Quem acredita que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos, as mesmas oportunidades, o mesmo valor, quem está contra as imposições sociais impostas pelos papeis de género, e ainda mais contra qualquer lei que não seja cega perante o género e o sexo de cada cidadão é anti-sexista.
Quem acredita que as mulheres têm menos direitos e oportunidades do que deviam ter é feminista.
As definições não são iguais, mas têm uma relação profunda. Numa sociedade onde as mulheres são descriminadas ou injustiçadas das mais variadas formas (muito mais do que os homens), quem tenha a lucidez de compreender essa realidade só é anti-sexista se for feminista. Numa sociedade que injustiça as mulheres, querer mais justiça e igualdade de oportunidades implica querer aumentar os direitos e oportunidades das mulheres.
E se é verdade que a implicação inversa não é necessariamente verdadeira, é fácil constatar que a esmagadora maioria das/dos feministas são-no por serem antes de mais anti-sexistas. Só uma ínfima minoria de feministas não é anti-sexista.
Por outro lado, é possível ser-se anti-sexista sem ser feminista, mas isso exige um enorme grau de desconhecimento da realidade: uma imagem muito distorcida/equivocada a respeito da sociedade actual. Já tomei contacto com pessoas nesta categoria: dizem-se anti-sexistas e afirmam querer um mundo justo onde os homens não são privilegiados - e eu acredito nelas - mas não se consideram feministas pois não consideram que as mulheres sejam significativamente mais injustiçadas/prejudicadas que os homens no contexto em que vivemos. Nalguns casos reconhecem algumas injustiças para com as mulheres, mas contrapõem outras injustiças sexistas para com os homens (por exemplo, em relação à custódia dos filhos) e alegam que as injustiças num sentido e noutro têm uma importância e gravidade semelhante, ou resultam apenas das escolhas livres feitas pelas mulheres.
Importa pois desfazer este profundo equívoco. Independentemente de pequenos rituais de etiqueta para os quais pode existir uma pressão social mais forte ou mais fraca consoante o contexto, ou algumas situações extremas (e raras) onde as diferentes expectativas sociais podem ser mais ou menos favoráveis a um sexo/género que outro, devemos centrar a discussão sobre a desigualdade naqueles aspectos que determinam grande parte dos recursos (em tempo e dinheiro) da esmagadora maioria da população: as tarefas domésticas e os ordenados.
Sobre a primeira questão, os dados são claros (para Portugal: 17h de diferença; para vários países da União Europeia: cerca de 14h de diferença; para os EUA: cerca de 10h de diferença) - em média as mulheres passam muito mais horas que os homens a realizar trabalho doméstico. A discrepância é elevada o suficiente para que não a possamos atribuir exclusivamente a alegadas diferenças relativas a gostos ou preferências. Os indícios a respeito de uma pressão social inescapável e consequente são significativamente claros. Não posso deixar de destacar que estes são valores médios, e que existirão casos onde a discrepância será muito superior a esta. Vale a pena também destacar que os valores apresentados correspondem à carga semanal - cerca de 750h anuais é algo com um impacto tremendo na vida de qualquer um.
Já no que diz respeito aos salários, sabe-se que existem disparidades salariais significativas (na UE podem oscilar entre os 3.2% na Eslovénia, 13% em Portugal ou 29.9% na Estónia, para uma média geral de 16.3%; nos EUA rondam os 22%), e mesmo que algumas delas possam ser atribuíveis a diferentes escolhas pessoais ou características físicas, é bastante clara a existência de uma discriminação sexista que não dá as mesmas oportunidades a todos.
A este respeito não posso deixar de falar de três estudos elucidativos (entre muitos outros):
Perante o conhecimento destes factos (e muitos outros), qualquer indivíduo que mantenha a convicção de que não existe um desequilíbrio na nossa sociedade que desfavorece as mulheres ao nível dos direitos e oportunidades está simplesmente em negação. Se continua sem ser feminista, não é certamente anti-sexista.
Post também publicado no Espaço Àgora.
Quem acredita que as mulheres têm menos direitos e oportunidades do que deviam ter é feminista.
As definições não são iguais, mas têm uma relação profunda. Numa sociedade onde as mulheres são descriminadas ou injustiçadas das mais variadas formas (muito mais do que os homens), quem tenha a lucidez de compreender essa realidade só é anti-sexista se for feminista. Numa sociedade que injustiça as mulheres, querer mais justiça e igualdade de oportunidades implica querer aumentar os direitos e oportunidades das mulheres.
E se é verdade que a implicação inversa não é necessariamente verdadeira, é fácil constatar que a esmagadora maioria das/dos feministas são-no por serem antes de mais anti-sexistas. Só uma ínfima minoria de feministas não é anti-sexista.
Por outro lado, é possível ser-se anti-sexista sem ser feminista, mas isso exige um enorme grau de desconhecimento da realidade: uma imagem muito distorcida/equivocada a respeito da sociedade actual. Já tomei contacto com pessoas nesta categoria: dizem-se anti-sexistas e afirmam querer um mundo justo onde os homens não são privilegiados - e eu acredito nelas - mas não se consideram feministas pois não consideram que as mulheres sejam significativamente mais injustiçadas/prejudicadas que os homens no contexto em que vivemos. Nalguns casos reconhecem algumas injustiças para com as mulheres, mas contrapõem outras injustiças sexistas para com os homens (por exemplo, em relação à custódia dos filhos) e alegam que as injustiças num sentido e noutro têm uma importância e gravidade semelhante, ou resultam apenas das escolhas livres feitas pelas mulheres.
Importa pois desfazer este profundo equívoco. Independentemente de pequenos rituais de etiqueta para os quais pode existir uma pressão social mais forte ou mais fraca consoante o contexto, ou algumas situações extremas (e raras) onde as diferentes expectativas sociais podem ser mais ou menos favoráveis a um sexo/género que outro, devemos centrar a discussão sobre a desigualdade naqueles aspectos que determinam grande parte dos recursos (em tempo e dinheiro) da esmagadora maioria da população: as tarefas domésticas e os ordenados.
Sobre a primeira questão, os dados são claros (para Portugal: 17h de diferença; para vários países da União Europeia: cerca de 14h de diferença; para os EUA: cerca de 10h de diferença) - em média as mulheres passam muito mais horas que os homens a realizar trabalho doméstico. A discrepância é elevada o suficiente para que não a possamos atribuir exclusivamente a alegadas diferenças relativas a gostos ou preferências. Os indícios a respeito de uma pressão social inescapável e consequente são significativamente claros. Não posso deixar de destacar que estes são valores médios, e que existirão casos onde a discrepância será muito superior a esta. Vale a pena também destacar que os valores apresentados correspondem à carga semanal - cerca de 750h anuais é algo com um impacto tremendo na vida de qualquer um.
Já no que diz respeito aos salários, sabe-se que existem disparidades salariais significativas (na UE podem oscilar entre os 3.2% na Eslovénia, 13% em Portugal ou 29.9% na Estónia, para uma média geral de 16.3%; nos EUA rondam os 22%), e mesmo que algumas delas possam ser atribuíveis a diferentes escolhas pessoais ou características físicas, é bastante clara a existência de uma discriminação sexista que não dá as mesmas oportunidades a todos.
A este respeito não posso deixar de falar de três estudos elucidativos (entre muitos outros):
- A partir do momento em que as audições para contratações de músicos esconderam o sexo/género do candidato, a contratação de mulheres aumentou significativamente. Grande parte desse aumento deveu-se a esta alteração no processo de selecção.
- O código informático escrito por mulheres foi aprovado no repositório GitHub a uma taxa superior à do código escrito por homens, mas apenas nas situações em que o sexo/género do autor não era conhecido.
- Os salários dos indivíduos que mudaram de sexo foram afectados pela mudança: um aumento ligeiro quando a mudança foi do sexo feminino para o masculino, uma acentuada redução quando a mudança aconteceu no sentido inverso.
Perante o conhecimento destes factos (e muitos outros), qualquer indivíduo que mantenha a convicção de que não existe um desequilíbrio na nossa sociedade que desfavorece as mulheres ao nível dos direitos e oportunidades está simplesmente em negação. Se continua sem ser feminista, não é certamente anti-sexista.
Post também publicado no Espaço Àgora.
8 comentários :
-> Muitas mulheres heterossexuais não querem ter o trabalho de criar filhos... querem 'gozar' a vida; etc;
-> Muitos homens heterossexuais não querem ter o trabalho de criar filhos... querem 'gozar' a vida; etc;
-> CONCLUINDO: é uma riqueza que as sociedades/regiões não podem deixar de aproveitar - a existência de pessoas (homossexuais ou heterossexuais) com disponibilidade para criar/educar crianças.
.
---> Já há mais de dez anos (comecei nos fóruns clix e sapo) que venho divulgando algo que, embora seja politicamente incorrecto, é, no entanto, óbvio:
- Promover a Monoparentalidade - sem 'beliscar' a Parentalidade Tradicional (e vice-versa) - é EVOLUÇÃO NATURAL DAS SOCIEDADES TRADICIONALMENTE MONOGÂMICAS...
{ver blogs http://tabusexo.blogspot.com/ e http://existeestedireito.blogspot.pt/}
Em relação a ter ou não ter filhos penso que a grande maioria das pessoas ainda não realizou que o problema demográfico vai continuar a colocar-se como já acontecia no século XIX no sentido de limitação da natalidade, estão aí os robots e os cobots, está aí o desemprego quase sistêmico, para quê incrementar o aumento da população? Claro que em relação às crianças que nascem, todos temos obrigação de as proteger, isso está fora de questão.
Não vejo ninguém a incrementar a população. Aliás, a população nos países desenvolvidos está a diminuir.
A população no mundo está a aumentar, e ainda vai continuar a aumentar durante vários anos. Mas o número de crianças - no mundo - estagnou. O aumento da população deve-se ao aumento da esperança média de vida (com igual natalidade e mortalidade, existe mais gente no mundo se cada uma viver mais tempo).
Isto tem implicações boas e más:
Boas) Gradualmente a dinâmica da população mundial vai convergir para um equilíbrio estável. O crescimento explosivo já passou, e o crescimento vai minguar. Dentro de algumas décadas a população atingirá o seu pico e não aumentará a partir daí.
Más) Se hoje já existe mais gente do que seria desejável (quer ao nível do impacto ambiental do consumo humano, quer ao nível da relação capital/trabalho que tanto tem desvalorizado o trabalho), o facto de ainda não termos atingido a "população de equilíbrio" e esta ainda vir a ser superior é realmente problemático. Este problema é agravado pela automação que pode diminuir bastante a procura de mão de obra (e se antes era só nos sectores menos qualificados, isso está mesmo em vias de mudar).
Para mim as conclusões são claras: não é preciso entrar em pânico com o crescimento populacional, já que a população está a caminho de atingir um patamar estável - mas é preciso rejeitar qualquer tentativa contraproducente de promover a natalidade, principalmente nos países desenvolvidos onde cada indivíduo tem um impacto ambiental dezenas/centenas de vezes superior, deixando ao invés que as pessoas façam livremente as suas escolhas relativas à parentalidade.
As ameaças de "falência iminente"/"insustentabilidade" dos sistemas de segurança social só o são porque não interessa aos ricos e poderosos associar esses problemas aos problemas de desemprego que existem, com receio do impacto que soluções desse tipo teriam no custo da mão de obra (um impacto, a todos os níveis desejável).
João Vasco, é positivo que reconheças que o crescimento populacional está a abrandar, e que parará em breve (ainda este século, creio eu). Vejo pessoas preocupadas com o crescimento populacional de uma forma quase irracional - e ignorando os dados.
No resto do teu raciocínio, partes do princípio de que existe mais gente do que é desejável. Eu não sei qual é o número de pessoas ideal para o planeta. É que não faço mesmo a mínima ideia de como se calcula isso. Portanto não acompanho o resto do raciocínio. E quanto às pessoas terem um impacto ambiental maior no mundo desenvolvido, tenho dúvidas. Estás a contar a China, onde as preocupações ambientais estão ausentes, como «desenvolvido»? E esse é um argumento que se usa facilmente contra a imigração, aliás.
Ricardo Alves,
Existe mais gente do que o desejável se:
a) O impacto ambiental actual é insustentável, e, no entanto, apenas uma pequena proporção da humanidade tem uma qualidade de vida aceitável. Essa pequena proporção da população mundial é responsável por uma enorme proporção do impacto ambiental. O que quer dizer que à medida que mais gente sai da miséria e atinge uma qualidade de vida razoável, mais se acentua a desproporção entre o nível de impacto ambiental da humanidade e aquele que seria sustentável para evitar consequências catastróficas.
b) O trabalho tem-se desvalorizado, e as desigualdades têm-se acentuado. Isto é completamente inevitável: se o trabalho se torna mais abundante, ele torna-se também menos valioso.
Se a população fosse significativamente inferior, os salários seriam significativamente superiores.
(Duas formas diferentes de ver porquê: Oferta/Procura entre capital/trabalho ou Lei dos rendimentos decrescentes aplicada à produtividade marginal)
Já agora:
1) A imigração não altera a população terrestre.
2) Cada chinês tem um impacto ambiental muitíssimo inferior ao de um americano ou europeu. As emissões da China são semelhantes às dos EUA, e a sua população é mais de 4 vezes superior. Mas quanto mais desenvolvida se torna a China, maior é o seu impacto ambiental, disso não há dúvida.
Se tens "dúvidas" que o impacto ambiental nos países desenvolvidos é superior, não devias - é um facto mais do que estabelecido e calculado.
João Vasco, não respondeste à minha pergunta: qual é o número de pessoas ideal para o planeta?
Quanto à imigração, não entendeste que estás a defender que haja menos imigração para os países «ricos» (porque isso aumentaria a «pegada ecológica»). Há extrema direita que concorda contigo.
Ricardo Alves,
No que diz respeito à imigração, o problema que tu tens é que o aumento da qualidade de vida está associado a um aumento da pegada ecológica. Isso acontece seja por via da imigração, seja pela via do desenvolvimento dos países mais pobres. Claro que muito pode ser feito para atenuar este problema - e eu defendo que ele tenha bem mais prioridade do que a generalidade do eleitorado lhe quer dar - mas mesmo que se priorize esta questão e se faça muito mais para diminuir o impacto ambiental, continuará sempre a ser verdade que uma vida digna corresponde a um impacto ambiental muito superior do que uma vida miserável. Isto não é um argumento contra que se dignifique a vida das pessoas: é um argumento para que se reconheça que há muito a ser feito neste domínio, e que uma população mais reduzida não criaria problemas tão graves neste domínio.
« qual é o número de pessoas ideal para o planeta?»
Não sei. Tenho razões fortes para inferir que é inferior ao número actual, mas não sei quão inferior. Para isso seria necessária ainda mais informação.
Por exemplo, existe fundamentação empírica sólida para saber que a produtividade marginal obedece à lei dos rendimentos decrescentes (quanto mais pessoas existem, mais pequenos são os salários), mas eventualmente poderia acontecer que a população diminuísse abaixo de um ponto para o qual as economias de escala seriam fundamentais, e o contrário ocorresse. Como estamos distantes desse ponto, não existem - que eu saiba - boas estimativas de qual ele seja.
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