para começo de conversa, não há 9,4 milhões de adultos em Portugal. A curva intermédia («adultos») refere-se à evolução dos adultos residentes em Portugal (maiores de 18 anos com os imigrantes subtraídos). Como se pode verificar, as duas curvas começaram a divergir muito desde 1980. A divergência só se atenuou na viragem do século, quando houve uma limpeza dos cadernos eleitorais.

O resultado, como se pode verificar neste segundo gráfico, é que a taxa de abstenção real é certamente inferior à taxa de abstenção oficial. Em 2016, terá sido de 44% para o território nacional (e não 50%), em 2011 de 45% (e não 52,5%) e em 2006 de 32% (e não 37%).

De qualquer modo, é indubitável que o abstencionismo tem aumentado. Mas esse aumento não é tão dramático como os números oficiais indicam.